Elas já têm valor no mercado. Seleção vive revolução mediática
As conquistas das jogadoras portuguesas vão muito para lá das vitórias no relvado que as levaram até a Mundial de futebol feminino pela primeira vez. Faltam-lhe cifrões, mas a inédita presença colocou-as no centro de uma verdadeira revolução mediática antes da estreia, no dia 23, diante dos Países Baixos, que as irá certamente valorizar financeira e desportivamente. Portugal enfrenta ainda o Vietname (dia 27) e as bicampeãs dos EUA (1 de agosto).
As jogadoras, que ontem participaram na receção oficial de boas vindas às seleções sediadas em Auckland, pelo Conselho Maori, gravaram vários anúncios publicitários e participaram em campanhas de promoção e divulgação das Marcas que apoiam e patrocinam as seleções, como o BPI, a MEO, a Sagres ou o Continente, a CUF, a Hertz e a Nike. Nunca tinham merecido tanto protagonismo junto das marcas e sponsors da Federação Portuguesa de Futebol (FPF) e tanta atenção mediática.
O marketing e a publicidade faz cada vez mais parte da vida delas. Segundo Daniel Sá, do Instituto Português de Administração de Marketing (IPAM), "colocar o futebol feminino ao nível do masculino do ponto de vista mediático demora o seu tempo", mas "está-se a caminhar" para isso e "a presença no Mundial vai dar um empurrão fundamental". Mas, para já "não é possível" colocar-lhe um valor: "Um Portugal-EUA num mundial visto por milhões de pessoas...impagável, é a cereja em cima da cereja no topo do bolo."
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Sendo assim como se pode avaliar uma jogadora, tendo em vista uma transferência por exemplo? "É uma excelente pergunta" para a qual o especialista em marketing desportivo não tem resposta. Pese embora as distâncias financeiras abismais, uma transferência no futebol feminino (tal como no masculino) pode salvar um orçamento - a maior parte das equipas da Liga BPI tem orçamentos abaixo do meio milhão de euros.
Até à remodelação dos campeonatos, as transferências eram quase 0%. A jogadora tinha contratos de um ou dois anos e quando acabava assumia outro compromisso. Hoje já há atletas com vínculos de dois, três e mais anos e transferências a envolver dinheiro. Exemplo de Cloe Lacasse, que há dias se mudou do Benfica para o Arsenal por um (apregoado) "valor recorde" sem ninguém o quantificar.
No site Soccerdonna, plataforma do site Transfermarket para o futebol feminino, a canadiana, que foi eleita a melhor jogadora do campeonato português está avaliada em 175 mil euros. O mesmo site avaliou Tatiana Pinto, que joga no Levante da liga espanhola, como a portuguesa mais valiosa (125 mil), seguida da benfiquista Kika Nazareth (90 mil), de Andreia Jacinto, do Parma (60 mil) e de Jéssica Silva do Benfica (55 mil). O valor médio de uma jogadora da seleção é de 30 mil euros.
Segundo Daniel Sá, Portugal já despertou para a modalidade há algum tempo - a seleção já foi a dois europeus e está no mundial, o Benfica garantido na Champions e a liga é semiprofissional - e está agora na fase da progressão global, com cada vez mais transmissões televisivas, um aumento do número de praticantes e da atenção mediática. "Ninguém pode esperar que de um ano para o outro se chegue ao mesmo patamar do futebol masculino. Há que assumir o fosso para o diminuir. Na minha opinião já todos perceberam o potencial do futebol feminino", disse ao DN o diretor do IPAM.
Acreditando que "as marcas se vão envolver cada vez mais e à medida que a atenção mediática aumentar", Daniel Sá destaca o facto de haver jogadoras que por si já são uma marca (ver coluna ao lado): "Essa é uma componente importante e basta olhar para o futebol masculino onde os direitos de imagem são uma fatia importantíssima das negociações de contratos de marketing e publicidade da Federação. Construir o ídolo que depois de transforma em mini-marca e gerar cada vez mais interesse."
Por isso, "independentemente do sucesso desportivo, vamos ter um antes e um depois do Mundial no futebol feminino, que nunca teve esta atenção mediática. Quanto vale uma fotografia de uma Ana Borges ou de uma Jéssica Silva a disputar um lance com uma Megan Rapinoe ou uma Alex Morgan?", questiona, garantindo que a presença no Mundial "vai acelerar o caminho da promoção" porque a atenção mediática "será tremenda" e todos vão colher desse benefícios.
Há uma década, Portugal tinha quatro mil atletas federadas, hoje tem mais de 15 mil e segundo o plano estratégico da FPF, esse número irá quadruplicar até 2030. "É o tempo certo para clubes e marcas investirem", avisou há dias Fernando Gomes, que tem feito bandeira da igualdade de género e de prémios.
Segundo Daniel Sá, para haver evolução é preciso uma promoção estruturada e articulada. Além do investimento/financiamento da FIFA, UEFA e FPF tem de haver uma Liga BPI séria e competitiva, para chamar mais jogadoras de qualidade para os jornalistas darem cobertura mediática: "Tudo junto vai tornar o espetáculo atrativo, gerar atenção das marcas e gerar dinheiro."
Começar por implementar um Contrato Coletivo de Trabalho "é o único caminho para chegar ao topo", segundo o catedrático porque "sem atletas profissionais dificilmente Portugal vai conseguir transformar o campeonato num espetáculo que possa ter qualidade para ser depois ser vendido". O Sindicato de Jogadores propôs três ordenados mínimos (2280 euros por mês) para o primeiro contrato, mas ainda não houve acordo para o implementar.
"Não podemos querer ordenados iguais de um dia para o outro até porque a capacidade de gerar receitas de um e outros são muito distintas. O futebol é uma indústria e precisa de tempo para se fortalecer. Sou 100% a favor da igualdade, se lá chegaremos em termos salariais não consigo dizer, mas que caminhamos para uma aproximação não tenho a menor dúvida", respondeu Daniel Sá.
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A seleção estar em 21.º do ranking FIFA confere qualidade às jogadoras portuguesas, que no último jogo de preparação para o Campeonato do Mundo levaram 27 221 pessoas ao Estádio do Bessa para ver a vitória sobre a Ucrânia (2-0, bis de Jéssica Silva). Mas até quando pode viver o futebol feminino de borlas e bilhetes a preços simbólicos e a reverter para causas sociais? "A política de porta aberta vai durar mais algum tempo. Estamos na fase da degustação, mas até pagar para comer ainda vai demorar. Do género: "venham ver o futebol feminino e o espetáculo que isto é". Faz sentido. Tenho a certeza que é estratégico para alavancar a modalidade. Desde que a Federação assumiu esta aposta que os resultados estão a aparecer", respondeu, lembrando que "os clubes têm de lutar por si mesmos, avançar para a profissionalização".
Em março o presidente da FIFA, Gianni Infantino, anunciou um aumento dos prémios monetários para o Mundial feminino para 150 milhões de euros, o triplo do atribuído em 2019. A FIFA vai pagar 28 mil euros a cada uma das 736 atletas que participam na prova, que começa no dia 20 na Austrália e Nova Zelândia. As futuras campeãs receberão 252 mil.
Jéssica Silva (101 internacionalizações) é a única portuguesa com uma Champions (Lyon, 2020) e a jogadora que mais atenção gera nos media. Representada por Pedro Regufe (agente de CR7), a atleta do Benfica está ligada a uma agência de moda (L"Agence) e fez uma campanha para a Salsa. Só no Instagram tem 670 mil seguidores - a segunda com mais seguidores as redes sociais é Kika com 119 mil.
A mais internacional das portuguesas (158 jogos) e uma das capitãs da seleção é também a dona da braçadeira no Sporting, onde fez história em 2017, quando se mudou do Chelsea para Alvalade, numa transferência paga (33 mil euros). Patrocinada pela Adidas, a polivalente jogadora, representada por Estrela Paulo, é uma das mais carismática do grupo.
Boa de bola e de sorriso fácil, a jovem Kika (27 internacionalizações) é um chamariz de marcas. A primeira jogadora a ser agenciada por Jorge Mendes é a nova cara do BPI e está ligada a marcas como a Nike. Faz parte das campanhas do Continente desde 2020 e o anúncio da Sagres que coprotagonista teve 10 mil visualizações.
isaura.almeida@dn.pt