Dois anos de Marcelo. Das palavras aos atos sem sair do mesmo lugar

Eleito há dois anos, Marcelo antecipou então as linhas mestras do mandato. Politólogos dizem que não se afastou delas.
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Passaram exatamente dois anos. A 24 de janeiro de 2016, num átrio da Faculdade de Direito de Lisboa - "uma escolha afetiva" - completamente cheio, o recém eleito Marcelo Rebelo de Sousa elencava as quatro ideias chave para os cinco anos de mandato que então tinha pela frente. Já lá vão dois. Que distância vai entre as palavras do Presidente da República recém- eleito e a ação do inquilino do Palácio de Belém, passados 700 dias?

"Muita coisa aconteceu pelo caminho, mas há aqui uma linha de continuidade do que foi o discurso de Marcelo Rebelo de Sousa na noite da vitória", defende o politólogo e professor na Universidade de Aveiro Carlos Jalali, argumentando que, à data das últimas eleições presidenciais, seria difícil antecipar questões que se vieram a tornar marcantes.

Como os resultados económicos do pós-resgate, que "acabaram por ser bastante positivos". Ou as "tragédias inomináveis" dos incêndios de Pedrógão Grande e de 15 de outubro. "Apesar desses eventos, há uma clara linha de continuidade", acentua.

No discurso de vitória na noite eleitoral, o atual chefe do Estado apontou quatro eixos essenciais do mandato que se iniciaria em março seguinte - "fomentar a unidade nacional", "reforçar a coesão social, pessoal e territorial", "promover as convergências políticas" e "incentivar o frutuoso relacionamento entre órgãos de soberania e agentes políticos, económicos, sociais e culturais".

No âmbito desta última, Marcelo garantia que "o Presidente da República é o primeiro a querer que o governo governe com eficácia e com sucesso, porque isso é importante para o sucesso de Portugal". E acrescentava que "do mesmo modo é indispensável que a oposição seja ativa e representativa, porque do seu contributo e do seu escrutínio se faz igualmente a força da democracia".

Para António Costa Pinto, os quatro pontos essenciais enunciados por Marcelo no discurso da noite eleitoral traduzem "as quatro dimensões estruturantes da função presidencial num sistema semi presidencialista". No que se refere ao primeiro, o politólogo considera que Marcelo deu uma contribuição "central" para a pacificação da vida política portuguesa numa "conjuntura de grande polarização, inédita em Portugal", fruto da então recente solução governativa da geringonça. Acrescenta que Marcelo "foi até o elemento determinante" dessa pacificação, esboçando uma "colaboração política com aquela solução governativa que não podia ser mais clara, provocando até alguma desconfiança nessa fase".

Carlos Jalali também defende que Marcelo assumiu um papel preponderante: "o Presidente da República tem conseguido erigir-se como uma figura apaziguadora dentro do sistema político, no papel de moderador, de árbitro".

Também quanto à coesão, Marcelo Rebelo de Sousa tem sido "consistente" com a promessa do discurso inicial, refere ao DN o docente da Universidade de Aveiro, dando como exemplo mais claro a atuação do chefe de Estado nos incêndios. Jalali dá outro exemplo: "Marcelo usa a sua popularidade para colocar certos temas na agenda. Um bom exemplo é a iniciativa que tomou com os sem-abrigo, colocando na agenda pública um conjunto de pessoas que é completamente invisível".

E os consensos? Tem Marcelo Rebelo de Sousa procurado - e conseguido - traduzir na prática aquele que apontou como um terceiro ponto essencial do seu mandato?

António Costa Pinto defende que este aspeto se insere numa dinâmica de continuidade face ao papel dos presidentes da República, num ponto que é "um senso comum das nossas elites, a ideia de que Portugal precisa de consensos para reformar certas áreas".

Mas o politólogo antecipa que este objetivo - entendido enquanto acordo entre os grandes partidos do centro-direita e do centro-esquerda - pouca tradução prática terá até ao final da presente legislatura, mantendo-se a polarização direita/esquerda.

É no quarto eixo enunciado por Marcelo que António Costa Pinto considera que o atual chefe de Estado tem deixado uma marca mais pessoal, e onde a ação do Presidente da República "tem sido bastante coerente com o princípio" enunciado. Marcelo "deu todas as condições para o governo governar, para ter estabilidade política", "não pôs um único grão na engrenagem" da geringonça, "antes pelo contrário", diz ao DN.

"Marcelo mostrou-se sempre um interlocutor favorável [à ação do governo]. Mas teve sempre o cuidado de marcar as diferenças quando achou relevante, preservou sempre margem de manobra", considera por seu lado Carlos Jalali.

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