Eixo franco-alemão faz pressão pela paz na Ucrânia. Cessar-fogo prometido até ao fim do ano
Os presidentes russo e ucraniano, Vladimir Putin e Volodymyr Zelensky, reuniram-se pela primeira vez na segunda-feira, em Paris, durante conversações para relançar o processo de paz na Ucrânia, sob a liderança da França e da Alemanha, e comprometeram-se a implementar um cessar-fogo "total" na zona leste da Ucrânia antes do final do ano.
Os dois presidentes sentaram-se frente a frente em torno de uma mesa redonda, num salão no Palácio do Eliseu, ao lado do presidente francês, Emmanuel Macron, e da chanceler alemã, Angela Merkel, como parte de uma cimeira Normandia, em referência à região francesa onde os líderes dos quatro países se reuniram pela primeira vez em 2014 e que não se realizava desde 2016.
No fim da reunião, foi emitido um comunicado conjunto dando conta que "todas as partes comprometem-se na implementação de um cessar-fogo total, reforçado pela adoção de todas as medidas necessárias para o conseguir, até ao final do ano de 2019", segundo a Reuters.
Ficou ainda acordado que se farão esforços para que haja troca de "todos" os prisioneiros de guerra no mesmo prazo.
Em declarações aos jornalistas, o presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, classificou como "muito positiva" esta reabertura de diálogo com a Rússia. Já o seu homólogo russo optou por sublinhar que pretende que a Ucrânia faça alterações à sua Constituição de forma a dar um estaturo especial à região de Donbass.
Esta ideia fora, aliás, avançada neste mesmo dia peloo ex-ministro dos Negócios Estrangeiros ucraniano Pavlo Klimkin em entrevista ao La Croix. "Pode-se imaginar uma Rússia que decide manter o Donbass [região do leste da Ucrânia] sob um estatuto quase independente, enquanto mantém a realidade do poder. O conflito alternaria entre frio e quente, dependendo dos interesses do Kremlin, que recorreria à guerra híbrida", disse o ex-ministro dos Negócios Estrangeiros ucraniano Pavlo Klimkin em entrevista ao La Croix . "O outro cenário poderia ser uma Rússia que aceitasse um acordo internacional sobre a resolução da crise do Donbass, desde que pudesse manter a sua influência nesse país. Vladimir Putin poderia optar por esta solução como parte de um acordo global com o Ocidente, por exemplo. Mas, seja como for, não vejo Moscovo a desistir do Donbass", concluiu.
A reunião a quatro foi interrompida no final da tarde para que Putin e Zelensky pudessem reunir-se bilateralmente pela primeira vez desde a eleição deste último. Esta reunião pode também ter abordado a questão do abastecimento do gás entre os dois países. No final dessa reunião, Putin afirmou-se "satisfeito".
Após três anos de paralisia nas negociações para tentar pôr fim à guerra no leste da Ucrânia, o encontro entre o homem forte do Kremlin e o inexperiente comediante ucraniano era muito esperado, apesar de setores nacionalistas ucranianos se manifestarem contra a reunião, ao verem qualquer acordo como uma capitulação.
Eleito em abril com a promessa de acabar com o conflito na Ucrânia pró-russa oriental, Volodymyr Zelensky fez o gesto da vitória quando chegou ao palácio presidencial francês.
Zelensky conversou ao telefone com o homólogo russo em várias ocasiões desde que tomou posse. Estas discussões conduziram a um intercâmbio de 70 prisioneiros entre a Rússia e a Ucrânia em setembro.
O início da retirada das tropas de duas aldeias situadas perto de Donetsk, no dia 9 de novembro, contribuiu também para facilitar as relações entre a Ucrânia e as autoproclamadas repúblicas de Donetsk e de Lugansk, mas também com a Rússia. Cerca de dez dias depois, Moscovo anunciou que os três navios da Marinha ucraniana apreendidos por terem alegadamente violado as águas territoriais russas no estreito de Kerch, em novembro de 2018, foram devolvidos a Kiev.
Desde 2014, a guerra entre Kiev e os separatistas pró-russos deixou mais de 13 mil pessoas mortas no leste da Ucrânia e um milhão de deslocados.
A intensidade dos combates diminuiu desde os acordos de Minsk em 2015. Mas 80 mil soldados continuam a enfrentar-se de ambos os lados de uma linha da frente de 500 quilómetros. E todos os meses há registo de mortes em confrontos ou em resultado de explosões de minas.
O Ocidente e a Ucrânia acusam Moscovo de financiar e armar os rebeldes, o que a Rússia nega, alegando desempenhar um papel humanitário na proteção das populações de língua russa.
Na sequência da revolta pró-europeia de Maidan, a Praça da Independência, em Kiev, e da fuga do presidente Viktor Yanukovych para a Rússia, no final de fevereiro de 2014, apareceram na península da Crimeia misteriosos "homens verdes". Armados, de farda verde sem distintivos, ocuparam o Parlamento e todos os locais estratégicos da capital da Crimeia, Simferopol, e cercaram as bases militares.
O Kremlin começou por negar as acusações, até por fim anexar a península - onde a Rússia mantinha a base naval de Sebastopol - após um referendo sem qualquer reconhecimento internacional.
Na primavera de 2014, a mesma tática é usada no leste da Ucrânia, região predominantemente industrial e russófona. Separatistas - alguns deles desconhecidos nas comunidades - tomaram edifícios em várias cidades do leste da Ucrânia, uma região industrial de língua russa. A independência de Donetsk e de Lugansk é declarada.
Kiev reage e a violência degenera em guerra, em maio de 2014. A Ucrânia começa por somar vitórias, mas os separatistas, armados por Moscovo (sempre negado pelo Kremlin), repelem as tropas ucranianas.
Em julho, um Boeing 777 da Malaysia Airlines, que ligava Amesterdão a Kuala Lumpur, despenhou-se ao passar pelos céus ucranianos, matando todas as 298 pessoas a bordo. A investigação internacional conclui que o avião foi abatido por um míssil terra-ar BUK a partir de uma área em que operavam separatistas pró-russos.
Mais tarde, os investigadores apontaram o dedo a quatro suspeitos separatistas, incluindo Igor Guirkin, um antigo oficial dos serviços secretos russos.
Em resposta, europeus e norte-americanos adotaram sanções económicas contra Moscovo. A economia russa foi duramente atingida, mas o Kremlin respondeu através de um embargo a muitos produtos ocidentais, de forma a impulsionar as produções nacionais.
A Rússia tem distribuído passaportes russos aos habitantes da região, com a Ucrânia a controlar apenas parte da sua fronteira. Nos últimos sete meses foi atribuída a nacionalidade russa a 125 mil ucranianos.
O encontro realizou-se numa altura em que o presidente francês e o seu governo são contestados nas ruas. A greve geral, que na quinta-feira mobilizou centenas de milhares nas ruas contra a propalada reforma do sistema de pensões, continua para alguns sindicatos. Escolas fechadas ou em funcionamento reduzido, voos da Air France cancelados, comboios de longo percurso e suburbanos, bem como o metro de Paris, quase paralisados embora em menor número do que na quinta e na sexta-feira, mas suficientes para causar o caos nas estações. Cinco das oito refinarias encontram-se bloqueadas. E os médicos internos juntam-se a partir de terça-feira à greve de duração ilimitada.
O governo quer harmonizar os 42 regimes de pensões para um sistema universal, mas os sindicatos e os coletes amarelos temem que o pretexto sirva para, de alguma forma, entregar a Previdência a interesses privados.
Esses temores foram amplificados nas redes sociais, que recuperaram as notícias de outubro de 2017, quando o Eliseu foi palco de uma reunião que juntou o presidente da BlackRock, Larry Fink, com 21 gestores de fundos. "Inédito: até hoje presidente algum ousou privatizar o espaço que acolhe o Conselho de Ministros desde Georges Pompidou, para proveito de um grupo financeiro norte-americano", lia-se na notícia do Le Canard Enchaîné.
O semanário satírico (cuja secção política, devido aos escândalos que revela, é uma referência) referia que na reunião participaram o ex-ministro das Finanças britânico George Osborne, entretanto contratado pela BlackRock, o primeiro-ministro Edouard Philippe e outros quatro ministros. No final, os gestores foram recebidos por Emmanuel Macron, que fez um apelo ao investimento em França.
A BlackRock é a maior empresa de investimento do mundo, entre fundos soberanos, fundos de pensões, seguros e ações em grandes firmas. Em França - cujo PIB corresponde a metade dos fundos da BlackRock -, a empresa com sede em Nova Iorque tem participações em 18 das 40 maiores cotadas em bolsa.
Para irritar mais ainda os opositores à reforma, o alto-comissário das Pensões, Jean-Paul Delevoye, foi apanhado na tempestade por não ter informado, na sua declaração de interesses, que é administrador do instituto de formação das seguradoras, um setor que pode beneficiar com a alteração do regime. Ao Le Parisien , Delevoye disse que se esqueceu das suas ligações com as seguradoras e reconheceu que se tratou de "um erro".