Dos recados às surpresas. O Estado da Nação em cinco atos
Começou pelas 09.45 e acabou já no bater das 14.00. Morno, mas substantivo, porque já todos se conhecem muito bem. O PS insistiu numa mensagem aos parceiros da geringonça: o tango tem-se feito a três (PS+BE+CDU) mas pode fazer-se a dois e no fim só um é insubstituível: o próprio PS.
Se houve marca no debate parlamentar de ontem foi a dos recados dentro da maioria de esquerda. O contexto imediato é o próximo Orçamento do Estado (OE 2019), que terá de chegar ao Parlamento até 15 de outubro. Mas também - e principalmente - as próximas eleições legislativas e a necessidade de todos reclamarem o seu quinhão de sucesso, mas, ao mesmo tempo, afirmarem a sua identidade crítica. E até o líder parlamentar do PS, Carlos César, o fez, usando sucessivas expressões como "não nos satisfazemos" ou "temos de melhorar" ou "o esforço terá pois de continuar".
E eis os recados, que são seis:
Recado 1, de António Costa: o sucesso da governação é de todos os parceiros da maioria de esquerda, por igual. Nem BE, nem PCP nem PEV terão nada a temer do PS. O PS não irá reclamar exclusivamente para si sucessos que, segundo enfatizou mais do que uma vez, são de todos.
Recado 2, também de António Costa: o melhor seria que os parceiros percebessem que têm de ter "orgulho" no que foi obtido (mais emprego, menos défice, mais crescimento da economia) em vez de estarem sempre a criticar.
Recado 3, de Carlos César: "O PS nunca faltará. E se faltar, faltará um governo de esquerda." Perceberam, bloquistas e comunistas e ecologistas? Nunca poderão ter influência na governação se não aceitarem que o PS é o farol da governação.
Recado 4, também de Carlos César: a solução de esquerda em Portugal tem "prestígio internacional" porque o PS, líder da "coligação", aceitou as regras impostas no "plano externo" (ao contrário do que exigem BE, PCP e PEV).
Recado 5, do BE e do PCP: o PS "tem de fazer escolhas". Deve recusar manter-se "subordinado" às regras da UE que não lhe permitem renegociar a dívida pública e impõem défices mínimos - e portanto grandes problemas na manutenção, em qualidade, de sistemas públicos como o do SNS ou o da escola pública
Recado 6: do ministro adjunto Pedro Siza Vieira. É ler mais adiante.
O discurso de Fernando Negrão. Um discurso pouco ou nada sintonizado com a ideia - de Rui Rio - de que o PSD deve colaborar com o governo em medidas "estruturais". Um discurso violento para a governação e que falou de uma coisa que mais ninguém falou: corrupção, "um dos maiores cancros da democracia, que temos obrigação de combater sem quartel". E que, no seu entender, só tem sido combatido por força de uma "imprensa livre" e de um "Ministério Público autónomo e atuante" (ou seja, sem empenhamento do governo). A bancada levantou-se em peso para aplaudir Negrão. E Hugo Soares, antecessor de Negrão na função - que na verdade se vê a si próprio como uma espécie de líder emérito da bancada -, fez questão de ir cumprimentar pessoalmente o orador. Há reconciliação na bancada do PSD? Sim. Mas uma reconciliação contra Rio (Hugo Soares e Fernando Negrão apoiaram Santana).
António Costa decidiu que a intervenção final caberia ao ministro adjunto, Pedro Siza Vieira. Normalmente seriam ou o ministro dos Negócios Estrangeiros, Augusto Santos Silva, ou o da Segurança Social, Vieira da Silva, ou o das Finanças, Mário Centeno (mas este tem andado muito ocupado com o Eurogrupo). Mas não: Costa escolheu o seu amigo, dizendo-lhe assim, e ao mundo político (o PS, o resto do governo), que lhe confere autoridade política para o representar. Siza Vieira deixou um recado importante aos "primos" da maioria de esquerda (em particular ao PCP, que tem falado muito em "políticas alternativas, patrióticas e de esquerda"): uma política "alternativa" à atual só pode ser "oposta". Não há na verdade alternativas dentro da esquerda: ou é o que tem sido feito, ou é o que o PSD e o CDS fizeram entre 2011 e 2015. Um discurso com a luz do preto e branco: ou nós ou os outros.
De António Costa ao Bloco de Esquerda. Mariana Mortágua voltou a insistir com o governo para alinhar na discussão da revisão da Lei Bases da Saúde. Invocando, como sempre, o facto de o projeto do BE ter sido feito por um fundador do PS, António Arnaut (falecido em maio).
Pelo meio, criticou o facto de a proposta do governo estar a ser preparada num grupo de trabalho coordenado por Maria de Belém, uma personalidade que, para o BE, é demasiado sintonizada com os interesses privados do setor. O primeiro-ministro respondeu o que tem sempre respondido: o governo tem o seu calendário nesta matéria (setembro) e não vai a jogo só porque o BE se antecipou. E é-lhe indiferente o facto de os bloquistas estarem sempre a reclamar o facto de terem tido do seu lado o "pai do SNS", António Arnaut.
António Costa abriu o debate do Estado da Nação revelando linhas de ação para o próximo Orçamento do Estado (OE 2019). A cultura "terá o maior orçamento de sempre"; 95% das pensões serão aumentadas e 68% destas terão um aumento acima da inflação, Na ciência, o orçamento terá medidas que vão permitir um investimento de 1,5% do PIB em investigação e desenvolvimento. Além do mais, haverá um programa de "forte estímulo fiscal" para incentivar o regresso de portugueses que saíram do país por causa da crise. Hoje será realizado um Conselho de Ministros na Pampilhosa da Serra para aprovar um Programa Nacional de Coesão Territorial.