É uma lista infindável, a dos papéis que o ator Pierce Brosnan protagonizou no cinema, com destaque para James Bond, mas o seu regresso ao pequeno ecrã dá-se nos últimos dois anos com a série The Son, no canal AMC. A primeira temporada mostrou uma interpretação perfeita de um patriarca na saga familiar baseada no romance premiado com o Pulitzer, O Filho, de Philipp Meyer, mas a continuação da série esteve em dúvida. Brosnan foi a garantia para que no ano passado as filmagens da segunda temporada continuassem, mesmo que após a sua exibição (começa dia 10 em Portugal) o projeto pareça estar destinado a ficar por aí..O DN assistiu à rodagens dos próximos episódios de The Son, filmados no estúdio da AMC, nos arredores da capital do Texas, e num rancho perto de Austin, onde as escaramuças entre índios e cowboys caracterizavam a difícil relação entre o protagonista Eli McCullough, sedento por se apropriar das terras das tribos índias onde existe petróleo. A história desta saga familiar que se passa em duas épocas, 1849 e 1915 (a segunda temporada tem uma terceira época mais recente), parte de uma situação violenta que marca para sempre a personagem encarnada por Pierce Brosnan: o cativeiro índio do jovem Eli e do irmão e a chacina da sua família à frente deles. Henry Garrett é o ator que personifica Pete McCullough, Paola Núñez a incendiária María García e a jovem Sydney Lucas a neta Jeannie McCullough. Os três conversam sobre os seus papéis, mas há um denominador comum no trio: a admiração pelo ator Pierce Brosnan. Nenhum deixa de o elogiar, mesmo que esta seja a primeira experiência entre o quarteto....Para Henry Garrett,o colega que interpreta o líder do clã McCullough já lhe era conhecido pelos seus papéis no cinema: "É uma pessoa fácil e tem as ferramentas para trabalhar a personagem." Vai mais longe: "Ele absorveu a personagem e faz que tudo pareça muito simples. Quando a câmara está a filmar, vê-se que acredita no que está a dizer." Faz questão de afirmar que Brosnan não o "intimida"..Antes de elogiar Brosnan, a atriz mexicana Paola Núñez revela que queria muito entrar na série e esforçou-se bastante para ser escolhida:"Fui confiante à audição e interiorizei a personagem num instante. Ela é forte e o seu poder resulta de ter perdido a família e querer vingar-se, sem ter nada a perder." Quanto à opinião sobre o ator principal, Núñez é clara: "Ele é muito boa pessoa e é divertido trabalhar com alguém que é uma estrela de Hollywood. Achamos que vai dominar tudo mas, quando começamos a atuar, comporta-se apenas como um ator.".A jovem Sydney Lucas não foge ao consenso: "Temos na série uma relação de neta e avô. Desde que o conheci que apreciei a sua educação, o facto de ser humilde e de querer saber sempre mais sobre nós. É um modelo para mim." Pierce Brosnan não ouviu estas declarações, pois deu a entrevista coletiva antes dos seus colegas. Sem se comportar como uma estrela, optou por suspirar muito....Como se sente um irlandês do cinema a protagonizar uma série televisiva passada no Texas? Estar nesta parte do mundo não me incomoda mesmo nada. Acho ótimo estar por aqui, pois é um lugar onde corre muito o sangue de irlandeses, tal como o de escoceses, alemães ou italianos. Não me custou estar em Austin durante os últimos dois anos a representar esta personagem e não é difícil prever que até vai ser difícil despedir-me dele.Porquê? São parecidos... A primeira semelhança é o facto de ter sido um imigrante quando fui viver para Londres, nos anos 1960, uma cidade onde ninguém deixava de me lembrar que era irlandês - principalmente no recreio da escola, onde não me chamavam pelo nome mas o irlandês. A família era o único refúgio naquela altura. Ao vir como ator para as filmagens em Austin voltei a sentir-me outra vez imigrante, desta vez nos Estados Unidos. Além disso, identifico-me bastante com este protagonista Eli McCullough porque ele vai perdendo várias pessoas durante a vida. Tal como no livro que dá origem à série, a minha vida é uma viagem constante e significativa para me ensinar a interpretar este tipo de relações familiares.Então, irá ter saudades de Eli McCullough? Nem por isso. Ando há muitos anos nisto, desde os 8 que sou ator, portanto sei que cada projeto é construído e depois ficará sempre para trás ao ser substituído por outros. Ou seja, representamos e vamos embora. No entanto, há alguns papéis que nos apanham de surpresa e este em que protagonizo um patriarca era a última coisa que pensava representar.Quais foram as maiores dificuldades? O meu primeiro problema era a questão do sotaque. Preocupava-me, mas logo à primeira cena que filmei - a de um enforcamento - a voz saiu bem, pelo menos pareceu-me a mais correta, e continuei nesse tom. A partir daí era mais uma questão de ir mudando de guarda-roupa para me adaptar à passagem do tempo e - isto foi o pior - deixar crescer a barba para parecer cada vez mais velho. Além de a barba ir ficando cada vez mais cinzenta... É quase imoral o que o argumento me exigia, mas não podia continuar novo.Esta história começa com o seu rapto pelos comanches. Como vê essa situação?The Son é a história do homem branco a invadir a cultura índia e a cometer atrocidades enormes. Também aqui posso identificar-me com Eli por ser irlandês e a minha gente ser uma misturada e ter feito de tudo na sua história. Eli McCullough faz parte de um problema civilizacional porque quer ficar com as terras onde já vive um povo e faz tudo para as ter. E, não esqueçamos, depois surge a questão do petróleo e será uma luta em que o seu passado o influencia muito.Representar esta personagem fê-lo pensar nas suas origens? Eu sou um ator humilde e tenho dificuldade em responder a certas questões... Há tantas culturas aniquiladas sucessivamente na Terra por uma humanidade que devora o planeta sem respeito pelas gerações futuras numa corrida feroz e sem limites. Depois, chega uma manhã em que reparamos que uma comunidade desapareceu e nada se pode fazer para a recuperar, como é a questão das populações indígenas nesta série. Contudo, não tenho respostas para estas situações.Voltemos ao seu regresso à televisão. O que representa esta série na sua carreira? É uma experiência ótima. Antes de vir para a América fazer cinema o meu passado era no teatro; depois sonhava com os filmes sob uma forma romântica. O cinema tem um ritmo diferente do da televisão e é muito exigente, mesmo que seja sempre necessário ser correto e brilhante. Quando se tem esta paixão, o que se quer é fazer todo o tipo de projetos, como este The Son.O protagonista dá muita importância à família. Sim, cada respiração que tem, cada gesto que faz, bom ou mau, é sempre em função da família. Eli McCullough está sempre a lutar contra a morte ou a destruição do seu clã. É da sua natureza, pois rege a sua vida em função das humilhações que sofreu enquanto criança às mãos dos índios comanches, uma relação que lhe irá criar problemas - como se vivesse o trauma de uma síndrome de Estocolmo - durante toda a sua vida. Ele constrói e destrói à sua volta porque sabe o que está na mente dos que o rodeiam e, como tem a ambição de vencer a todo o custo, o seu coração não facilita. O que lhe fizeram no passado deu cabo dele e isso reflete-se no que exigirá aos dois filhos: gosta bastante de ambos, mas vive uma hesitação constante porque não correspondem ao que quer, apesar de ter criado os dois à sua imagem. É a neta quem mais se lhe parece e que marcará esta saga familiar.Qual é o poder real de Eli? Saber quem somos; se o soubermos e gostarmos de ser assim, o poder pertence-nos. De outro modo, andamos à deriva e ficamos vulneráveis.O que estudou para compor Eli? Só li o livro [de Philipp Meyer] e mais nada. Quando me convidaram, tive umas quatro semanas para me informar e acabei por obedecer aos meus instintos sobre como seria este homem, e o corpo acaba por apanhar o seu próprio ritmo.Não recriou a personagem? Quando era mais novo fá-lo-ia de outra forma e teria um método diferente, mas isso é mais cansativo. Leio o texto, medito no que me afetaria e preocupo-me também com a audiência. Neste caso, o problema foi juntar tudo para que sentisse a personagem, mas o importante é representar. Tenho esta experiência de quando comecei a atuar porque no teatro temos grandes atores e sabem bem o que são.É mais fácil estruturar uma personagem para a televisão? Representar é sempre igual, seja em televisão seja no cinema. Está ali a câmara, atrás dela tanto pode estar o Scorsese como o Tarantino, o que importa é chegar a tempo ao cenário, ser bom e simpático... Ser ator.Como se relaciona com os outros atores? Fui abençoado porque são todos simpáticos e bons profissionais. Estar na companhia deles exige que façamos o melhor, tanto que nos tornámos um grupo muito bom. Vejo-os a crescer todos os dias e cada um tem um lugar forte no meu coração, daí que vá levar muitas boas lembranças.Até que ponto pode dizer-se que The Son é também um western? É um western mas não só, talvez mais uma saga familiar que está envolvida na criação de um país e na transformação de culturas e da sociedade..Aprecia o género western? Adoro desde novo, naquele tempo em que não íamos todas as semanas ao cinema porque não havia dinheiro. Mas os cowboys e os índios fazem parte da minha vida e da imaginação desde que cheguei a Londres e vi um filme com Roy Rogers pela primeira vez montado num cavalo - na Irlanda não tinha televisão. Depois vi John Wayne e outros heróis, o James Bond - o primeiro que vi foi Goldfinger -, e atores como Steve McQueen ou Marlon Brando. Enquanto ia no autocarro sonhava que era Clint Eastwood.Nesta série falta-lhe um lado que parece gostar, o da comédia. Sente falta? Sim, e penso muito nisso. Existem alguns momentos em que sorrio, quando Eli está com a neta, mas no resto é uma angústia e uma dureza constantes porque é sua natureza e como vive a sua vida. O que é um desafio, porque ao ser assim obriga-me a esforçar mais na representação.O que faz nos tempos livres? Continuo a pintar, até trouxe várias telas.