"É quase imoral não tirar partido dos dados na saúde"

Investimento na ciência de dados e na sua estruturação é essencial para direcionar a investigação clínica e para desenvolver um melhor sistema de saúde, em prol dos cidadãos e da comunidade. Formação especializada e organização do modelo de governação também são urgentes.
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A mensagem, deixada por um conjunto de especialistas que participaram na 10ª Conferência Sustentabilidade em Saúde, é clara. Portugal precisa de investir mais em Investigação & Desenvolvimento, e a inovação tem que deixar de ser olhada como um custo, para ser vista como um investimento. Mas, para fazê-lo, com benefícios claros para o doente, mas também para o progresso científico e a economia em Portugal, são necessárias renovadas políticas de incentivo e oportunidades como o Plano de Recuperação e Resiliência (PRR). "Teremos de aproveitar ao máximo a transição digital", afirma Jaime Melancia. Contudo, alerta o presidente da Assembleia Geral da EUPATI Portugal, uma associação que promove a literacia e a informação junto dos doentes, "a transição digital não é digitalizar documentos, é reorganizar processos". A meta deverá ser, na opinião de João Almeida Lopes, presidente da APIFARMA, "ter uma digitalização na saúde como temos na autoridade tributária".

Um dos desafios da digitalização na saúde é também, na opinião de Catarina Resende Oliveira, o desenvolvimento da ciência de dados. "É preciso que haja um investimento grande nesta área e um investimento na estruturação de dados, porque sem esta estruturação não é possível tirar a informação", diz a presidente da direção da Agência de Investigação Clínica e Inovação Biomédica (AICIB). "Os dados em saúde são essenciais, e diria que é quase imoral não tirarmos partido deles, em benefício dos cidadãos e da comunidade", salienta.

"É preciso ter uma base de dados centralizada de dados em saúde", aponta Jaime Melancia, acrescentando que os doentes estão disponíveis para aderir a estes processos. "Eles estão informados de que os dados serão sempre seus, mas que podem, em qualquer momento, dar a autorização aos profissionais de saúde para lhes aceder". Com esta informação, o SNS pode tornar-se muito mais eficiente, evitar a duplicação de exames de diagnóstico e reduzir os custos. "É preciso dar pequenos passos e concentrarmo-nos em pequenas coisas, porque só se trabalharmos ponto a ponto e com alguma paciência vamos conseguir. É preciso ter medidas estruturadas e focadas", completa Alexandre Lourenço, presidente da Associação Portuguesa de Administradores Hospitalares (APAH).

Reforçar a proximidade entre a área de investigação e o sistema de saúde é um dos desafios que Rui Ivo entende que Portugal terá num futuro próximo. No entanto, o presidente do INFARMED defende que também será necessário regulamentar de forma correta e eficaz, e avaliar as tecnologias que entram no sistema de saúde, garantindo que cumprem as exigências legais, mas também a sua função de contribuir para a inovação em prol da comunidade.

Por outro lado, Catarina Resende Oliveira sublinha a importância de saber definir áreas prioritárias de investigação na saúde. "Temos que ter em conta, não só, as expectativas e necessidades do país, mas também as oportunidades que se abrem a nível europeu e, portanto, beneficiar dessas oportunidades". A investigação em saúde e investigação clínica de elevada qualidade tem quer ser garantida, criando as condições para seja feita "com o tempo e a dedicação que merece". João Almeida Lopes reforça, "devemos ter objetivos concretos em termos de investigação e inovação, que passam pelos ensaios clínicos e pela disponibilidade nas carreiras e em as pessoas terem tempo de investigar".

A importância da formação avançada, especialmente ao nível dos doutoramentos é, para Helena Pereira, presidente da Fundação Ciência e Tecnologia, "absolutamente essencial". A investigadora aponta a lição da pandemia ao demonstrar que só com o conhecimento é possível dar uma resposta eficaz e eficiente a um desafio inesperado. "A situação pandémica tornou evidente para a população geral que era necessário termos conhecimento. A questão do tempo é muito importante e pode haver alguma tentação para se fazer os processos da maneira que sempre foram feitos, mas a situação pandémica mostrou-nos que havia necessidade de acelerar tempos e processos". No entanto, isto não significa que estes processos sejam menos rigorosos, transparentes ou de menor qualidade. "Mas, de facto, é possível, e é possível porque podemos recorrer a toda a acumulação de dados de conhecimento que existe", salienta.

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