Os anos 1980 e a sua sonoridade estão definitivamente na moda. De quem é a culpa? Há pelo menos três suspeitos... Primeiro tivemos Top Gun: Maverick (ainda nos cinemas) a apostar todas as fichas na nostalgia do filme de Tony Scott, de 1986, aprimorando a banda sonora com clássicos como Danger Zone, de Kenny Loggins, e Let"s Dance, de David Bowie. Depois, a febre instalou-se com o regresso aos tops de Running Up That Hill, de Kate Bush, ouvida na quarta temporada de Stranger Things. E mais recentemente, com a estreia de Thor: Amor e Trovão, demos conta de que o realizador Taika Waititi espalhou temas de Guns N" Roses pelo novo filme da Marvel, com o intuito de garantir uma vibração de eighties..YouTubeyoutubebV0RAcuG2Ao.Waititi que, há dias, em entrevista à publicação britânica New Musical Express, se mostrou desagradado com a inclusão da música de Kate Bush na série dos irmãos Duffer, dizendo que esse gesto "arruinou" a cantora. "Eu adoro a série, mas parece que eles se tornaram os donos da música de Kate Bush... Fiquei muito incomodado. Tornei-me um daqueles velhos que diz coisas do género "estes putos nunca ouviram Kate Bush, ouviram uma canção numa série. Não sabem quem ela é. Eu sei!"." O realizador fez esta afirmação na mesma conversa em que admitiu ter pensado em usar This Woman"s Work, também de Kate Bush, numa cena de Thor: Amor e Trovão que envolvia a personagem de Natalie Portman..Indignações e rabugice à parte, os casos de Stranger Things e Thor - não tanto Top Gun: Maverick, porque foge ao modelo adolescente - fazem-nos acreditar que há uma nova geração a receber "educação musical" pelo pequeno e grande ecrã. Por muito que Waititi se mostre irritado, a verdade é que o próprio incorreu no mesmo gesto que os Duffer ao pegar em Guns N" Roses. Talvez o seu problema, para além de uma paixão assolapada pela obra da cantora inglesa, seja não ter produzido com Thor: Love and Thunder um efeito descomunal semelhante ao que a série produziu....Running Up That Hill, tema de 1985, ficará de resto como o grande fenómeno deste início de verão, graças ao gosto musical de Max, a personagem de Sadie Sink em Stranger Things (um gosto que, na história, é usado como um escudo protetor contra o vilão. Que melhor homenagem ao poder da música?). Porém, esta não é a primeira vez que uma estreia, de uma série ou de um filme, impulsiona o sucesso de uma música décadas depois do seu lançamento original. Segundo a revista Billboard, cuja tabela Hot 100 funciona como o padrão da indústria musical nos Estados Unidos, há vários exemplos ao longo do tempo. Um deles, curiosamente, não com um original mas uma cover dos Beatles, Twist and Shout, de 1964 - nessa altura, 2º lugar do top -, que em 1986 surgia em 23º, após a performance de Matthew Broderick num carro alegórico em O Rei dos Gazeteiros, de John Hughes, e uma cena de bar em Regresso à Escola, de Alan Metter..Mas há mais. Stand by Me, a música de Ben E. King, de 1961, é dos casos mais especiais. Não se trata apenas de um tema que embeleza a banda sonora de Conta Comigo (no título original, homónimo, Stand by Me...), de Rob Reiner, mas contém a alma fraternal desse magnífico filme, o eco das suas emoções, por sua vez extraídas de um livro de Stephen King. Como consequência da estreia desta aventura de quatro adolescentes, liderada pelo eterno River Phoenix, a música foi então relançada com um novo videoclipe e, ocupando o 4º lugar em 1961, voltou ao top, em 9º, no final de 1986. .Outra: What a Wonderful World, a balada de Louis Armstrong que parece nunca ter saído de cena, não foi um êxito nos Estados Unidos à época do seu lançamento, em 1967, destacando-se, quando muito, no mercado do Reino Unido. O merecido reconhecimento chegou-lhe só 20 anos depois, quando Robin Williams, no papel de um radialista temerário em Bom Dia, Vietname, a pôs a tocar para os soldados, dando origem ao inesquecível pano de fundo de uma sequência de imagens de guerra que o realizador Barry Levinson montou em contraste com a ternura da letra. O impacto que gerou com esse filme fê-la subir ao nº 32 da Hot 100 dois meses depois da estreia..Vale a pena também referir os casos de Do You Love Me, dos The Contours, com um 3º lugar na tabela em 1962, que, em virtude de uma cena de dança de Dirty Dancing, com Patrick Swayze e Jennifer Grey, voltou ao top em 1987, na 11ª posição; Unchained Melody (4º lugar em 1965), dos The Righteous Brothers, que foi regravada em 1990, coexistindo a versão antiga e a nova na Hot 100 desse ano (13º e 19º lugares), como resultado de ser o tema romântico de Ghost - Espírito do Amor, outro filme com Swayze, desta vez ao lado de Demi Moore; e Bohemian Rhapsody, dos Queen, sem dúvida um dos temas mais amados do século XX (um "modesto" 9º lugar na Hot 100 à época do original, 1975), que em 1992, por causa de uma cena antológica da comédia Quanto Mais Idiota Melhor, subiu para a 2ª posição, voltando à mesma tabela em 2018 (33º lugar), com a estreia do biopic homónimo de Freddie Mercury. Perante estes exemplos, vénia ao cinema e às séries que ressuscitam músicas "enterradas" no tempo..dnot@dn.pt