Do karaté no Algarve nasceu um andebolista com ADN de campeão
As rastas são já uma imagem de marca de Gilberto Duarte, o jogador português de andebol que representa o Barcelona. Recém-campeão espanhol pelos catalães, o internacional português não podia "estar mais satisfeito" com o rumo que a sua carreira tomou. E tudo começou no karaté, em Lagoa, no Algarve. "Eu praticava karaté com o meu irmão, mas comecei a jogar andebol e a experimentar outros desportos. Chegou uma altura em que o meu pai me obrigou a escolher, optei pelo andebol e comecei a jogar mais a sério no Lagoa AC", contou ao DN o andebolista de 28 anos.
Desde então acabaram-se as artes marciais. "Nem para passar o tempo". Gilberto não sabe bem porque preferiu o andebol ao karaté. "Se calhar foi pelos amigos", diz. Mas hoje olha para a modalidade como um "desporto complexo" e "muito inteligente", que de alguma forma o seduziu na altura: "Sou muito apaixonado pelo andebol. É um jogo fascinante, que nos obriga a estar sempre a pensar e a analisar jogadas. Além disso, apesar de ser um desporto coletivo, tem uma vertente individual muito interessante e tudo isso me chamou mais para o andebol."
Com o tempo, Gilberto começou a revelar algum talento para a prática da modalidade e cedo despertou o interesse do FC Porto. Mas não sem antes ter um amargo de boca: "Fui fazer uns treinos ao FC Porto e não fiquei. Só fui para o Dragão no ano a seguir. Depois fiquei quase dez anos."
De dragão ao peito ganhou tudo ou quase tudo o que ambicionava. Campeonatos, taças e até uma prova europeia. É um dos únicos três heptacampeões (recorde em Portugal) em Portugal, a par de Ricardo Moreira, já retirado, e do guarda-redes Hugo Laurentino, que se mantém nos dragões. "É bom fazer parte da história", desabafa.
Portugal começou a ser pequeno para as rastas (tranças) de Gilberto Duarte. Seguiu-se então uma aventura no Wisla, da Polónia. Mas a experiência não foi um mar de rosas. A começar pela adaptação, que "foi um bocado complicada", apesar de ter contado com a ajuda de outro português (Tiago Rocha) e de mais um galego e de um brasileiro da equipa polaca na altura. Por isso, quando apareceu o Barcelona não pensou duas vezes. Mas não foi fácil sair do Wisla. Teve de "lidar com alguns problemas", relacionados com questões burocráticas entre clubes, mas "felizmente" tudo se resolveu e o lateral esquerdo acabou por se mudar para a Catalunha.
Em Barcelona também sentiu dificuldades em se adaptar, mas não à cultura. "Foi difícil adaptar-me à intensidade de jogo do Barça e da liga espanhola, que é muito forte, mas depois correu tudo às mil maravilhas", confessou o andebolista de 28 anos, que nesta época já festejou cinco troféus: Liga Catalã, Supertaça espanhola, SuperGlobe (mundial de clubes), Taça Asobal (uma espécie de Liga dos Campeões do andebol) e o campeonato espanhol: "Para mim foi muito bom sentir aquela sensação de voltar a conquistar um título nacional, acrescentar mais um troféu ao meu currículo e motivar-me ainda mais para novas conquistas."
Gilberto é o primeiro português a jogar no andebol dos blaugrana, que antes teve um luso-cubano (Alexis Borges). Hoje é um dos três portugueses a representar o Barcelona, juntamente com João Rodrigues, no hóquei em patins, e Nélson Semedo, no futebol. A cidade "é linda" e tem "muitas distrações", mas o ex-FC Porto mostra-se empenhado em jogar e vencer: "Temos tempo para tudo. Para trabalhar, para descansar e divertir-nos, mas é preciso não perder o foco no importante, que são os treinos e os jogos." Até porque lhe pagam para fazer o que gosta.
"O andebol fora de Portugal dá para viver, mas não garante futuro a ninguém", assegura Gilberto Duarte. "Não é como no futebol, que quando acabas uma carreira de topo tens a vida ganha. Dá margem para organizares a vida e te adaptares a um futuro diferente", refere, confessando que "o futuro é um pensamento constante", mas não faz ideia "do que vem a seguir", embora gostasse de continuar ligado ao andebol e retomar o curso de informática que interrompeu quando saiu de Portugal.
Cresceu a admirar Carlos Resende e Wilson Davyes e "foi muito bom" ter sido treinado por um e colega de equipa do outro. Hoje é internacional português e uma das principais figuras da seleção que há cerca de duas semanas conseguiu um triunfo histórico sobre a França no apuramento para o Euro 2020. "A seleção tem vivido sobre o lema do quase... mas temos de acabar com isso. A única solução é conseguirmos apurar-nos para um Europeu ou um Mundial e estamos a trabalhar para que isso aconteça. Pode ser já neste ano ou para o próximo, mas quando conseguirmos esse objetivo muita coisa irá mudar na modalidade." Pelo menos é nisso que acredita o andebolista do Barcelona.