Documentário evoca feminismo dos anos 60/70

Delphine Seyrig, actriz lendária do cinema francês, foi uma militante feminista que, em colaboração com Carole Roussopoulos, assinou uma importante obra videográfica - "Delphine e Carole" evoca as ideias e convulsões desse tempo.
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Não temos estatísticas sobre a circulação específica dos documentários, mas é óbvio que, nos últimos anos, a sua audiência cresceu. E, por certo, em particular, nas plataformas de "streaming" - basta observar a proliferação de títulos a que podemos aceder por essa via, por vezes envolvendo referências e temas mais ou menos esotéricos.

Não será o caso de Delphine e Carole (2019), de Callisto McNulty, quanto mais não seja porque a "Delphine" que o título refere é Delphine Seyrig (1932-1990), figura lendária e mágica do cinema francês que podemos encontrar em obras tão emblemáticas como O Último Ano em Marienbad (1961), de Alain Resnais, Beijos Roubados (1968), de François Truffaut, A Princesa com Pele de Burro (1970), de Jacques Demy, O Charme Discreto da Burguesia (1972), de Luis Buñuel, ou India Song (1975), de Marguerite Duras.

Na década de 70, o seu encontro com Carole Roussopoulos (1945-2009) gerou uma filmografia muito especial, ligada aos movimentos feministas, ecoando a herança política e simbólica das convulsões de Maio de 68. Aliás, a palavra "filmografia" está longe de ser adequada. Isto porque Roussopoulos era uma das figuras pioneiras na utilização das novas câmaras de vídeo, aparelhos de pequena dimensão, ligeiros e ágeis, que ajudaram a mudar o próprio conceito de "militância" através do cinema - ela recorda mesmo que, em França, foi a segunda pessoa a adquirir uma dessas câmaras, logo após Jean-Luc Godard.

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O filme de Callisto McNulty, cineasta francesa que se estreia aqui na realização a solo, tem como matéria central uma entrevista a Roussopoulos, registada por Hélène Fleckinger em 2007. São memórias especialmente tocantes, já que cruzam as ideias políticas e reivindicativas que presidiram ao trabalho da dupla com reminiscências de natureza puramente afectiva. Sem esquecer, claro, o valor de testemunho, quer dos fragmentos de filmes/videos que são mostrados, quer de algumas presenças de Seyrig em debates televisivos (com destaque para uma conversa em que participam três realizadoras que a dirigiram: Marguerite Duras, Chantal Akerman e Liliane de Kermadec).

Delphine e Carole (disponível na Filmin) consegue, assim, revisitar um momento histórico de fascinantes contrastes e contradições, sem nunca transformar as personagens e situações em referências banalmente pitorescas. Por uma vez, alguém aborda formas concretas de feminismo sem as reduzir a entidades abstractas, universais e intermutáveis. Estamos também, por isso mesmo, perante um útil documento sobre actos e ideias dos anos 60/70 ou, se quiserem, sobre o seu espírito.

* * * [ Bom ]

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