Corria o ano de 1978, quando o jovem Eugénio Lopes, então com 18 anos, montou os últimos aparelhos de ar condicionado com o pai, o único trabalho fora dos palcos e dos estúdios que até hoje conheceu. "A partir daí nunca fiz mais nada, quer dizer, ainda ajudei o meu pai mais uma ou outra vez, o que acabou por inspirar uma canção, chamada O Hino dos Rapazes do Ar Condicionado, mas foi efetivamente a partir daí que consegui começar a viver da música", recorda, hoje com 59 anos, Gimba, o nome pelo qual desde então ficou conhecido. Começou a estudar piano aos 6 anos e flauta aos 8, mas foi só após começar a tocar guitarra, já na adolescência, que escreveu as primeiras canções, influenciado tanto pela bossa-nova de Tom Jobim e João Gilberto como pelo rock dos Beatles e dos Stones..Influências que trabalhava com um cunho muito próprio e que depressa lhe abriram, nesse cada vez mais longínquo final dos anos 1970, as portas do então efervescente circuito de bares de Lisboa. "Atuávamos duas ou três vezes por semana, o que já dava para viver. No início dos anos 1980, havia uma predisposição por parte do público para ouvir temas novos e originais, de músicos que ninguém conhecia. Havia um grande movimento artístico à volta dos bares, em Lisboa. O principal, onde todos queriam atuar, era o Mosaico, na Graça, onde tocavam regularmente gajos já conhecidos, como o Jorge Palma, o Mário Mata ou o Michel, o homem do acordeão e do sapateado." Gimba fala no plural porque na altura atuava em duo, com um antigo amigo da escola, o Jorge Galvão, a quem mais tarde, já em meados dos anos 1980, se juntou Nuno Faria, dando origem a um trio que viria a ficar na história da música portuguesa. "Conhecíamo-nos desde o tempo do liceu, mas entretanto tinha ido estudar contrabaixo para a escola do Hot Clube e quando lá chegou tocou as músicas todas logo à primeira. Foi um sucesso tal que já não o deixámos mais ir embora. Passado algum tempo, mudámos o nome para Afonsinhos do Condado e a partir daí a história já é mais conhecida", conta. Pouco tempo depois, assinaram contrato com a Polygram, a convite de Tozé Brito, que na altura pretendia renovar o catálogo de artistas nacionais da editora. "Entrámos nós, os Xutos & Pontapés, os Radar Kadafi e os Mler if Dada. Tínhamos vinte e tal anos naquela altura e foi o realizar de um sonho, poder viver da música, dar concertos, ir ao programa do Júlio Isidro, dar autógrafos...".Artista da TV e da rádio.Na viragem da década, os Afonsinhos do Condado entraram em pousio, mas Gimba torna-se então uma espécie de figura tutelar para toda uma nova geração de músicos e melómanos. "No espaço de um ano, passámos de 40 espetáculos marcados para apenas quatro e decidimos então encerrar para balanço e esperar melhores dias, que nunca mais vieram." Quase ao mesmo tempo, foi convidado para apresentar o Pop-Off, um programa de culto da RTP 2, dedicado às franjas mais alternativas da nova música portuguesa. "Foi um programa revolucionário, pela estética e pelos conteúdos, muito bem recebido na altura e que conseguiu envelhecer muito bem. Ainda hoje continua a ser venerado e considerado um marco", sustenta o artista, que acabaria por voltar à música pela mão de Manuel João Vieira, para ingressar nos Irmãos Catita, onde apesar de tudo jogava mais à defesa.."Tivemos uma carreira boa, mas não era compositor, por isso não tinha grande responsabilidade na banda. Era apenas mais um instrumentista e isso soube-me bem, divertia-me imenso." Como também o fez na experiência televisiva seguinte, na SIC Radical, da qual fez parte, com Rui Unas, da equipa do Cabaret da Coxa, "outro marco televisivo, pela irreverência", como o define. "Mas depois uma pessoa envelhece um bocadinho e farta-se dessas touradas. Não é que tenha ganho juízo, que esse ainda está para chegar, mas precisava de acalmar", confessa. E fê-lo no aconchego da escrita: "Comecei a dedicar-me mais à parte das letras. Passei muito tempo em casa, a escrever e até fiz algumas oficinas nesse âmbito." Depois, por volta de 2010, o bichinho voltou e começaram a bater, novamente, as saudades do palco, mas o regresso não correu pelo melhor. "Na altura era completamente antirredes sociais e montei uma banda, chamada Gimba e os Bandidos, que não teve qualquer impacto, além, talvez, do prémio de banda mais invisível da internet, porque não existe qualquer referência a ela", diz com humor. O último projeto em que participou foi a Radio Royale, "uma espécie de programa de variedades" criado por si e "inspirado nos gloriosos dias da rádio", com uma estética retro algures entre o cabarê e o burlesco transposta para o palco, em que nem sequer faltavam blocos de anúncios. "Infelizmente não conseguimos acabar o disco, que já estava quase pronto", desabafa..Com a mulher, Tita, abriu então o Clube Royale, em Lisboa, onde começou a atuar, numa espécie de regresso ao início, ao tempo em que atuava em bares. "Foi muito engraçado, não só porque deu para testar o meu novo material, mas também por ser algo que nunca antes tinha feito. Toquei sempre acompanhado e pela primeira vez assumi o palco sozinho." Nessa altura começou a pensar em gravar um disco a solo, porque "apesar de estarmos na época do download e do link, ainda é o disco físico que faz alavancar todo o processo de pôr o artista na estrada, ir à televisão e tocar na rádio"..A edição esteve inicialmente prevista para o verão do ano passado, mas "o amigo e vizinho" José Cid convenceu-o a não o fazer: "Aconselhou-me a esperar pelo Natal, mas pouco tempo depois fui à festa dos 50 anos de carreira do malogrado Filipe Mendes, outro grande amigo, recentemente desaparecido e percebi então que em 2018 também eu fazia 40 anos de música." Decidiu então esperar pelo aniversário redondo para editar aquele que, em quatro décadas de carreira, é apenas o segundo trabalho em nome próprio - o outro foi editado em 2006 e dava pelo nome de Pornogal, um trabalho "altamente exclusivo", até porque só foram feitas vinte cópias do disco. O novo Ponto G foi lançado há dias, um ano após o inicialmente previsto, mas, segundo o próprio, na altura certa. "Este atraso fez-nos bem, a mim e ao disco", sublinha Gimba, que assim teve tempo para regravar o singleVá Lá, "um hino para a revolução que nunca ninguém fará", com a participação especial de nomes como António Zambujo, José Cid, Ana Bacalhau, Tim, J.P. Simões, Márcia, Samuel Úria, Manuel João Vieira, Mário Mata, Rita Redshoes, Marisa Liz e Camané. "São todos eles artistas que admiro muito, mas acima de tudo são meus amigos", explica. E que melhor forma há para festejar 40 anos de música senão rodeado de amigos? Perdão, "40 anos não, 20, um em cada perna"..O padrinho dos Xutos.Pouca gente o saberá, mas sem Gimba certamente também não haveria uma banda chamada Xutos & Pontapés. Tudo começou quando, "logo após o 25 de Abril", Gimba e Zé Pedro se conheceram. "Foi um amor à primeira vista. Ficámos muito amigos e começámos a tocar muitas vezes juntos, aquelas coisas rock de que ambos gostávamos." A história do batismo dos Xutos começa no entanto mais tarde, depois de Zé Pedro regressar de uma viagem de comboio pela Europa, durante a qual foi a um festival punk em França. "Quando ele regressou a Lisboa, falou-nos daquilo, todo entusiasmado, e cortámos todos o cabelo. De um dia para o outro deixámos de ser freaks para passarmos a ser punks.".O grupo costumava reunir-se num café, onde sonhavam formar uma banda punk, claro está. Até o nome já estava escolhido, Beijinhos e Parabéns. Porém, certo dia, quem o sugeriu formou outra banda e levou com ele o nome. "O Zé Pedro ficou assim meio à toa e no meio de mais umas cervejas sugeri-lhe o nome Xutos & Pontapés, que tinha muito mais que ver com o punk. Ainda fizemos meia dúzia de ensaios com esse nome, mas não passou daí. Depois o Zé Pedro pôs um anúncio no jornal para formar uma banda e apareceram os Xutos & Pontapés que todos conhecem.".Ponto G.Gimba.Editora Consignação Central