E no final: "Diga aos cristãos que amem os muçulmanos"
"Estou muito feliz", começou por dizer o Papa Francisco, no início da sua conferência de imprensa a bordo do avião, o que faz sempre no regresso de cada visita papal. Nesta, em que voltou a sublinhar ser a de um peregrino em oração, estava visivelmente contente, sem demonstrar intelectualmente o cansaço de uma viagem de 24 horas, classificadas pelo próprio staff como "muito intensas".
Bem-disposto, raciocínio rápido, com uma ou outra piada e sorrisos pelo meio, como quando reparou que as primeiras perguntas tinham sido feitas por jornalistas mulheres - "parece que as mulheres tomaram a dianteira". Ou, mais à frente, quando uma jornalista refere a coincidência de ontem ter feito 25 anos da sua nomeação como bispo auxiliar de Buenos Aires: "As mulheres sabem tudo. Não tinha pensado na coincidência, apenas ontem [sexta--feira], enquanto rezava diante de Nossa Senhora, me lembrei que a 13 de maio recebi esse telefonema do núncio, há 25 anos."
Conferência organizada pela sua estrutura da Santa Sé quanto ao número de perguntas, divididas pelos representantes das cinco línguas oficiais do Vaticano: italiano, inglês, alemão, espanhol e francês e que, nesta viagem, se lhes juntou o português. Também foram os profissionais que decidiram a hora de embargo de tudo o que foi dito a bordo.
Coube a Portugal iniciar as perguntas na conferência, duas, espaço para uma terceira, já numa segunda fase. Todos os outros fizeram uma pergunta cada, num total de oito, num pingue--pongue que demorou 40 minutos. Combinadas entre os jornalistas a bordo, 72 no total, vindos de 19 países.
"Para mim, foi uma felicidade muito grande a canonização", disse, sublinhando não estar programada quando agendou a visita ao Santuário de Fátima. Mas que rapidamente foi concluída, dado as perícias serem todas positivas, revelou.
Sublinhou o papel de Nossa Senhora e a mensagem de paz e de solidariedade tantas vezes focada nesta viagem. Já sobre as aparições referidas pelos três pastorinhos, deixou o debate para quem "tanto estudou o tema". E para os políticos as perguntas que entendeu saírem do campo religioso. Com uma mensagem, uma frase referida por um cientista ateu, num recente encontro com investigadores de todas as religiões. "Diga aos cristãos que amem os muçulmanos."
Branco de inocência
Sobre o que dizem ter visto os três pastorinhos e a visão de uma figura de branco e que muitos têm interpretado como a imagem dos papas, preferiu sublinhar a "alvura branca" como um sinal de inocência. "Literalmente, procuram exprimir com o branco o desejo da inocência, de paz, de não fazer mal aos outros, não fazer guerra. Isto é a paz."Para concluir: "O então cardeal Ratzinger, na altura prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé [em 2000], explicou tudo claramente."
Questionado mais tarde quanto às diferenças de opinião sobre se serão aparições ou visões o que contaram Jacinta, Francisco e Lúcia, incluindo no Vaticano, frisou que todas as opiniões foram estudadas e fundamentadas.
Já em relação aos relatos de aparições na Bósnia, desde 1981, por crianças de Medjugorje, e que mereceram a constituição de uma comissão para estudar o fenómeno, liderada pelo cardeal Ruini, disse dever distinguir-se distinguir-se três coisas: "as primeiras aparições quando eram crianças, o relatório de Ruini [o cardeal relator de uma comissão que estudou o assunto e que diz ter dúvidas sobre o fenómeno] e o acontecimento espiritual, as pessoas que vão a Fátima que se convertem, que encontram Deus e mudam de vida."
As aparições não têm tanto valor, "digo a título pessoal", já quanto ao relatório Ruini foram apresentados e debatidos todos os pareceres. E concluiu sobre esta questão: "Pessoalmente, sou mais duro, prefiro Nossa Senhora, Nossa Mãe e não Nossa Senhora chefe de uma repartição de Finanças, que todos os dias manda uma mensagem a determinada hora. Essa não é a mãe de Jesus."
Aliás, já na homilia em Fátima tinha criticado a postura de quem se dirige pontualmente a Nossa Senhora e lhe pede uns favores.
Pouco tempo e espaço
A conversa desenrola-se enquanto o jornalista que faz a pergunta dá lugar ao seguinte, com o Papa a manter-se junto à cortina que separa esta terceira zona do avião. Um processo complicado devido à dimensão do A 320 da TAP, com os lugares ocupados e sem muito mais espaço para os profissionais colocarem câmaras, tripés, gravadores, etc.
Um voo que se revelou de duração curta atendendo a tanto trabalho para fazer a bordo, desde logo porque saiu 50 minutos atrasados em relação à hora prevista. Partiu às 15.50, tendo a tripulação encurtado as três horas de voo, acabando por aterrar no Aeroporto de Ciampino, em Roma, às 18.20, hora de Lisboa. Com a conferência a realizar-se a 50 minutos da aterragem, mais o tempo das perguntas e respostas, muito pouco tempo sobrou para as hospedeiras servirem as refeições.Dirigiram o voo os comandantes Ricardo Hiban e Nuno Duque.
Ouvir para julgar Trump
"Direi o que penso, ele dirá o que pensa. Nunca julgo ninguém sem o ouvir", respondeu o Papa Francisco à pergunta sobre o seu encontro com o presidente dos Estados Unidos, no dia 24, que tem merecido críticas.
Trump surgiu logo na primeira questão na viagem de regresso de Monte Real para Roma, feita por Fátima Campos Ferreira, da RTP, como foi combinado entre os jornalistas portugueses. Também aguardada pelos vaticanistas norte-americanos presentes e, em geral, por todos, devido às críticas que este encontro tem merecido. Incluindo a circulação de cartoons sobre esta reunião no Palácio Apostólico, em Roma.
"Há sempre portas que não estão fechadas, procurar as portas que, pelo menos, estão um bocadinho entreabertas, entrar, falar sobre as coisas em comum e avançar, passo a passo." Uma primeira afirmação para acrescentar: "A paz é artesanal, faz-se todos os dias. Também assim é a amizade entre pessoas, o conhecimento mútuo, a estima, faz-se todos os dias." Uma postura que assume para com todas as situações. Isto sem deixar de dizer o que pensa sobre o presidente dos EUA. Resguardou-se nos comentários sobre a atual política norte-americana. "Não me permito fazer um cálculo político. Também no plano religioso não sou proselitista."
Exemplos de mensagens de paz que, sublinhou, será o grande objetivo do seu pontificado. "O que é que o mundo pode esperar? De que vou falar daqui para a frente seja com quem for? De Paz".
Este também foi um tema central na sua presença em Fátima, a par da importância de Maria, personificada na Mãe de todos, em torno de uma mensagem de esperança.
Uma última pergunta para se referir a uma Europa que se diz católica e se abre ao casamento de homossexuais, ao aborto e à eutanásia. "É um problema político, além de que a consciência católica não é, às vezes, de pertença total à Igreja. Não há uma catequese variada, uma catequese. Falta formação e também cultura."
Artigo alterado às 12.00 de dia 15.05