"Elizabeth Costello", do Nobel J.M. Coetzee, no palco do S. João
A versão dramatúrgica do romance Elizabeth Costello, do Nobel da Literatura J.M. Coetzee, protagonizada por Cucha Carvalheiro, sobe ao palco do Teatro Nacional S. João (TNSJ), no Porto, de 18 a 28 de janeiro.
O romance original de Coetzee toma a literatura e o exercício da escrita para primeiro plano, permitindo a abordagem de "ideias polémicas", que a adaptação corporiza, segundo a perspetiva do autor.
Com adaptação do escritor Alexandre Andrade e da atriz Cristina Carvalhal, que também encena, a peça gira em torno de Elizabeth Costello, uma conhecida escritora australiana, no final da vida, cujo percurso é revelado através de uma série de palestras, supostamente proferidas em diferentes momentos e em diferentes pontos do globo.
Alexandre Andrade e Cristina Carvalhal a protagonista da peça em frente ao "grande portão". Para o transpor, a escritora tem de se sujeitar a um tribunal que avalia as suas crenças. Costello defende, contudo, que um escritor não deve ter crenças, um argumento que não colhe junto dos juízes que a avaliam.
"Na expectativa de uma segunda audiência, Elizabeth discute com outras personagens aquilo a que prefere chamar as suas convicções, relativamente a temas como o amor, o mal, a arte e a razão. No entanto, quando chamada a depor, evita estes tópicos solenes, reduzindo a sua alegação à história das pequenas rãs que surgem na estação das chuvas, no leito do rio da sua infância", lê-se na folha de sala da versão levada agora ao palco.
O julgamento remete para o penúltimo capítulo do romance, em que Coetzee se aproxima de novelas de Kafka, como O Processo e Diante da Lei. As referências literárias encontram-se, porém, em toda a obra do escritor, numa meditação sobre a natureza da escrita, e como suporte da sua protagonista.
Costello é uma personagem presente noutras obras de Coetzee, como A vida dos animais e O Homem Lento. O romance de juventude que deu fama à personagem, The House on Eccles Street, tantas vezes citado nesta obra, é uma versão de "Ulisses", de James Joyce, sob a perspetiva da mulher, Molly Bloom.
O desenlace de Elizabeth Costello é, também ele, um jogo de referências literárias. Toma a forma de uma suposta carta de Lady Chandos a Francis Bacon, que também pode ser um conto de Coetzee, e baseia-se na Carta de Lorde Chandos, de Hugo von Hofmannsthal, texto do início do século XX que aborda a incapacidade da escrita, para expressar o real.
"O realismo nunca se deu muito bem com as ideias, e não podia ser de outro modo", avisa J.M. Coetzee, citado pela apresentação da peça.
Com Elizabeth Costello, Cristina Carvalhal volta a adaptar para teatro um texto que não foi escrito para cena, à semelhança de produções anteriores, como Cândido, de Voltaire, Erva Vermelha, de Boris Vian, e Cosmos, de Witold Gombrowicz.
Neste trabalho contou com o escritor Alexandre Andrade, autor de As Não Metamorfoses, "Benoni", Cinco Contos sobre Fracasso e Sucesso e, entre outras obras, da peça Copo Meio Vazio, apresentada este ano no ciclo Panos, da Culturgest.
Coproduzida por Causas Comuns, Teatro Nacional São João e Culturgest, Elizabeth Costello tem interpretações de Bernardo Almeida, Luís Gaspar, Rita Calçada Bastos e Sílvia Filipe, além de Cucha Carvalheiro.
O cenário e figurinos são de Ana Limpinho, o desenho de luz de José Álvaro Correia e a música original e desenho de som de Sérgio Delgado.
O espetáculo, que se estreou em dezembro na Culturgest, tem legendas em inglês e vai poder ser visto no Porto, à quarta-feira e ao sábado, às 19:00, à quinta e sexta-feira, às 21:00 e, ao domingo, às 16:00.