"É natural que me atribuam este prémio. Até podia ter sido mais cedo"
"Pela contribuição para o enriquecimento dos patrimónios literário e cultural da língua portuguesa", o júri do Prémio Camões de 2017, composto por seis escritores lusófonos, decidiu em reunião na Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro ontem à tarde distinguir o poeta Manuel Alegre, de 81 anos, como vencedor do Prémio Camões de 2017. Uma distinção que Manuel Alegre considera "natural".
"Com alegria mas também com serenidade." Contactado pelo DN, foi assim que o poeta e histórico socialista diz ter recebido o prémio. "Não estava à espera nem sabia que o júri estava reunido", afirmou ainda. "É natural que me atribuam este prémio. Até podia ter sido mais cedo", referiu também, declarando-se ao mesmo tempo "muito honrado" com a decisão do júri.
A cerimónia de entrega do troféu será realizada em Portugal, em local a definir pelos governos brasileiro e português, ao longo de 2018. Premiado pelo conjunto da obra, o poeta vai receber ainda cem mil euros. Alegre, que sucede ao brasileiro Raduan Nassar, é o 12.º português a conquistar o troféu, o que coloca Portugal agora em igualdade no número de vitórias com o Brasil, após 29 edições. Angola e Moçambique, com dois representantes cada, e Cabo Verde, com um, seguem-se na lista. A última portuguesa premiada fora Hélia Correia, em 2015, enquanto a edição inaugural do prémio distinguiu Miguel Torga, em 1989.
O Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, considerou "justíssima" a homenagem a Alegre. "Nos termos do próprio prémio, Manuel Alegre contribuiu e contribui para o enriquecimento literário e cultural, não apenas português, mas do mundo da lusofonia", disse, antes do jantar de gala dos 60 anos da Associação dos Industriais Metalúrgicos, Metalomecânicos no Porto de Leixões, em Matosinhos, no âmbito do programa das comemorações do 10 de Junho, Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades Portuguesas.
O ministro da Cultura também saudou o poeta, através de comunicado. "Marcada por um forte sentido do ritmo, da rima e da musicalidade, a sua obra destacou-se pelo seu papel de intervenção política no final da ditadura, durante a guerra colonial e quando se agudizava a emigração para os países da Europa desenvolvida", lê-se na nota de Luís Filipe Castro Mendes.
"É toda essa mistura de dramas humanos, expectativas adiadas, frustrações coletivas, sentimentos de revolta e de alguma esperança nunca abandonada, que vem à superfície nos seus poemas. Mais tarde, a poesia de Manuel Alegre destacou-se pela revisitação dos principais mitos da História de Portugal, manifestando uma "nostalgia da epopeia" (a expressão é de Eduardo Lourenço) em que muitos portugueses poderão rever-se. A poesia de Manuel Alegre ganhou com o tempo uma consistência e uma dimensão que pôs em evidência a grande qualidade da sua expressão poética, para além da voz de combate pela liberdade e pela justiça que esta poesia foi para nós nos anos sombrios da ditadura", completa Castro Mendes.
Nascido em Águeda, a 12 de maio de 1936, Manuel Alegre de Melo Duarte escreveu, entre quase três dezenas de obras poéticas, Praça da Canção, de 1965, e O Canto e as Armas, de 1967, reeditado neste ano, 50 anos depois. Em prosa, publicou Alma (1995), Cão como Nós (2002) e outros nove livros.
Entre os seus poemas mais conhecidos, contam-se Trova do Vento Que Passa, que foi cantada por Adriano Correia de Oliveira, Amália Rodrigues e outros intérpretes, ou Uma Flor de Verde Pinho, que, com música de José Niza e voz de Carlos do Carmo, ganhou o Festival da Canção de 1976.
Antes do Prémio Camões, Alegre já havia sido premiado com o Grande Prémio de Poesia da Associação Portuguesa de Escritores, de 1998, e o Prémio Pessoa, de 1999, entre outras distinções. Desde o ano passado é membro efetivo da Academia das Ciências de Lisboa.
Com carreira política de relevo paralela à de escritor, Alegre foi candidato às eleições presidenciais de 2011, onde chegou como segundo mais votado, atrás apenas do então reeleito Aníbal Cavaco Silva. Membro do Partido Comunista Português na juventude, desde o 25 de Abril vem sendo eleito deputado pelo Partido Socialista, onde se distinguiu como um dos seus mais históricos e destacados dirigentes.
Os brasileiros Leyla Perrone-Moisés e José Luís Jobim, as portuguesas Maria João Reynaud e Paula Morão, o moçambicano Lourenço do Rosário e o cabo-verdiano José Luiz Tavares foram os integrantes do júri que escolheu Manuel Alegre.