Do sonho de quererem ser polícias à desilusão que os leva à rua
Paulo Gonçalves é agente na Divisão de Sintra, embora seja oriundo do Algarve. Tem 42 anos, há 20 que é polícia e há quase cinco que está em Lisboa. Uma transferência por imposição, segundo contou ao DN, por "pertencer a um órgão dirigente de um sindicato". É dirigente da Associação Sindical dos Profissionais da Polícia (ASPP) e, afirma, foi a primeira vez que sentiu a injustiça dentro da própria instituição. "Quem procura a justiça acaba por ser injustiçado." A situação abalou-o, confessa, revoltou-o e levou-o à justiça, aguardando agora a decisão do Tribunal Administrativo sobre a sua transferência.
No entanto, Paulo Gonçalves, que empunha uma das bandeiras da ASPP na manifestação da tarde de terça-feira, em frente ao Ministério das Finanças, não tem dúvida de que foi "um dos poucos sortudos" que conseguiram entrar para a polícia "por ser um sonho de menino". "É o meu sonho desde as primeiras memórias que tenho de criança. Quando na escola me perguntavam o que queria ser, respondia sempre que queria ser polícia", conta ao DN.
Fez por isso. Formou-se e desde então "tenho dado o meu melhor. Sempre. Até que cheguei à Unidade Especial da Polícia e fui o único no meio de mil elementos que não viu a comissão ser renovada, e sem qualquer fundamentação", desabafa. De Faro viajou até Sintra, onde está desde fevereiro de 2015. É ali que exerce as suas funções. É ali que é policia e que continua a acreditar no que faz. "E saio sempre satisfeito quando consigo ajudar alguém que precisa da polícia."
Manuela Franco, de 59 anos, desde os 20 na polícia, é chefe principal na Divisão do Barreiro e diz com orgulho que pertenceu à primeira escola de mulheres que, em 1980, já pôde fazer a formação em conjunto com os homens. "Eram dez mil candidatas e só entraram 300", recorda. Desde essa altura até agora, muito mudou na instituição e na sua vida. Ali conheceu o marido, também polícia, chefe, e como ela também dirigente do Sindicato Nacional da Carreira de Chefes (SNCC/PSP). Hoje, afirma, continua a fazer o seu trabalho com satisfação, mas cada vez mais frustrada em relação à forma como os polícias são tratados pelas próprias hierarquias e pelo governo.
Confessa que foi por influência do pai, que era da Marinha Portuguesa, que se candidatou à polícia. "Um dia apareceu um anúncio de recrutamento na televisão e o meu pai disse-me que deveria pensar em seguir a carreira de polícia. Aceitei, candidatei-me e entrei", conta. "Sempre me senti realizada e satisfeita pelo trabalho que fazia e faço no serviço aos outros", desabafa, acrescentando que, ao contrário do que muitos pensam, "o trabalho que a polícia desempenha é cada vez mais reconhecido pela população, "nunca tínhamos sentido tanto apoio da população como na manifestação de novembro".
Manuela Franco escolheu ser polícia numa altura que ainda não era fácil para as mulheres. Chegou a chefe principal e admite que uma das suas preocupações é o futuro da instituição. "Às vezes, pela forma como somos tratados, parece que o objetivo é que a própria instituição acabe. E isto não é possível", acrescenta. Que imagem e que futuro queremos passar aos mais novos?, questiona.
Jorge Rufino, de 49 anos, há 25 na PSP, é agente de patrulha da Divisão de Oeiras. "Sempre na patrulha, sempre na rua", diz-nos. "É aqui que a população precisa mais da polícia, não é à secretária", defende. É assim que pretende continuar na polícia. Aos 49 anos não se vê a fazer outra coisa, é dirigente na Organização Sindical dos Polícias (OSP/PSP), uma das sete estruturas sindicais da polícia que ontem estiveram no Terreiro Paço, em Lisboa, para passarem um cartão vermelho ao governo.
Jorge Rufino corrobora a mesma preocupação de Manuela Franco, que futuro para a polícia? "Cada vez no mais nos chega a informação de que são menos os candidatos às escolas", se assim é, "como é que o governo diz que vai colocar mais dez mil efetivos até 2023? É mais uma falsa promessa?" O agente da Divisão de Oeiras alerta para o facto de ter colegas com quatro e cinco anos de serviço que "estão a deixar a profissão, que metem licença sem vencimento e que se sentem cada vez mais desmotivados".
Elsa Santos, de 56 anos, há 35 em serviço efetivo na polícia, é hoje chefe na esquadra de Caneças, na Divisão de Loures, e pertence ao SNCC/PSP. Conta que sempre esteve "no serviço operacional". Ainda hoje, e sempre que é necessário, sai à rua, passa noites inteiras de pé, faz fins de semana, feriados e tudo o mais. Diz-se da velha guarda, das gerações mais antigas, aquelas que ainda mantêm, se calhar, mais motivação, porque com os mais novos nem sempre tal acontece. "Há muitos que acabam por deixar a profissão ao fim de pouco tempo", refere.
Elsa Santos defende que se a imagem da polícia é hoje diferente do que quando entrou para a instituição, porque sente que até é mais reconhecida pela população, tudo se deve "ao nosso esforço pessoal. É por isso que somos polícias", mas torna-se cada vez mais difícil atuarmos devido "às condições de trabalho que temos" e "à falta de efetivos". Elsa Santos é das que gostariam de poder ir para a pré-reforma, mas tal não lhe foi concedido. "Imagine, aos 56 anos começa a ser pesado", porque, afinal, "somos uma profissão de risco". E "não vejo as coisas a melhorar".
Paulo Gonçalves, Manuela Franco, Jorge Rufino e Elsa Santos aceitaram falar com o DN e dar a cara porque pertencem a órgãos dirigentes de sindicatos, se não o fossem, se calhar não o fariam, pelo receio de poderem ser prejudicados, porque aos polícias "o direito de se manifestarem sem receio ainda não é permitido", afirmam. "Ainda não nos é permitido fazer greve", mais do que isso, "ainda não nos é permitido sair à rua sem este aparato de colegas do Corpo de Intervenção" do outro lado da barricada.
Eles são rostos de gerações de polícias que estiveram nesta terça-feira na rua para se manifestarem. Já o tinham feito na manifestação anterior, em frente à Assembleia da República, em novembro. E todos estão dispostos a sair à rua no próximo mês e as vezes que forem necessárias, porque, e como diziam os cartazes expostos, nas grades que lhes vedavam o acesso à entrada do Ministério das Finanças, no Terreiro do Paço "somos polícias e exigimos respeito".
Isto mesmo também dizia a carta aberta assinada por todos os representantes da plataforma dos vários sindicatos que ontem pelas 17.00 foi entregue aos representantes do ministro Mário Centeno.
Na carta, as estruturas representantes das polícias referiam que "somos humanos, não somos robôs", "queremos respeito", "não é entendível que o governo continue a fazer promessas que sabe de antemão que não irá cumprir", não é entendível que o governo "continue a jogar com a expectativa dos profissionais e que se deixe deteriorar de forma tão vincada o serviço policial".
Promessas que vão desde a renovação da frota de carros, prometidos 220, que, dizem, continuam por entregar, à existência de um serviço de assistência na doença mais adequado e com o objetivo de diminuir os suicídios na PSP. Promessas que vão desde a revisão dos subsídios e dos suplementos remuneratórios, mas sobre os quais ainda não receberam qualquer alteração, ao aumento e ao rejuvenescimento do efetivo da PSP.
Mas, ontem, o facto de os representantes desta plataforma de estruturas sindicais terem sido recebidos de "forma fria", "apenas pelos assessores do senhor ministro e à porta, nem sequer nos deixaram entrar", deixou-os, mais uma vez, desiludidos e com noção de que "para o governo a polícia não é importante". "Representamos cerca de 30 mil elementos das forças de segurança, se calhar merecíamos mais atenção", referiam à saída alguns dos dirigentes. Ninguém arredou a pé, o protesto só foi dado como terminado depois das 18.00, quando ao microfone um dos elementos referia que o protesto ia passar para Braga, uma das três cidades - Lisboa e Faro também - para onde estavam marcados os protestos de ontem.
No final, e como disse ao DN Calos Oliveira, da ASPP, "não estávamos à espera disto, da forma como fomos recebidos", nem tão-pouco "de tantas grades". As grades impediam a passagem de uma ponta à outra da estrada, do Terreiro do Paço ao Campo das Cebolas. Foi aqui, na estrada em frente à entrada dos barcos, que os polícias se concentraram e mostraram narizes e cartões vermelhos ao governo.
Até agora, o que este governo tem mostrado é que "não negoceia. Só nos chama para apresentar as medidas que já tomou. A polícia precisa mais do que isso", argumenta Pedro do Carmo, também dirigente da OSP/PSP. Armando Ferreira, do Sindicato Nacional das Polícias (Sinapol), também manifestou o seu desagrado logo após a entrega da carta aberta no ministério. Depois disto, vamos avaliar outras formas de luta, disse. Alguns dos que ali estavam falaram até numa forma de protesto que poderia ir até à entrega das armas, mas outros iam dizendo que nada estava decidido.
Para Paulo Gonçalves, Manuela Franco, Jorge Rufino e Elsa Santos, o que ainda faz os polícias sair à rua e servir a população "é o espírito de missão, mesmo com os meios que temos", afirmam. Ao final da tarde de ontem, a plataforma que reúne sete estruturas sindicais da PSP e da Associação Nacional da Guarda/GNR decidiu que se irá reunir-se em breve para analisar se há feedback do governo às suas reivindicações e que rumo deve tomar esta luta.