Do mar Negro ao espaço, Rússia e Estados Unidos (outra vez) de candeias às avessas

A Ucrânia continua a ser o pomo da discórdia entre Moscovo e Washington, e há especialistas norte-americanos a temer as "nuvens escuras" que se acumulam. Acima destas, em órbita, também há motivos para disputa.
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No Mar Negro, navios da Marinha dos Estados Unidos navegam em mensagem de apoio à Ucrânia. Junto à fronteira deste país, a Rússia está outra vez a concentrar milhares de soldados e meios militares. Pelo meio, um míssil russo destrói um satélite inutilizado, para fúria de Washington, e a Alemanha suspende o processo de abertura do gasoduto russo-alemão que evita a passagem por terras ucranianas.

O presidente russo Vladimir Putin tem dito e redito que a NATO está a realizar exercícios navais não anunciados no Mar Negro, o que é nas suas palavras "um desafio sério" para a Rússia. Na segunda-feira, o Kremlin disse que Putin "chamou a atenção para a natureza provocatória dos exercícios de grande escala liderados pelos Estados Unidos e seus aliados no Mar Negro que estão a aumentar as tensões entre a Rússia e a NATO" durante o telefonema que manteve com o homólogo francês Emmanuel Macron.

No Mar Negro estão neste momento o navio-almirante da 6.ª frota da Marinha dos EUA, o USS Mount Whitney, o contratorpedeiro USS Porter e o navio de reabastecimento USNS John Lenthall e, que seja do conhecimento público, o último exercício da NATO naquele mar decorreu em julho. Foi antecedido de um momento de grande tensão, com Moscovo a dizer que disparou tiros de aviso a um contratorpedeiro britânico que navegava junto da Crimeia, ocupada pela Rússia.

A presença destes navios, apoiados por aviões, são um sinal de solidariedade para com a Ucrânia, sinal que ganhou mais preponderância depois de se saber através de imagens de satélite, no dia 1 de novembro, que a Rússia estava outra vez a reunir tropas e material militar não longe da fronteira oriental da Ucrânia. "Há nuvens muito, muito escuras no horizonte", comentou à Military o diretor de estudos da Rússia no Centro de Análises Navais dos EUA. Michael Kofman teme que o seu país "esteja a ir demasiado longe demasiado depressa" num tópico muito sensível e que, acima de tudo, diz, não deve ficar nas mãos dos militares do comando europeu.

"A Rússia não ameaça ninguém. O movimento das tropas no nosso território não deve ser motivo de preocupação para ninguém", disse o porta-voz do Kremlin Dmitri Peskov. O secretário de Estado norte-americano não pensa o mesmo. "Não temos a certeza sobre as intenções de Moscovo, mas conhecemos o seu manual. A nossa preocupação é a de que a Rússia possa cometer o grave erro de tentar repetir o que empreendeu em 2014, quando reuniu forças ao longo da fronteira, atravessou para território soberano da Ucrânia e o fez afirmando falsamente que tinha sido provocada", disse Antony Blinken.

Noutra frente de atrito, a Rússia disparou um míssil de terra contra um satélite da era soviética, criando mais de 1500 destroços detetáveis, bem com um número indeterminável de microdestroços. O administrador da NASA Bill Nelson classificou o sucedido de "ultrajante" porque podia ter causado "danos graves" à Estação Espacial Internacional.

Moscovo disse que não houve qualquer risco e que antes os EUA, China e Índia tinham feito ações semelhantes. "Declarar que a Federação Russa cria riscos para a utilização pacífica do espaço é, no mínimo, hipocrisia", disse o chefe da diplomacia Sergei Lavrov.

Num momento em que as tensões voltam a subir entre Moscovo e o Ocidente e no contexto de um aumento dos preços da energia na Europa, a Agência Federal de Redes da Alemanha anunciou a suspensão temporária do procedimento de aprovação do Nord Stream 2, o controverso gasoduto submarino destinado a transportar gás natural diretamente entre a Rússia e a Alemanha.

A certificação do Nord Stream 2, que é uma das etapas finais antes da sua entrada em funcionamento, "só é possível se o operador estiver organizado numa forma legal ao abrigo da lei alemã", escreveu a autoridade num despacho. O processo de certificação permanece em pausa até que o operador do Nord Stream 2, com sede em Zug, na Suíça, tenha concluído a transferência de "bens e recursos humanos fundamentais" para uma filial criada na Alemanha, disse a agência.

Após o anúncio, o preço de mercado do gás subiu 12%, numa altura em que a Europa já está a experimentar um aumento do preço desta fonte de energia. Depois de a barreira burocrática ser ultrapassada, a agência tem quatro meses para analisar e certificar o projeto, cuja construção está concluída e o abastecimento foi iniciado no lado russo. O processo não fica concluído: cabe ainda à Comissão Europeia dar autorização. Contas feitas, não é de esperar que o Nord Stream 2 entre em funcionamento antes da primavera.

O Kremlin já tinha pedido em setembro que o Nord Stream 2, com capacidade para transportar 55 mil milhões de metros cúbicos de gás por ano, fosse posto ao serviço "o mais depressa possível". O próprio Vladimir Putin, em outubro, fez declarações públicas no sentido de pressionar o regulador alemão a aprovar o gasoduto quando já se previa uma crise do gás natural na Europa. Os seus críticos suspeitam que o gás natural esteve retido para criar pressão no sentido de aprovar o novo gasoduto, embora em agosto um incêndio numa refinaria na Sibéria tenha afetado a capacidade de processamento e de exportação.

cesar.avo@dn.pt

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