Ele descobriu como se vende bacalhau aos americanos
Chego ao Portugalia Marketplace, onde há bacalhau, vinhos do Douro, Dão e Alentejo e azeite do melhor que se faz em Portugal, à boleia de Onésimo Teotónio Almeida. O português que é professor há quatro décadas na Universidade Brown é um cliente habitual e os 40 quilómetros que separam Providence de Fall River, a cidade onde fica o supermercado, não são nada para quem se habituou à imensidão americana mesmo tendo nascido nos Açores. Mudámos também de estado, de Rhode Island para Massachusetts, mas isso nem se nota, pois continua a respirar-se o ar da Nova Inglaterra, a região dos Estados Unidos mais parecida com a Europa.
Michael Benevides, dono do Portugalia Marketplace, trocou esses Açores que são ainda Europa pelos Estados Unidos não tinha sequer 2 anos, como o próprio conta. Por isso, apesar de ter aprendido português em casa, diz sentir-se mais à vontade a conversar em inglês. Acabamos por fazer um acordo: perguntas em português, respostas em inglês. Mas mesmo assim, Michael acaba por recorrer de vez em quando a expressões portuguesas quando fala da experiência de vida da família aqui em Fall River, onde chegaram em 1979.
A irmã da minha mãe já tinha emigrado para os Estados Unidos e portanto fizeram a tal carta de chamada [aqui usou o português] e eles chamaram os meus pais. O lado da família do meu pai também tinha emigrado, mas maioritariamente para o Canadá, para Toronto. O lado da minha mãe é que tinha vindo para esta área, o que era muito comum naquela altura, conta Michael, que na verdade nasceu Arnaldo Miguel mas que na escola americana foi ficando com o segundo nome, mais fácil de pronunciar e logo mais americanizável.
O jovem empresário luso-americano que estudou Gestão conta como na escola, mesmo já Michael, os primeiros tempos foram difíceis. Havia preconceito contra os filhos de portugueses. Chegavam a chamar-nos corno verde ou portuguis. Diziam que cheirávamos a peixe. Senti isso na pele. Havia outros portugueses e éramos todos gozados. A nível da escola secundária tudo começou a mudar. Há mais cornos verdes (green horns), há mais dos teus, mais portugueses, e então somos mais, somos mais fortes em número, formamos um grupo e já não se metem connosco. Estamos sentados à mesa num pequeno café dentro do Portugalia. Bebemos uma bica, acompanhada por um pastel de nata, pois claro. Antes, Michael mostrou-me toda a loja, mas já lá iremos. Para já, um pouco mais do percurso pessoal, para percebermos como chegou até este projeto de sucesso, verdadeiro ponto de atração para os portugueses da região, que são muitos.
Em criança, Michael foi no máximo umas três vezes a São Miguel, a ilha onde nasceu (a família vivia na Candelária). Mas tinha grande fascínio por conhecer o resto de Portugal, sobretudo Lisboa. Sempre gostei de grandes cidades. Sempre que podia ia a Boston. Então queria ir um dia a Lisboa. E comecei a planear com um amigo irmos ver um Sporting-Benfica. Eu tinha 18 anos. E descobri um Portugal diferente.
Fico a saber que é sportinguista, influência do pai, Fernando Benevides. O meu pai é um fã incondicional do Sporting, portanto em criança sempre ouvi gritar Sporting, Sporting! em casa. Ficou impregnado em mim. Não tinha nenhuma hipótese de não ser também fã. O futebol é uma ligação constante a Portugal e Michael até estava de férias em São Miguel quando a seleção ganhou o Europeu, no ano passado. Vi aquilo, celebrei, e fiquei noite dentro a ver os resumos na televisão, o golo contra a França. Foi espetacular, diz, voltando a usar o português.
Damos uma volta pelo supermercado. E vejo vinhos de todo o Portugal. Também queijos. E surpreendeu-me uma zona separada por vidros e com controlo de temperatura para o bacalhau. Michael explicou-me que os clientes americanos, cada vez mais, adoram tudo o que é português. Perceberam que os vinhos, por exemplo, são tão bons como os franceses mas custam talvez metade ou menos em dólares. Contudo, o cheiro forte do bacalhau salgado, ao qual não estão habituados, afugentava-os um pouco e por isso o investimento numa zona própria, que ainda por cima ajuda à conservação.
Quando passo pelas prateleiras de Porto e de Madeira fico também a saber que os americanos bebem bastante do primeiro mas que nos últimos tempos, por causa de várias reportagens a falar dos gostos de George Washington e de Thomas Jefferson e de o Madeira ter servido para brindar a Declaração de Independência, o segundo vinho começa a ter também boa saída, sobretudo junto dos intelectuais, nota Michael.
Falemos então de como o luso-americano de Fall River que estudou Administração de Empresas e Gestão na Johnson & Wales, em Providence, teve a ideia deste Portugalia Marketplace que, mais do que produtos vários, tenta vender sobretudo a marca Portugal.
A nossa empresa começou numa garagem, a garagem da nossa casa. O meu pai, tal como a minha mãe, trabalhava na indústria têxtil, mas começou um negócio como importador de produtos portugueses. Distribuíamos por várias lojas. Depois começámos também a ser retalhistas. As pessoas batiam à porta e diziam que queriam comprar bacalhau ou azeite. Eram caixas por todo o lado. E as pessoas gostavam de comprar assim porque sentiam que estavam a comprar diretamente ao importador, logo a fazer bom negócio. E o meu pai, em quem confiavam, construiu com muito suor, sangue e lágrimas um negócio de sucesso. Não gastava um cêntimo em publicidade. As pessoas recomendavam umas às outras, conta Michael, que fala da vida do pai como o sonho americano.
O negócio correu bem e Fernando Benevides trocou a garagem por outras instalações, onde hoje funciona a Portugalia Imports. O filho, nas férias da escola, ajudava e começava a perceber como se geria. Até que um dia, andava já Michael na universidade, a ideia de fazer algo mais ambicioso começou a despontar. Eu via os mercados da comunidade italiana e pensava porque é que nós portugueses não temos nada assim? Depois fui à Califórnia, a São Francisco, e continuei a ver mercados bem organizados, agradáveis, onde as pessoas compravam com gosto.
O Marketplace ocupa as instalações de uma antiga fábrica têxtil. E alguns clientes portugueses trabalharam aqui. Funciona bem junto da comunidade, mas também atrai americanos que depois de experimentarem produtos portugueses, alguns por causa de viagens, ficam fiéis, até ao bacalhau. Mas Michael tem ambição de fazer crescer o negócio, e aqui volta o fascínio pelas grandes cidades: Adoraria, um dia, ter um Portugalia Marketplace em Boston. Onde chegasse a outro tipo de consumidores, vender o melhor de Portugal nos vinhos, nos queijos, nos azeites. Vender sempre como um todo, com a marca Portugal.
Despeço-me de Michael. Pergunto se tem filhos. Sim, três. Julian, Sebastian e Sofia. Como a mulher, Sandrine, é de origem francesa, em casa fala-se inglês e por isso os miúdos não sabem português, admite o empresário, tirando quando estão com os avós açorianos e pelo menos em termos de comida as palavras são as portuguesas. E, já agora, como foi na final com a França, por quem torceram as crianças? Julian, que tem 12 anos, joga futebol e esteve muito ligado ao Euro 2016. Eu consegui reparar que ele estava a torcer por Portugal, mas ligou ao avô francês logo a seguir ao jogo a dizer que lamentava. Mas foi divertido celebrarmos juntos o campeonato, confessa Michael Benevides.
Em Fall River