Eddie Redmayne e a alma do Mal

Já está disponível na Netflix um dos filmes maiores desta temporada, <em>O Enfermeiro da Noite</em>, do dinamarquês Tobias Lindholm, baseado no caso real de um enfermeiro que envenenava os seus pacientes.
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Uma toada de suspense sossegada, quase refinada. É disto que abunda em The Good Nurse, mais do que um exercício de estilo para um cineasta nórdico a chegar a Hollywood. Tobias Lindholm traz a frieza e o rigor do seu método para uma obra que cumpre os requisitos do thriller clássico sobre serial killers, mas que nunca abdica de ter uma verdade melodramática muito próxima dos melhores dramas de retrato de personagem.

Baseado no livro de Charles Graeber sobre um enfermeiro-assassino verdadeiro que terá morto mais de 400 pessoas em vários hospitais por onde passou na área de Nova Jérsia, entre 1998 e 2003 . Mas mais do que ser um olhar sobre os atos infames de Charlie Cullen (interpretado por Eddie Redmayne), a história debruça-se sobretudo na forma como a polícia iniciou as suspeitas sobre e ele e todo o processo de investigação, centrando-se fundamentalmente numa "boa enfermeira", Amy Loughren (Jessica Chastain), mãe-solteira de duas crianças e com uma falha cardíaca que lhe podia impedir a progressão na carreira. Foi ela quem terá sido peça fulcral para apanhar em flagrante o psicótico assassino, especialmente porque no começo terá travado uma relação de amizade com Charlie, alguém sem perfil para poder cometer atos tão monstruosos. Aliás, através do seu olhar, vemos um enfermeiro profissional perfeito: é extremoso para os pacientes e incansável no apoio à colega.

Tobias Lindholm não cai nas armadilhas dos sustos em hospitais sinistros à noite nem joga com os efeitos do género, prefere inquietar de outra maneira, neste caso, pela forma como a banalidade do mal surge como evidência. A par disso, explora com especial trepidação a vulnerabilidade da saúde da sua protagonista, muitas vezes amparada pelo próprio assassino.

Estamos então perante um caso de tensão gélida, filmada com um livro de estilo repleto de nuances que reconfiguram o prazer do close-up grande ecrã (sim, é pena este não ser um dos títulos da Netflix que vai chegar aos cinemas primeiro, como serão os exemplos de Pinóquio de Guillhermo Del Toro, de Guillhermo Del Toro, Bardo - Falsa Crónica de umas Quantas Verdades, de Alejandro Iñarritu, ou Ruído Branco, de Noah Baumbach), como se do rosto dos atores pudesse surtir um efeito de asfixia... Aí, confissão solene, é um prazer desmedido ver a capacidade de transformação de Eddie Redmayne, perfeito até à medula na sugestão de ambiguidade, embora também seja um espetáculo à parte estar dentro da dúvida de Jessica Chastain, novamente em estado de graça. É sem surpresa que a Netflix está a fazer campanha para Redmayne como secundário (poderia e deveria ser leading) na temporada dos prémios.

O realizador de Uma Guerra (2015) consegue também fazer uma reflexão sobre os limites do amoral. A sua linha de ação como portador de uma ideia de suspense não abdica de uma série de questões que se colocam, sobre o que é ser cúmplice e confidente. E é nessas linhas cinzentas que se coze o prazer de inquietação que o filme provoca, a chamada "comida para pensamento" sobre as fronteiras da suspeição. Convenhamos, não é pouco num filme que anda à volta do insondável mistério do Mal.

dnot@dn.pt

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