Em Espanha, o cenário é de guerra

Nas últimas 24 horas morreram quase 400 pessoas. O país vizinho soma neste momento 28573 infetados e 1725 mortos. O primeiro-ministro Pedro Sánchez anunciou o prolongamento do estado de emergência e os médicos dizem que estão a viver a "guerra da nossa geração".
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Madrid é a região mais afetada, com 70% dos casos de todo o país e mais de mil mortes. Os pavilhões da IFEMA, a Feira Internacional da capital espanhola, foram transformados em hospital de campanha e preparam-se para receber milhares de doentes, porque o sentimento geral é que o pior ainda está para vir. O primeiro-ministro Pedro Sánchez disse-o no sábado à noite: "Estamos num momento muito crítico e dias mais duros vão chegar. O pior está para vir e porá à prova as nossas capacidades". E hoje de manhã anunciou o prolongamento do estado de emergência por mais 15 dias, o que significa que Espanha estará em isolamento durante toda a Semana Santa.

Não é para menos. A situação que se vive nos hospitais madrilenos, e que se teme estender-se a toda a Espanha, é dramática.

Uma reportagem hoje no jornal El País dá conta do desespero destes dias entre os profissionais de saúde, que comparam o que se está a viver com uma guerra, contra um inimigo invisível, e não encontram paralelo para a situação. As unidades de cuidados intensivos (UCI) dos hospitais de Madrid estão a dar resposta ao dobro dos doentes que a sua capacidade normal permitiria, os médicos, enfermeiros e auxiliares estão no limite das suas forças e com medo, a que se soma a falta de equipamento médico e de proteção. Os doentes que tratam estão em estado grave, sedados, entubados, isolados, a requerer cuidados 24 horas por dia, durante semanas. E prevê-se que sejam muitos mais nos próximos dias.

"O trabalho é imenso, esgotante, stressante, estás com a bata, a máscara e o gorro, falta-te o oxigénio e os óculos embaciam-se. Nunca tinha vivido nada assim. É titânico. Queria que fosse um filme e chegasse ao fim", diz María Antonia Estecha, 57 anos, chefe de serviço da UCI do Hospital Virgen de la Victoria de Málaga, ao El País. Está a trabalhar há duas semanas quase sem descanso, a tratar doentes em estado crítico e a evitar ser infetada, consciente de que o pior ainda está por vir.

Uma UCI, escreve o jornal espanhol, é sempre um cenário dramático. Agora mais. "Todos têm a mesma patologia: uma pneumonia grave que obriga a uma entubação de emergência e ligação ao ventilador", explica Gabriel Heras, intensivista de um hospital de Madrid, ao El País. "Requer muito tempo e recursos humanos e técnicos. São necessárias quatro ou cinco pessoas para entubar um paciente".

Já a anestesista Celia González, do Hospital de Cruces, em Bilbau recorda como decidiu seguir esta carreira depois dos atentados de 11 de março de 2004, que fizeram quase 200 mortos em Espanha. "Esta é a guerra que calhou à nossa geração", diz também ao El País.

À exigência dos cuidados com os doentes acresce a que tem que se ter para não ficar doente também. A covid-19 é altamente contagiosa e os profissionais de saúde são os que estão mais expostos ao contágio. O medo é uma constante e em Espanha, como em Portugal, somam-se as queixas de que falta de material de proteção assim como de não se estarem a fazer, como deviam, testes aos profissionais expostos a elevadas cargas virais.

Se é numa guerra que estamos, dizem, é preciso armas, munições, reforços. É isso que pedem os que estão na frente da batalha.

E depois da crise sanitária?

Espanha, como o resto da Europa, atravessa uma crise sanitária como não há memória. O que coloca a liderança do país, e da Europa, debaixo de fogo. De vários fogos. Além de enfrentar críticas internas que o acusam de ter agido tarde e de forma menos contundente do que exigia a situação, Pedro Sánchez e o seu executivo sofrem as pressões de patrões e sindicatos para que exija de Bruxelas medidas urgentes para suavizar a crise económica e social que inevitavelmente se seguirá à sanitária.

Às primeiras, que se fazem ouvir sobretudo por parte de alguns presidentes das regiões autónomas, entre os quais se destaca o catalão Quim Torra, a exigir confinamento total e medidas mais duras, o primeiro-ministro espanhol responde com um apelo à unidade neste momento de crise, pedindo que se deixem as críticas para depois de vencida a batalha e garantindo que as medidas tomadas estão de acordo com as recomendações da Organização Mundial de Saúde e "foram as mais drásticas e estritas de toda a Europa e mundo", disse, citado, pelo La Vanguardia. Neste domingo, Sánchez confirmou o prolongamento do estado de emergência em Espanha por mais duas semanas, até 11 de abril, para tentar conter o contágio.

Mais difícil é responder aos que exigem que reclame ação por parte de Bruxelas, numa altura em que o país está a perder cem mil empregos ao dia e o PIB trimestral está a cair na ordem dos 12%. Mais do que as lideranças de cada país, na opinião de vários especialistas e responsáveis políticos consultados pelo El País, está em causa o papel, e o sentido, da União Europeia.

Que Europa, e que mundo, resultará desta crise provocada por um minúsculo mas poderoso vírus?

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