Um festival com cinema português, espírito independente e uma nova diretora que já disse publicamente que a programação vai espantar por mostrar mulheres a filmar sexo de forma diferente. Os filmes portugueses na competição são dois: Vitalina Varela, de Pedro Costa, e Technoboss, de João Nicolau, estando ainda a competir para o Leopardo de Ouro o luso-suíço Basil da Cunha, autor de O Fim do Mundo, produção suíça rodada em Portugal com contribuição da produtora Terratreme..Um ano em que fora da competição está ainda o documentário Prazer, Camaradas, de José Filipe Costa, relato sobre o que se passou a seguir ao 25 de Abril quando muitos estrangeiros vieram ajudar na reforma agrária e nas comunidades da província. Uma aposta explícita na vitalidade do nosso cinema num certame que depois de Cannes, Veneza e Berlim assume papel fundamental na promoção da arte cinematográfica mais independente..Não fiquem muitas dúvidas: na bela Locarno a primazia é o cinema de franja, algures entre o gesto político e a possibilidade de ensaio, privilegiando um encontro de cineastas e produtores, onde em vez dos orçamentos chorudos o que conta mais é a qualidade. Cinema elitista? Talvez, mas sempre aberto a uma exposição internacional fortíssima e a um piscar de olho aos holofotes de Hollywood - todos os anos são homenageados nomes fortes de Hollywood, como são os casos de Spike Lee ou de Hilary Swank, a atriz dos dois Óscares, as presenças mais sonantes para os serões na mítica Piazza Grande, sala ao ar livre que coloca todas as noites oito mil almas a ver cinema num silêncio sepulcral..Mas o festival que nesta noite é oficialmente aberto está com nova direção. Saiu o italiano Marco Chastrain para a Berlinale e entrou Lili Hinstin, uma parisiense que quer captar o movimento contemporâneo da arte nesta seleção. Em 17 filmes a competir, seis são realizados por mulheres, mas a nova diretora diz que haverá filmes que mostram sexo filmado por realizadoras que vão dar que falar. A paridade de género foi uma preocupação, embora a filosofia tenha sido escolher os melhores filmes. Coincidência ou não, há uma grande vaga europeia num festival que já foi o mais amigo do cinema asiático e sul-americano..No que toca aos portugueses, o filme mais esperado é Vitalina Varela, de Pedro Costa, o nosso cineasta mais amado no circuito dos maiores festivais. O filme terá sido acabado muito recentemente e é a história desta mulher de 55 anos vinda de Cabo Verde que chega a Lisboa três dias depois da morte do seu marido. Um olhar de luto que poderá ser uma lição sobre os lugares da memória. Custa a não largar o seu tema recorrente: um mundo cabo-verdiano num Portugal dos nossos dias. Assim à partida, é um dos grandes candidatos ao Leopardo de Ouro. Do que se viu muito ao leve em Sacavém, documentário de Júlio Alves sobre Costa, deverá ter uma luz mágica que volta a poetizar as noções de sombra..Technoboss, de João Nicolau, é outra coisa. Trata-se de uma comédia musical com o habitual humor torcido do cineasta de A Espada e a Rosa, neste caso para relatar as desventuras de um técnico de alarmes e instalações tecnológicas à beira da reforma. Numa das suas visitas a um hotel, depara-se com a possibilidade de se reapaixonar..Profundo na sua leveza, Technoboss vive das canções que este sexagenário canta. E canta como sonha ou como pensa. As letras das melodias falam do seu estado de alma e dos seus sonhos. São cantos de cisne literais. Cantos que encantam e que embalam por uma teimosia que está do lado dos românticos e dos teimosos..Nicolau fez filme livre, com falhas, mas sempre único num tom que é só dele e que já atravessava o anterior John From, mesmo que metade da sua graça esteja no encanto carismático do seu protagonista, o improvável Miguel Lobo Antunes, o homem que dirigia a Culturgest. Uma ideia de gentleman português com uma voz doce que encanta e que é cinema. Uma estreia do arco-da-velha!.Mas se Technoboss é um achado raro, também Basil da Cunha aperfeiçoa a seu cinema de bairro em O Fim do Mundo, o sucessor de Até Ver a Luz, mais uma vez junto da comunidade de Cabo Verde na Reboleira. Agora, ficciona um crime de amigos no bairro, neste caso através de um olhar de um jovem que regressa de uma temporada num centro de detenção. Entre a Lei e Deus, Basil encena uma espécie de história de gangsters com o tema da vingança. O espectador sente-se parte do "bairro", dos códigos. Não é propriamente uma obra inovadora na forma como capta a essência do gueto mas é um belíssimo retrato de um pedaço de Cabo Verde num Portugal que é escondido e apagado..Neste fim de semana, na Piazza Grande, na secção mais popular do festival, há dois filmes para as grandes emoções: Era Uma Vez em... Hollywood, de Quentin Tarantino, e 7500, de Patrick Vollrath. O primeiro é o filme que o mundo quer ver, a obra de Tarantino que se estreou em Cannes e que se assume como reflexão sobre o fim de uma Hollywood mais pura, enquanto o segundo é uma produção austro-germânica com uma estrela de... Hollywood: Joseph Gordon Levitt, que vem a Locarno para promover um thriller todo situado a bordo de um avião desviado por terroristas. Em Locarno, o espaço lúdico terá uma passadeira vermelha no mínimo intensa!