Dois meses sozinho num farol assombrado no meio do mar
Ao longe, o farol e a minicasa contígua parecem ocupar a quase totalidade do rochedo escarpado localizado cinco quilómetros ao largo da ponta de Raz, Finisterra, na Bretanha francesa. Visto de perto, afinal há um resto de pedra onde se instalou uma escadaria de degraus esgravatados que conduz até ao que se convenciona chamar cais. Mas a imagem ao longe será a mais próxima daquela realidade, especialmente nos dias em que o mar se enfurece e parece engolir o farol de Tévennec.
Durante anos, os faroleiros ali destacados enlouqueciam ou desapareciam em circunstâncias estranhas. Desde sábado que Marc Pointud está instalado em Tévennec. Quer mudar a imagem do local e angariar fundos para o recuperar e transformar numa residência de artistas.
Este bretão de 65 anos é também o presidente da Sociedade Nacional para o Patrimónios de Faróis. Apesar disso, nunca viveu em nenhum - tem, sim, grande experiência de navegação. Mas em Tévennec tinha de ser assim. "Vou viver como um prisioneiro", disse Pointud. "A solidão é a tradição dos guardiões de Tévennec" referiu numa entrevista em que tentou desconstruir a aura negra que paira sobre o rochedo desde o século XIX. "Eram outros tempos. As mentalidades eram outras e não havia forma de comunicar com o exterior. Só havia corvos-marinhos com quem falar. Eu vou estar em contacto com a imprensa e com a associação", diz o novo guardião do farol.
O farol foi erguido em 1874 para tornar segura a passagem em Raz de Sein. O local já era conhecido no mundo das lendas bretãs como a casa de Ankou (figura que personifica a morte). As correntes são intensas (raz significa corrente forte em bretão), a ondulação alta e os ventos fortes. E isso não mudou.
Por isso Pointud acabou por chegar ao rochedo de helicóptero depois de, numa primeira tentativa de mudança para o farol maldito, em outubro, insistir que queria lá chegar de barco e teria de esperar pacientemente pela maré de feição para acostar no rochedo - como os seus antecessores no posto.
[destaque:Só em 30 anos o farol teve 22 faroleiros. Estava devoluto há 105 anos]
No primeiro dia fez uma visita guiada ao exterior do farol em dois minutos de vídeo. Está sol, vento, vê-se o mar em permanente movimento, os degraus que ligam o "cais" ao edifício, ao longe, terra firme. A pequena casa anexa à torre do farol está muito degradada após anos de abandono (em 1910, o farol passou a automático, alimentado a gás). Ainda publicou um post no blogue que deverá alimentar, para dar vida ao projeto Lumière sur Tévennec e angariar fundos, via crowdfunding, para a sua recuperação. Ia fazer "um bom jantarinho".
Levou para o farol uma cama, duas (?) cadeiras e uma mesa. Batatas, conservas, água e material de escrita. É ali que quer escrever um livro nos 60 anunciados dias de reclusão. Um dos jornalistas que o entrevistaram perguntou-lhe se acredita em fantasmas porque há 105 anos que ninguém habita o local, depois de mortes e desaparecimentos estranhos. "O que é um fantasma? Uma alma errante ou uma manifestação da solidão? Talvez tenha surpresas, mas se encontrar um espírito, vou escrevê-lo no meu livro e talvez tente tirar-lhe uma foto", respondeu.