Educar sem palmadas e tabefes? Sim, é possível e recomenda-se

Os castigos físicos são crime, não mudam comportamentos e podem ter consequências graves na vida das crianças. Em Portugal, há registo de pais condenados
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"Nunca fui de dar uma palmada para punir um mau comportamento. Tudo o que envolve violência deixa marcas e não resolve os problemas. Acho que até pode criar raiva." Para Carla Ferreira, de 41 anos, os castigos físicos não mudam comportamentos. "Muitas vezes, só fazem pior". Até ao momento, ressalva, nunca deu uma palmada ou uma bofetada à filha, Beatriz, de 9 anos. "Não é muito de fazer birras. Tenho essa sorte", reconhece, assumindo que já se sentiu extremamente irritada, sobretudo na hora de fazer os trabalhos de casa, mas procurou resolver a situação sem recorrer à punição física. "Por vezes basta um olhar de reprovação. Era o método que o meu pai usava comigo. E resultava."

O tema voltou recentemente à discussão com a condenação de um homem, de 41 anos, a um mês e meio de prisão, na Andaluzia, por ter dado uma bofetada ao filho quando este tinha 14 anos. Além disso, o homem ficou impedido de comunicar com o rapaz durante um ano e meio, decisões das quais ainda pode recorrer, tal como a tia da criança, condenada a uma multa de 60 euros por também ter feito um golpe na cara do menor. A agressão ocorreu no parque Segura de la Sierra (Jaén), em 2015, porque o adolescente não queria devolver o cartão de telemóvel ao primo, tendo sido a mãe do rapaz a denunciar o caso.

Por cá, os castigos físicos são crime desde 2007 e, segundo os especialistas contactados pelo DN, nem a chamada "palmada pedagógica" é aceitável. Há, inclusive, casos de pais condenados a prisão, um dos quais em 2010, por ter dado dois estalos ao filho. "Porque é que as pessoas hão de querer resolver os problemas provocando dor, humilhação? Não é essa a forma de resolver conflitos", diz ao DN Dulce Rocha, presidente executiva do Instituto de Apoio à Criança (IAC).

Ressalvando que "a nossa lei não permite castigos corporais", a responsável defende que "enquanto não punirmos, as situações não mudam". Isto porque, lamenta, em Portugal, "nem as agressões com consequências graves muitas vezes se condenam. São desvalorizadas". Recorda-se, por exemplo, de ter acompanhado o processo de uma criança que ficou com lesões graves no tímpano devido a uma bofetada, tendo sido submetida a uma cirurgia; ou de um bebé que ficou cego por causa de um tabefe do pai. "Há consequências muito graves. E as psicológicas são devastadoras", sublinha. Impor disciplina, sim, mas "por via do diálogo". "Para quê dar uma palmada na fralda? É um gesto estúpido". A obediência "consegue-se com diálogo e respeito". Opinião semelhante é partilhada pela psicóloga Inês Afonso Marques. "Não encaro a punição física como uma opção ajustada, em termos de práticas parentais. Reflete, habitualmente, a dificuldade de o adulto gerir as suas emoções face a determinado comportamento. Independentemente da sua forma, qualquer punição física é vazia em termos de poder educativo", afirma a coordenadora da área infantojuvenil da Oficina de Psicologia.

O impacto que os gestos de violência têm vai depender da frequência, do contexto, do temperamento da criança e de outros fatores. Mas, diz a psicóloga, "o uso (recorrente) da punição física pode gerar na criança emoções como o medo, a vergonha, a desesperança, a zanga. Estas emoções são tão ou mais intensas, quando não existe o recurso ao reforço positivo".

Referindo-se ao caso da Andaluzia, Dulce Rocha alerta que uma estalada a um adolescente faz que "fique muito humilhado, sinta muita vergonha e revolta". No geral, refere, esse tipo de repreensões "não têm nenhum efeito", porque até podem parar o comportamento no momento, "mas a criança sente-se tão humilhada e atordoada, que o pode repetir". Por isso, sugere, "devemos, de todas as maneiras, evitar que aconteça".

Violência gera violência

Ao dar uma bofetada ou uma palmada numa criança, o pai ou a mãe estão a dizer-lhe que a violência é aceitável. Inês Afonso Marques defende que, se um adulto usa "a agressividade para orientar, educar, corrigir determinado comportamento", está, "de algum modo, a legitimar que a criança a use, noutros contextos, noutras situações e com outras pessoas". Existem, inclusive, estudos que indicam que os castigos físicos têm um efeito semelhante aos abusos físicos e provocam comportamentos agressivos, baixos níveis de bem-estar, ansiedade e outros problemas emocionais. O comportamento ao qual os pais dão atenção é, aliás, "aquele que se repetirá mais". Por isso, a psicóloga considera que os pais devem "premiar" os bons comportamentos e, na medida do possível, ignorar os "maus comportamentos". Quem optar pela punição "deve retirar privilégios".

Entre os mais agressivos

Um estudo recente realizado pela Universidade de Zurique diz que entre os grupos de imigrantes na Suíça, há alguns onde "até 40% dos jovens sofrem castigos físicos graves por parte dos pais". O estudo revela que isso "afeta principalmente as famílias dos Balcãs, seguido de Portugal (37%)".

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