F1 em Portugal. Dos fardos de palha à vitória de Senna no Estoril
O primeiro Grande Prémio de Portugal de F1 aconteceu nas estradas da Rua da Boavista, no Porto, em 1958, numa altura em que eram os fardos de palha que amparavam as curvas mal medidas dos pilotos. A vitória foi para Stirling Moss. Casimiro de Oliveira (irmão de Manoel de Oliveira (1958) ainda esteve inscrito, mas não saiu da grelha de partida. Tinha sido o primeiro português a conduzir um monovolume num treino, mas já não competia há três anos e optou por não se fazer à pista depois de dar umas voltas ao circuito da Boavista com um Maserati 250F alugado.
Um ano depois a prova mudou-se para Lisboa. Foi em Monsanto e já contou com um português. Fritz d'Orey, "o portuga" nascido em São Paulo, chegou a estar inscrito na prova de 1959, mas não competiu. Foi assim Nicha Cabral o primeiro português a correr no asfalto nacional. "Desafiado por Mimmo Dei, como era português e se ia realizar o Grande Prémio de Portugal inscreveram-me". Foi para Monsanto sem conhecer o carro para não o estragar nos testes. "A prova correu bem e terminei em 10.º. Nas últimas voltas o carro já começava a falhar e até deixei passar o Terry Brooks, a pensar que ele me ia dar uma volta de avanço. Ninguém das boxes dizia nada, estavam lá sentadinhos a ver a corrida, e eu pensava que o Ferrari do Brooks ia dobrar-me. Qual não é o meu espanto quando percebo no final da corrida que caí de 9.º para 10.º, através do Terry Brooks, que veio ter comigo a dizer-me 'Mario, you"re fantastic, thank you' e eu feito parvo a olhar para ele. Ficámos amigos", contou em tempos o ex-piloto de 86 anos.
Nessa prova, Nicha Cabral sobreviveu a um acidente e a uma discussão com Jack Brabham, que escreveu assim nas suas memórias: "Não acabei o GP Portugal-59 por causa de um very dangerous local boy."
A emoção e o barulho dos motores voltaram logo depois às ruas do Porto em 1960. Depois esteve 23 anos sem dar o ar da sua graça nos circuitos nacionais. Só voltaria em 1984, já no Autódromo Fernanda Pires da Silva, no Estoril, onde ficou e fez história até 1996. Depois deixou de vir. Agora, 24 anos depois, está de volta por 5, 5 milhões de euros, segundo o DN soube. Uma pechincha tendo em conta que há autódromos a pagar 70 milhões de euros por ano para receber uma prova do mundial, como Singapura. O único recinto que não paga para receber a F1 é o do Mónaco.
Na memória de todos está aquele Grande Prémio de 1985. Foi a primeira pole e o primeiro triunfo de Ayrton Senna, aquele que para muitos ainda hoje é o maior piloto de F1 de todos os tempos e que um dia perdeu a vida numa pista. Foi debaixo de um dilúvio bíblico que o brasileiro, então com 25 anos, dançou por entre lençóis de chuva enquanto via os adversário sair de cena. Só nove carros terminaram a prova e o Lotus de Senna foi um deles, com mais de uma volta de avanço a sete dos oito adversários. Foi a primeira de 41 vitórias de Ayrton na Fórmula 1.
Quatro anos depois o protagonista foi um piloto da Ferrari. Nigel Mansell falhou a entrada nas boxes, fez marcha-atrás e voltou à pista, apesar de ter visto a bandeira preta de desclassificação imediata. Numa birra sem precedentes o britânico recusou sair de pista e provocou um acidente que afastaria Senna do título mundial, conquistado pelo grande rival, Alain Prost.
Em 1991 quase que os portugueses viam outro piloto nacional em ação no Estoril. Pedro Matos Chaves ao volante de um Coloni-Ford esteve presente, mas não se conseguiu qualificar. Foi uma das muitas vezes que tal aconteceu. Com um carro pouco competitivo o piloto ficou quase sempre de fora das 13 corridas em que participou. Mais oportunidades teve Pedro Lamy. O piloto natural de Alenquer ainda fez 32 provas entre 1993 e 1996 na prova rainha do automobilismo, mas só duas delas no circuito do Estoril.
A primeira em 1993 depois de se estrear na F1 em Monza. "Estava a correr bem, mas tive um acidente e não terminei. Foi especial apesar disso. Estava a viver um sonho, a correr na F1 e em Portugal. Houve momentos de pressão e tensão, mas muita vontade de correr e fazer uma boa corrida com a pouca experiência que tinha", contou ao DN o piloto, que jamais esquecerá que dividiu as boxes com Senna, que lhe dava muitos conselhos e o apoiou após um acidente em pista, e Schumacher.
Um ano depois um grave acidente em Silverstone a mais de 300 km/h levou-o ao hospital com duas pernas partidas e não marcou presença. Depois participou na última prova, uma corrida azarada para o então piloto da Minardi: "Correr em casa trazia grande carinho e responsabilidade. O carro não era muito competitivo. Não me lembro bem como foi essa corrida. Julgo que a terminei, mas não sei muito bem em que posição. A embraiagem teve problemas e sei que cheguei a deixar morrer o carro. Senti que ia desistir logo mal deram a partida." Lamy terminou a prova em 16.º e último lugar. Agora, aguarda pelo regresso que "muito orgulha o país"e já tem lugar marcado. Afinal ele foi o único português a correr o GP de Portugal, além do pioneiro Nicha Cabral. A lista de portugueses que alinharam na F1 conta ainda com Tiago Monteiro (2002-06), Filipe Albuquerque (2007), Álvaro Parente (2008), António Félix da Costa (2010-13), mas nenhum conduziu um F1 em Portugal.
O mais titulado da modalidade também deixou marca no Estoril. Michael Schumacher dava os primeiros passo como piloto, na Benetton, quando em 1993 levou de vencido Alain Prost, que seria campeão, antes de abandonar... Um ano depois Senna morreu durante o Grande Prémio de San Marino e Schumi tomou conta do cenário durante quase uma década.
Conquistas acompanhadas de perto por João Carlos Costa. Primeiro fez parte do gabinete de imprensa do evento, depois cobriu as provas como jornalista. Hoje é comentador da estação de televisão Eleven e será ele a comentar o regresso. Com muitas "memórias", algumas delas que "não se podem nem se devem contar", o antigo jornalista contou ainda assim algumas ao DN. "Havia o rumor sobre um romance da princesa Stefani do Mónaco com Alain Prost e que ela estaria no Estoril para assistir à prova. E posso dizer que estava. Mas o caricato da situação é que eu tinha uma namorada na altura que era muito parecida com ela e quando estava nas bancadas a assistir à prova alguém lhe pediu um autógrafo", contou, antes de revelar que ficou "fascinado" com os duelos de Alain Prost e Nikki Lauda nos anos 1980 e teve muita pena de não assistir à prova no seu Monsanto em 1959.
Na memória ficou-lhe também "aquele toque" entre Senna e Mansell , em 1990, pela repercussão que isso teve na sua vida jornalística. "Chegar à redação do Autosport e ver que o fotógrafo Francisco Romeiras tinha captado o exato momento do toque foi extasiante. Era a foto perfeita para a capa", revela o jornalista, que um dia conseguiu uma entrevista exclusiva com Prost, mas não lhe perguntou pela retirada, que ele anunciou umas horas depois: "Foi uma pena..."
Para muitos a história do GP de Portugal não se faz sem aquela primeira vitória de Ayrton Senna à chuva, que, em termos de trabalho "foi uma grande chatice", segundo João Carlos Costa, para quem nada supera aquela "ultrapassagem" de Villeneuve a Schumacher em 1996, que levou o canadiano à vitória e adiou a discussão do título para a derradeira corrida, no Japão, onde o mais experiente Damon Hill acabaria por se sagrar campeão.
Esse seria também o último Grande Prémio português. A história também se fez de coisas más como as pressões políticas e a indefinição sobre se o circuito ia ou não estar pronto para receber os monovolumes. Um dia a polémica acabou (ou não). Em 1997, o Estoril ainda esteve no calendário, mas os trabalhos de renovação da pista não foram concluídos e a prova seria substituída pelo circuito de Jerez de la Frontera, em Espanha... para não mais voltar durante 24 longos anos.
Agora a Liberty Media, que detém os direitos do Mundial, foi obrigada a reformular o calendário e incluir mais provas na Europa, depois de cancelar e anular 13 das 22 corridas que estavam marcadas devido à pandemia da covid-19 e Portimão passou a ser opção. O Grande Prémio de Portugal vai voltar a ser uma realidade a 25 de outubro. Depois do Porto, de Lisboa e do Estoril, o Algarve vai entrar no calendário de F1 e com público nas bancadas. Já foram colocados à venda cinco mil bilhetes, entre os 85 e os 655 euros e está em marcha uma segunda leva. A lotação máxima só será definida no início de outubro, mas a organização espera chegar às 60 mil pessoas num recinto com capacidade para receber cem mil. O evento pode gerar receitas para o país entre os 30 e os 130 milhões de euros.