Dois presidentes, duas nações, um princípio comum
Trump vai sair de cena, pelo menos oficialmente. Biden tomará posse dentro de dias. Este é o momento para se extrair alguns dados que podem ser úteis por terras Lusas. É importante retirar as lições boas e más que têm sido veiculadas pela comunicação social e redes sociais, tal qual se tratasse de uma série de quinta-feira à noite. Até porque muito brevemente Portugal terá também eleições presidenciais.
A primeira questão será porventura - e detendo-nos no vencedor - tentar perceber as razões mais óbvias do seu sucesso. Alguns dirão que Biden não entusiasma. Todavia, as expectativas de mudança, a alternativa que representa, o facto de ter a maior votação de sempre (não obstante os seus 78 anos) ou a sua experiência política são fatores a não descurar.
Quando se fala em Biden reportamo-nos ao Presidente, claro está. Porém, o que na verdade representa é uma vasta equipa. Uma massa humana que se move e corporiza - a nível nacional exclusivamente para as eleições presidenciais - e que integra o Partido Democrata, cujo funcionamento em nada se assemelha ao de qualquer um dos partidos do espectro político português. É uma organização onde ninguém fica para trás: de Kamala Harris, a Barack Obama, passando por Hillary Clinton, Nancy Pelosi, Bernie Sanders e até Muriel Bowser.
É por esse motivo que - estranhamente, poder-se-á pensar do lado de cá do Atlântico - ganhar a Donald Trump não foi nada fácil. Para além dos muitos milhões de dólares envolvidos de parte a parte, há uma expectativa criada em torno do que será o mandato do vencedor. Isto é, qual a linha política que o novo presidente irá seguir. E essa expectativa, para além das promessas eleitorais, materializa-se na escolha das pessoas que vão desempenhar funções no Governo.
Não foi por acaso que Biden sublinhou em várias ocasiões que teria um "Gabinete" mais representativo do Povo Americano - o que até parece ser o caso - apesar das, já esperadas, críticas dos mais liberais e conservadores.
Biden nomeia não só o "Governo", o chamado Gabinete com cerca de 15 a 30 membros, mas também os restantes cargos de nomeação da administração pública americana. Tal significa que de uma só vez são nomeadas mais de 4000 pessoas pela equipa de transição, isto durante os dois meses e meio que medeiam a eleição e a posse.
Em Portugal, escolheremos o nosso Presidente quatro dias depois da posse de Biden. Usando o candidato mais bem colocado em todos os estudos de opinião, apesar de em segundo mandato, ou por causa disso mesmo, uns votarão com esperança, outros como alternativa ao Governo de António Costa e do PS - no fundo, para liderar a oposição.
Haverá ainda os eleitores que exercerão o sentido de voto para garantir a estabilidade institucional, isto por Marcelo ter feito, eventualmente, um bom primeiro mandato ou por ser, dos que se apresentam, o melhor candidato - como alguns destacados Socialistas aludiram, sendo disso exemplo Fernando Medina e Augusto Santos Silva.
No entanto, e ao contrário do que se constata em terras do "Tio Sam", as expectativas são geridas e concretizadas, de facto, por uma pessoa: o Presidente. A equipa que constitui o seu Gabinete de forma alguma pode ser comparada à de Biden. Sim, estamos perante sistemas políticos diferentes.
Contudo, traga-se para a discussão e memória futura as nomeações governamentais para gabinetes, a sua constituição e da administração pública portuguesa: 4000? De uma assentada só? Não é fruto de um Governo, é uma "prática reiterada com convicção de obrigatoriedade"; é costume.
Regressando ao Presidente: ao referir Marcelo, é mesmo só o Presidente e uma equipa (pequena) - talvez por isso um mês e meio chegue entre a eleição e a posse. Já agora, não é só a equipa que é diminuta. O número de votos é também escasso. Já no caso americano, Biden é uma máquina política para governar a - ainda - maior potência do "Mundo Livre".
Numa perspetiva "melting pot", como se assumem os Estados Unidos, o trabalho do Presidente Biden será muito complexo. A nível interno toda a sua experiência política terá de vir ao de cima para conseguir reunificar os americanos, algo já patente desde a campanha quando dizia querer ser o Presidente dos americanos azuis (Democratas) e vermelhos (Republicanos). Enquanto isso, Kamala Harris, terá de preparar terreno para voltar a fazer história. O próximo passo será chegar à sala oval, tarefa que ficou mais facilitada com o controlo do Senado e do Congresso (pelos Democratas), mas que terá eleições daqui a dois anos. E uma coisa é certa: os Republicanos vão querer recuperar o poder, moderando-se, mas sem desperdiçar o enorme capital eleitoral que votou em Trump.
A nível internacional espera-se uma América mais sã e menos acutilante. Testemunhar-se-á o regresso ao Acordo de Paris e à OMS, assim como um discurso diferente perante as Nações Unidas e a NATO. Portanto, uma ação quase diametralmente oposta à da última Administração, o que aliás corresponde às primeiras palavras da nova Embaixadora dos Estados Unidos acreditada nas Nações Unidas, Linda Thomas Greenfield: "O multilateralismo voltou!".
É nessa visão multilateralista que o mundo se habituou a deixar-se guiar pelos Estados Unidos como garante da Paz e da Estabilidade no Mundo. E como nestes últimos quatro anos os Estados Unidos estiveram "ausentes", esse papel foi sendo assumido, e bem, pela República Popular da China.
Não é pelos quatro anos que lá vivi, mas prefiro voltar a ver essa responsabilidade em Washington. A América simboliza valores e costumes ocidentais com os quais é muito mais fácil para um europeu integrar-se.
Nós, os Portugueses, povo que sempre saiu à conquista de novos mundos, devemos ter também a expectativa - mais densificada com o Brexit - de que é possível ao nosso tecido empresarial voltar a ver a América como a "Terra de Oportunidades".
Para tal, esta Administração terá de voltar a reduzir os montantes necessários ao investimento para criação e fixação de empresas. Só assim se permitirá o acesso das nossas PME a um mercado tão apetecível e diversificado, onde o mérito é largamente apreciado e reconhecido. Esta meritocracia é talvez a menor importação que fazemos dos Estados Unidos, mas aquela com que mais ganharíamos.
Advogado