Eixo franco-alemão vai a votos

Em França, François Fillon deverá ser o adversário de Marine Le Pen, candidata da extrema-direita. Na Alemanha, Angela Merkel tentará um quarto mandato perante a ameaça do crescimento dos populistas da AfD
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Franceses votam para eleger um novo presidente a 23 de abril e a 7 de maio de 2017, alemães escolhem novo Parlamento e novo governo em setembro. Em França, o ex-primeiro-ministro François Fillon venceu a primeira volta d"Os Republicanos e disputa a segunda este domingo com outro ex-chefe de governo, Alain Juppé. Se chegar ao Eliseu, tendo que disputar a segunda volta das presidenciais com Marine Le Pen (como dizem as sondagens), terá uma política muito mais conservadora. Na Alemanha, perante a subida dos populistas de direita da AfD, Merkel tentará um quarto mandato como chanceler. Falta saber o que fará o SPD, seu atual parceiro na Grande Coligação.

Fillon contra Marine Le Pen...

Em junho, a ideia de uma União Europeia sem o Reino Unido e de Donald Trump como inquilino da Casa Branca parecia um cenário risível, mas os eleitores viraram as sondagens ao contrário. Na ressaca das eleições norte-americanas não tardou até os olhares se virarem para França. Todos os estudos de opinião garantem que Marine Le Pen, candidata da extrema-direita, sairá derrotada numa segunda volta das presidenciais. Mas será mesmo assim, ou Paris poderá tornar-se o epicentro do novo terramoto político?

"As razões que levaram Trump ao poder também estão presentes aqui e isso pode fazer com que Le Pen consiga talvez até a vitória", escreve Nicholas Vinocur, correspondente em França do site Politico.

A primeira volta das primárias da direita já se encarregou de desmontar algumas certezas. Contra a generalidade das previsões, François Fillon, com 44,2% dos votos, ficou à frente do favorito Alain Juppé (28,6%). Em terceiro lugar, o grande derrotado foi Nicolas Sarkozy, que se ficou pelos 20,6%.

É já no próximo domingo que Fillon, ex-primeiro ministro de Sarkozy (2007-2012), e Juppé, que chefiou o governo durante a presidência de Jacques Chirac (1995-97), vão medir forças na segunda volta.

O vencedor deverá ser o principal adversário de Marine Le Pen na corrida ao Eliseu do próximo ano. Com a popularidade do presidente François Hollande pelas ruas da amargura, as sondagens mostram que será difícil para os candidatos da esquerda intrometerem-se na discussão. Em todos os estudos, o mais provável é que a segunda volta das presidenciais venha a ser disputada entre Marine Le Pen e o candidato do centro-direita - Fillon ou Juppé.

A nível nacional, o ex-braço-direito de Chirac parece ser o mais bem colocado para fazer frente à candidata da extrema-direita. Ainda assim, no frente-a-frente entre Fillon e Le Pen o inquérito mais recente atribui ao ex-primeiro-ministro de Sarkozy mais de 60%. Resta saber se desta vez as sondagens estão certas. Por outro lado, uma vitória de Fillon poderá abrir espaço ao centro e dar esperança aos pretendentes da esquerda, nomeadamente a Emmanuel Macron, o mais bem posicionado da área socialista.

Conservador, neoliberal e descrito como um espécie de Thatcher gaulês, François Fillon rejeita etiquetas ideológicas. "Colam-me o rótulo de liberal da mesma forma que pintavam cruzes nas portas dos leprosos durante a Idade Média, mas sou apenas um pragmático", afirmou no último comício antes da primeira volta. Mais à direita no espectro político do que Juppé, promete flexibilizar as leis do mercado de trabalho, reduzir a despesa e, no prazo de cinco anos, acabar com meio milhão de empregos no setor público. A nível de política externa, Fillon defende uma reaproximação à Rússia e entende que, na Síria, muito mais prioritário do que afastar o presidente Bashar al-Assad é dar as mãos a Vladimir Putin no combate ao Estado Islâmico.

É possível que os ataques terroristas e a crise migratória na Europa, que têm favorecido o crescimento de Marine Le Pen, também tenham contribuído para a vitória de Fillon na primeira volta. Enquanto Juppé sublinha a necessidade de fazer as pazes com o Islão, o ex-primeiro-ministro de Sarkozy publicou um livro intitulado Derrotar o Totalitarismo Islâmico. Em teoria, o posicionamento de Fillon - que recebeu o apoio de Sarkozy para a segunda volta - agrada ao eleitorado que se sente seduzido por Marine Le Pen, mas há outra variável que é preciso levar em conta. A candidata da extrema-direita apresenta-se, tal como Trump, como uma figura anti-sistema e regozijou-se com a vitória do magnata: "Hoje os EUA, amanhã a França". Pela frente deverá ter Fillon ou Juppé.

...e Merkel x 4 para travar a AfD

Angela Merkel anunciou este domingo que tenciona candidatar-se, pela quarta vez consecutiva, ao cargo de chanceler da Alemanha. Se ganhar, em setembro de 2017, não verá reeditada a aliança de outros tempos com Nicolas Sarkozy, à qual o antigo presidente da Comissão Europeia Jacques Delors um dia chamou Mercozy, uma vez que o ex-presidente francês ficou em terceiro lugar na primeira volta d'Os Republicanos, que decorreu este fim de semana. Na melhor das hipóteses, segundo o que apontam as últimas sondagens, o que Merkel terá, do lado de França, será François Fillon como aliado, se este vencer a segunda volta das primárias e as presidenciais de 2017. Apesar de em termos económicos os dois líderes até estarem em consonância, no que toca à crise dos refugiados e às relações da União Europeia com a Rússia, Fillon pode, porém, destoar da líder democrata-cristã.

"A primeira reação [às primárias] em Berlim é de alívio. Em termos de reformas económicas, Fillon defende o mesmo que a Alemanha. Mas se olharmos um pouco mais a fundo é óbvio que ele não será um parceiro propriamente fácil", disse à Reuters Claire Demesmay, especialista do German Council on Foreign Relations. Fillon é crítico do alinhamento exagerado da França em relação aos EUA e à Alemanha, em detrimento da Rússia. E também critica o acordo sobre migrantes e refugiados UE-Turquia, tendo acusado mesmo Merkel de menosprezar as questões de segurança com a sua política de porta aberta em relação aos refugiados (em 2015 a Alemanha recebeu mais de um milhão de refugiados). Caso consiga chegar ao Eliseu, Fillon, ex-primeiro-ministro, de 62 anos, poderia encontrar mais pontos de contacto por exemplo com os governos da Polónia e da Hungria do que com o da Alemanha. Sendo o eixo franco-alemão considerado o motor da União Europeia - e não é só em termos económicos - uma tal viragem poderia trazer consequências a nível europeu.

Isto somado à vitória presidencial de Donald Trump nos EUA deverá preocupar Merkel, que como lembra a revista Economist considera "grotesca e quase absurda" a imagem que se tem dela como salvadora do mundo. "Os desafios de Merkel são tanto internacionais como internos", lembrava ontem uma análise no site da conceituada revista britânica. A atual chanceler e líder da CDU, de 62 anos, tem em primeiro lugar que se preocupar com a subida dos populistas de direita do partido Alternativa para a Alemanha (AfD). Estes passaram de um resultado de 4,7% nas legislativas de setembro de 2013 (falhando o limite mínimo de 5% para entrar no Bundestag) para os 14,5% nas intenções de voto para as eleições do próximo ano. Muito à custa de uma mudança de discurso (e também de liderança). De mero partido eurocético nascido para contestar o resgate financeiro de países como Grécia e Portugal, pela mão de académicos como o professor Bernd Lucke, passou a partido extremista que defende que os polícias possam disparar contra os refugiados logo na fronteira, sob a liderança de Frauke Petry, mulher de negócios conhecida pelas suas posições islamofóbicas.

Merkel tem, por outro lado, que se preocupar também com os sociais-democratas, atuais parceiros de Grande Coligação da CDU/CSU no governo federal alemão. Algumas vozes do SPD criticaram ontem a recandidatura da chanceler, que se for reeleita poderá ficar no poder até ao ano 2021, igualando o recorde moderno do seu mentor político Helmut Kohl. Na semana passada a chanceler sofreu uma derrota tática, ao ser praticamente forçada a aceitar o social-democrata Frank-Walter Steinmeier para presidente do país em fevereiro. SPD, A Esquerda e Os Verdes poderiam, em teoria, aliar-se para impedir um Merkel x 4, mas em três dos seus governos a opção do SPD foi a de se aliar a ela. Em nome do interesse da Alemanha.

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