E lá se foi a magia...

Destinado a ser fenómeno nas bilheteiras, <em>Black Panther: Wakanda para Sempre</em>, de Ryan Coogler, é um tributo industrializado a Chadwick Boseman. Está a léguas do original. Mais um exemplo do declínio criativo da Marvel.
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O primeiro Black Panther era das poucas boas surpresas do universo Marvel, um filme que fugia às furiosas formas das batalhas de super-heróis e impunha uma visão de comunidade e um discurso em torno das questões de identidade racial. Acima de tudo, era divertimento sadio e decente, coisa que esta continuação atrapalhada nunca o é, sobretudo porque tem um barómetro algo esquizofrénico: quer ser 3 filmes em um: uma reflexão sobre a dor e o luto, um discurso sobre a geopolítica com críticas sobre a colonização contemporânea e um mero filme de super-heróis "by the book". Sem grande espanto, não é bom em nenhuma das tentativas. O cinema de Ryan Googler mecanizou-se. O cineasta de Fruitvale Station- A Última Paragem e do primeiro Creed já não existe, ganhou-se um tarefeiro que encontrou em Wakanda uma residência de preguiça.

Nesta sequela, jogavam-se muitos trunfos para o futuro. Como continuar uma saga sem Chadwick Boseman, o ator que faleceu e que dava corpo a este super-herói de uma potência africana distópica? A resposta foi assumir a morte por doença da personagem e fazer um filme quase todo em modo de tributo. Isso e trazer para este universo a resposta da Marvel ao Aquaman da DC, o super-herói (ou vilão...), Namor, perfeita combinação da diversidade racial. À partida poderia ser uma ideia arrojada mas na prática não resulta, perde-se a magia e a própria história é atolada de soluções de intriga dignas de telenovela mexicana: desde um filho surpresa aos mais variados twists desnecessários. Agora, a vestir o fato da pantera negra está a irmã do rei morto, a princesa Shuri, que a dada altura tem de gerir uma possível invasão de uma nação aquática, Talokan, a pressão dos países das Nações Unidas acerca do vibranium, o mineral poderoso de Wakanda, e, ainda, mais uma tragédia familiar.

Longo, demorado e com slow-motions a mais nas cenas das batalhas, este épico da Marvel trata o espetador como fã. Esquece-se que é preciso ideias de cinema, para além do aparato. Esquece-se também que uma direção de arte fabulosa, guarda-roupa genial e valores de produção de luxo não salvam a coisa. Tal como em alguns anteriores filmes desta nova fase da MCU (Marvel Cinematic Universe), a fadiga é o maior problema, é como se a rotina da fórmula tirasse o prazer de vermos um homem-peixe a voar ou uma rainha africana a gritar por soberania. O colosso desmesurado apenas cansa aqueles que têm a ousadia de esperar num filme de super-heróis um argumento que não seja meramente infantil, algo que o primeiro não era. A desilusão ainda é maior quando a psicologia do novo herói-vilão Namor é tratada de forma gasta e banal. Mesmo com todos os seus poderes, é alguém que não nos assusta, não nos move. Deixa-nos indiferentes...Tudo isto numa capa de seriedade que nos faz pensar como é possível um objeto destes levar-se tão a sério... E as cenas finais com flashbacks de Chadwick Boseman são da chantagem emocional mais vergonhosa dos últimos tempos, só ao nível do slideshow de Paul Walker em Velocidade Furiosa 7.

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