Manifestações em Setúbal. "Estamos a tentar evitar que nos matem"
O estuário do Sado é o local de férias de uns, a morada e emprego de outros. É as praias e os golfinhos. É uma paisagem natural. E assim se deve manter segundo os mais de 500 cidadãos que se juntaram, este sábado no jardim Luís da Fonseca, em Setúbal, às associações ambientalistas Zero, Quercus e Clube da Arrábida para pedir o fim das obras de alargamento do canal portuário e a demissão da ministra do Mar, Ana Paula Vitorino.
Avós, filhos e netos manifestaram o seu protesto junto ao rio entoando palavras de ordem como "Sim ao Sado. Não às dragas" ou "O Sado é o nosso amor. Não queremos contentores". Têm receio de que a escavação de quase 6,5 milhões de metros cúbicos destrua irreversivelmente o ecossistema setubalense e leve consigo postos de trabalho e os turistas.
As obras começaram, tal como previsto, no passado dia um de outubro, mas os cidadão queixam-se de não terem sido avisados, perdendo a oportunidade de serem ouvidos.
"O estudo ambiental reconhece diretamente que a classe dos golfinhos é uma população sensível e que a sua sobrevivência pode estar em causa. Por outro lado, temos dragagens que não foram suficientemente estudadas e que podem colocar em causa a areia das praias e as atividades turísticas da Península de Troia e da Arrábida", indica o presidente da associação ambientalista Zero, Francisco Ferreira, aos jornalistas.
Tanto a Zero, como a Quercus e o Clube da Arrábida acreditam que a obra deveria ter sido melhor planeada e que tinham de ter sido feitos mais estudos ambientais. Por isso, apelam "à sensibilidade da ministra do ambiente do mar, que já mudou o terminal do Barreiro" por este poder prejudicar a marginal do concelho.
"Tenha o mesmo comportamento no que respeita a Setúbal", implora Francisco Ferreira, que acredita que ainda pode existir uma mudança de comportamento.
No entanto, nem todos os manifestantes mostram a mesma compreensão. "A ministra do Mar vai ter de saltar" dizem e repetem.
António tem 10 anos e veio de Lisboa com o pai para participarem na manifestação. Foi ele mesmo quem pediu para irem até Setúbal "dizer não às dragas".
"Eu vim cá porque todos os verões passo férias aqui e costumo ver sempre golfinhos. Gosto muito e estou preocupado, porque depois destas dragagens não sei se os vou continuar a ver", explica.
Os cerca de 28 cetáceos que ali habitam são a sua maior preocupação, mas não descora a dimensão do areal das praias da Arrábida.
A família passa todos os verões no estuário do Sado. Compraram uma casa e um barco em Setúbal. Agora, consideram deixar a zona, caso as dragagens se realizem.
O Sado emprega muitos. Mário Cruz é um dos setubalenses que vai buscar o sustento ao rio. É pescador há 22 anos. Não é o primeiro na família a lançar as redes ao Sado e provavelmente não será o último, porque Vasco, às cavalitas do pai, mostra-se interessado em seguir o negócio da família.
Juntaram-se ao protesto porque pensam que "este projeto não vai trazer nada de bom para os setubalenses". "Estamos a tentar evitar que nos matem. Não é só o rio. Também somos nós", diz.
"Temos medo de que rebentem completamente com os fundos [do rio], que nos matem os habitats do peixe, a alimentação do peixe e que a poluição faça o que a draga não fizer: que acabe por destruir tudo", continua.
Paulo Nunes também está familiarizado com a vida dura do rio, é armador há já 15 anos. Mas é mais radical na atitude. "O projeto não vai para a frente. Acabou aqui. Não pode avançar. Os pescadores vão lá bloquear a draga. Eles aqui não entram para fazer nada", sentencia.
Pedro Gonçalves não pesca, mas também vive daquelas águas. É proprietário de uma empresa marítimo turística em Setúbal, que faz observação de golfinhos, e está preocupado com a sobrevivência do seu negócio, que emprega mais três pessoas.
"A reserva do parque marítimo do Saldanha está a paredes meias com a área de dragagem. O parque está a ser protegido há 20 anos e agora as implicações que vão existir resultantes da toxicidade das lamas escavadas aqui podem afetar toda a extensão do parque marinho", lamenta o operador turístico.
"Temos perto de 100% de observações de golfinhos por ano. Não deve haver muitos lugares no mundo onde as empresas tenham este rácio de observação por saída. O símbolo de Setúbal está em risco de vida", diz e acrescenta: "Os turistas procuram Setúbal pela aclamação dos valores naturais e ecológicos, não procuram Setúbal para ver contentores".
Tai e Ivan não podem colocar no ar cartazes a dizer não às dragagens. Por isso, levam o protesto preso à coleira. Vivem em Setúbal, onde foram adotados por Patrícia e Miguel Fernandes, e é por lá que dão longos passeios junto ao Sado. Seguem junto aos donos na manifestação.
"Não queremos perder o estuário do Sado, por mais riqueza económica que ele possa trazer. Também temos de pensar naquela que já existe aqui: o nosso turismo, a nossa restauração, os nossos golfinhos, as nossas praias - isso é a nossa maior riqueza", explica Patrícia Fernandes.
Estão revoltados porque sentem que "foi tudo feito à socapa". "Ninguém sabia de nada. A população desconhece o plano", contam. Mas têm esperança de que seja possível travar as dragagens. "Esta obra já foi parada na Trafaria e no Barreiro. Já agora bem pode ir para Sines, que tem um porto enorme", desabafa Miguel.