Os líderes separatistas pró-russos das autoproclamadas República Popular de Donetsk, Denis Pushilin, e de Lugansk, Leonid Pasechnik, anunciaram ontem que vão começar a transferir civis destes territórios no leste da Ucrânia para a Rússia, acusando Kiev de estar a preparar uma invasão. A agência de notícias AP revelou mais tarde que os metadados dos dois vídeos mostram que os arquivos tinham sido criados há dois dias..A decisão surge numa altura em que se multiplicam os bombardeamentos na região e dias depois de o Parlamento russo (Duma) ter aprovado uma resolução que exorta o presidente Vladimir Putin a reconhecer as duas "repúblicas" que declararam a independência da Ucrânia em 2014. Um gesto que rasgaria totalmente os acordos de Minsk, que visaram um cessar-fogo na região, já que estes preveem a reunificação dos dois territórios com a Ucrânia.."A partir de hoje [ontem], foi organizada uma partida centralizada em massa da população para a Federação Russa. As mulheres, crianças e os mais idosos serão retirados primeiro", disse Pushilin, num vídeo partilhado pelo Telegram. O líder de Donetsk alega que a qualquer momento o presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, irá ordenar uma ofensiva na região..O líder de Lugansk seguiu-lhe os passos. "Para evitar baixas civis, peço aos residentes da República que saiam para a Federação Russa assim que possível", indicou Pasechnik num comunicado, apelando a "todos os homens capazes de segurar uma arma que se apresentem para proteger a sua terra". Na quinta-feira, uma creche em território ucraniano junto à linha da frente em Lugansk foi atingida por um bombardeamento, causando dois feridos, com Kiev e separatistas a acusarem-se mutuamente da responsabilidade pelo ataque..Perante a chegada esperada de pessoas à região russa de Rostov, o governador pediu ajuda a Putin, de forma a preparar alojamento. O presidente russo ordenou ainda que cada pessoa refugiada receba uma ajuda de dez mil rublos (cerca de 120 euros). O Departamento de Estado norte-americano denunciou o anúncio da retirada de pessoas como "o uso cínico e cruel de seres humanos como peões para distrair o mundo do facto de a Rússia estar a juntar as suas forças em preparação para um ataque"..Washington acusa Moscovo de estar a preparar uma operação de falsa bandeira (destinada a acusar os ucranianos de ações violentas que na realidade seriam empreendidas pelos russos) e incitar à violência nesses territórios controlados pelos separatistas para encontrar uma razão para a invasão. No final de janeiro, estimava-se que seriam cem mil os soldados russos junto à fronteira, mas apesar de o Kremlin alegar que estará a retirar, o Ocidente não acredita. O embaixador dos EUA para a Organização para Segurança e Cooperação na Europa, Michael Carpenter, diz que já estarão 190 mil tropas no terreno falando na "mobilização militar mais significativa na Europa desde a Segunda Guerra Mundial"..A Rússia rejeita as acusações de que estará a preparar uma invasão, alegando que a única maneira de a guerra poder rebentar é se a Ucrânia tentar usar a força para recuperar o controlo das suas regiões separatistas. Ontem após uma reunião com o presidente bielorrusso, Alexander Lukashenko, Putin afirmou que "a garantia que a paz pode ser restaurada vem com a implementação dos acordos de Minsk". E reiterou que "tudo o que Kiev precisa de fazer é sentar-se à mesa das negociações com representantes de Donbass [nome da região de Donetsk e Lugansk] e concordar com medidas políticas, militares, económicas e humanitárias para acabar este conflito. Quanto mais cedo isto acontecer, melhor"..Na terça-feira, a Duma (onde há uma maioria da Rússia Unida de Putin, à qual pertencem também os líderes das duas regiões separatistas) exortou o presidente a reconhecer Donetsk e Lugansk como independentes, alegando que é Kiev que não está a seguir os acordos de Minsk. Putin quererá esgotar o acordado na capital bielorrussa, mantendo contudo esta arma no seu arsenal..Diante da proposta da Duma, o Ocidente reagiu com alertas de que reconhecer a independência seria "uma grave violação do direito internacional", nas palavras do secretário de Estado norte-americano, Antony Blinken, ou "um novo ataque à soberania e à integridade territorial" da Ucrânia, nas da chefe da diplomacia britânica, Liz Truss..Em oito anos, a guerra entre Kiev e os separatistas apoiados por Moscovo fez mais de 14 mil mortos nas duas regiões, tendo a violência diminuído com os acordos de Minsk, assinados com a mediação de Paris e Berlim. Contudo, mantém-se o impasse, com cada uma das partes a acusar a outra de bloquear o processo de paz. O reconhecimento não seria inédito: a Rússia foi a primeira a reconhecer em 2008 a independência da Abecásia e da Ossétia do Sul, ambos territórios da Geórgia que tal como a Ucrânia aspira a pertencer à NATO..susana.f.salvador@dn.pt.Correção: numa anterior versão estava erradamente que dez mil rublos eram 120 mil euros, quando são 120 euros.