"É preciso acabar com subsídios perversos à produção de combustíveis fósseis"
Uns mais surpreendidos do que outros, mas todos os quadrantes políticos, incluindo o governo, admitem que é preciso responder com mais agilidade e de forma mais agressiva às mudanças climáticas. Isto porque o relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas, divulgado ontem estima que o limiar do aquecimento global (de + 1,5 graus celsius) em comparação com valores da era pré-industrial vai ser atingido em 2030, 10 anos antes do que tinha sido projetado anteriormente, "ameaçando a humanidade com novos desastres sem precedentes".
O ministro do Ambiente manifestou-se "surpreendido"com o ritmo do aquecimento global e afirma ao DN que "seria um absurdo baixar os braços. É preciso, frisa João Pedro Matos Fernandes, "fazer tudo o que está ao nosso alcance" para travar esta degradação do ambiente, o que implica "considerar este problema a principal preocupação" quando se pensa a sustentabilidade da economia e da sociedade.
"O compromisso que Portugal assumiu, de ser neutro em carbono em 2050, e que a Europa acompanhou com a lei do clima, com igual data, é mesmo um compromisso que o mundo tem de assumir em Glasgow, em novembro. É absolutamente essencial perceber que a economia só pode crescer com os investimentos focados na sustentabilidade", afirma.
Entre outras medidas, o ministro diz que não é possível ir mais um cêntimo de investimento para os combustíveis fósseis ou baixar impostos para este setor. "É preciso acabar com os subsídios perversos", frisa. Matos Fernandes recorda que Portugal será dos países mais penalizados pelas alterações climáticas. Entre o elogio ao cumprimento das metas no que diz respeito à produção de energias renováveis (60% da eletricidade), o titular da pasta do Ambiente remete para o Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) e para os 135 milhões de euros que serão canalizados para a eficiência energética - que já conta com cerca de 17 mil candidaturas, para que as famílias tornem as suas casas mais eficientes - e para as que permitirão reforçar os transportes coletivos, como a ferrovia.
João Pedro Matos Fernandes considera que é preciso um empenhamento à escala global na resposta ao aquecimento global, mas lembra que o "saudável" regresso do presidente Joe Biden ao Acordo de Paris é, no entanto, feito de um compromisso que é metade do da Europa. "Este não é um problema do futuro, é do presente e de se nos queremos salvar enquanto espécie", remata.
Esta conclusão é partilhada pelo porta-voz do PSD para a área do Ambiente, mas de tudo o resto Salvador Malheiro diverge.
"Sendo um problema à escala global, é possível responder com ações locais. E temos de fazer uma reflexão se nós cá em Portugal temos feito tudo para combater as alterações climáticas. A análise é negativa nestes últimos anos", assegura o também vice-presidente social-democrata, que aponta "à falta de concretização de políticas públicas". Seja ao nível da eficiência energética, seja nas energias renováveis ou no tratamento dos resíduos urbanos e na fiscalidade verde.
E no que diz respeito ao PRR, o responsável do PSD diz que está muito focado na "mitigação dos gases com efeito estufa" e pouco na adaptação às alterações climáticas, sobretudo porque já há consequências "irreversíveis", como aponta o relatório. "Não podemos também ficar satisfeitos com a meta da descarbonização em 2050, temos de estar sempre a atualizar essa meta", afirma e considera que temos uma universidade e uma "indústria muito competentes" que poderão ajudar na melhor performance de um "país que poderá ser uma referência" no que diz respeito à preservação do Ambiente.
O deputado do Bloco de Esquerda Nelson Peralta retoma a conclusão do relatório dos "efeitos mais severos e mais rápidos" do aquecimento global para concluir: "Se as políticas globais e de Portugal já eram desfasadas ainda serão mais e ainda mais insuficientes. Tem de haver uma alteração bastante grande". E que alteração defende?
É preciso, garante, mudar o perfil da economia, o modo como produzimos e consumimos e as regras de mercado. Dá o exemplo de como as empresas poluentes que conseguem reduzir as suas emissões de CO2 podem vender as licenças de emissão a outras. "Nos últimos 10 anos, em Portugal, as grandes empresas poluidoras , sobretudo as cimenteiras, ganharam milhões de euros com a venda de licenças de emissão". E questiona: "Para onde está a ir o dinheiro do combate às alterações climáticas?"
A deputada dos Verdes Mariana Silva também defende, entre outras coisas, que deve mudar o paradigma do sistema económico e de consumo - e critica, por exemplo, o aumento de produtos descartáveis durante a pandemia, para defender uma produção mais local, o transporte coletivo e o estabelecimento de metas anuais de redução das emissões de gases com efeito estufa, tal como uma mudança na floresta e na produção agrícola.
A líder do PAN e deputada ataca, entre outras coisas, as isenções aos produtos petrolíferos e diz que a Lei de Bases do Clima deve ser pensada para as alterações estruturais à produção e aos incentivos do empreendedorismo verde. Inês de Sousa Real considera que as verbas do PRR canalizadas para o combate às alterações climáticas "são pouco ambiciosas" porque "não olham para o território no seu todo". Também ela invoca a necessidade de aposta na ferrovia na preservação da floresta, dos habitantes e da orla costeira, "numa visão transversal e interministerial".