Do já ao ainda
A circunstância crescente da desorganização dos interesses internacionais afeta seguramente a relação dos projetos individuais enfraquecida pela realidade que dificilmente virá a receber e respeitar projetos inovadores. É importante não consentir que tais intervenções impeçam a recuperação de esperança. É por isso que talvez mereçam a maior atenção, respeito, e até agradecimento os jovens investigadores que abordam os desafios mais contundentes.
Chamaram-me a atenção dois recentes livros que associam o saber dos jovens que os organizaram, não tendo uma necessária publicidade conhecida. É o caso relevante do trabalho de Helena R. Marques, jovem dedicada a uma das questões mais inquietantes da saúde pública que intitulou em livro recente, com a clareza de título "do já ao ainda" apenas ligado à saúde pública. É sobre a saga da doença de Alzheimer. A autora dedicou a sua vida a serviços na Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro, como coordenadora do serviço de Bolsas e Alojamento e nos Serviços Sociais da UTL. Para clarificar o tema que marcou a sua prestigiosa intervenção não esquece a citação de Santo Agostinho nas Confissões do Sec. IV e V. O texto é o seguinte: "Que é o esquecimento senão a privação da memória? E como é, então, que o esquecimento pode ser objeto da memória se, quando está presente não me posso recordar. Se nós retemos na memória aquilo de que nos lembramos, e se nos é impossível, ao ouvir a palavra esquecimento compreender o que ela significa, a não ser que dele nos lembremos, conclui-se que a memória retém o esquecimento. A presença do esquecimento faz com que não o esqueçamos; mas quando está presente, esquecemo-nos. Não se deverá concluir que o esquecimento, quando o recordamos, está presente na memória, não por si mesmo, mas por uma imagem sua? De facto, se ele estivesse presente por si mesmo faria com que não lembrássemos, mas o esquecêssemos. Quem poderá penetrar, quem poderá compreender o modo como isso se realiza? Eu, Senhor, cogito este problema, trabalho em mim mesmo, transformei-me numa terra de dificuldades e de suor copioso. Agora já não escalo as regiões do firmamento; não meço as distâncias dos astros; não procuro as leis do equilíbrio da terra; sou eu que me lembro, eu, o meu espírito. Não é de admirar que esteja longe de mim tudo o que não sou eu. Todavia, que há mais perto de mim do que eu mesmo? Oh nem sequer chego a compreender a força da minha memória, sem a qual eu nem poderia pronunciar meu próprio nome."
A bibliografia que utiliza é rica e valiosa, enfrentando o tema - cuidar da vida frágil em que a sua sagacidade e espetacularidade da intervenção são a maior conclusão para o seu trabalho. Não foi apenas no domínio da saúde pública que ganharam importância intervenções que atingem a assunção da memória de mais de um provinciano português. É por isso que escolho apenas nos textos que ainda me chegam, o excelente livro Fragas, homenagem a Miguel Torga nos 25 anos da sua morte, trabalho organizado pela Doutora Maria Assunção Anes Morais. Esta, natural de Chaves, realizou os estudos liceais na cidade flaviense, onde conheceu a obra de Miguel Torga, nos tempos da juventude. Atualmente é professora de português e de literatura portuguesa. Este trabalho de homenagem a Miguel Torga começa por me lembrar a intervenção de Guerra Junqueiro, um transmontano ilustre. Foi ele que certamente tendo presente a encosta selvagem, seca, deserta, e nua, à beira da estrada, escreveu dizendo "terra de pobres que de pobres são pobrezinhos". A jovem diretora da publicação é hoje Académica Correspondente da Academia Internacional da Cultura Portuguesa e tem várias obras publicadas. Esta homenagem a Miguel Torga, não por ser médico, mas pelo talento poético, dizendo com significado o seguinte: "o pouco que sou devo-o às Fragas. Foi a pisá-las que aprendi a conhecer a dureza do mundo. A inquietação da Terra vê-se nos Montes". O significado do livro em que se organiza o valor de Miguel Torga no pensamento, posto em evidência nos 25 anos da sua morte, tem muito que ver com a versão do seu patriotismo, o qual, nesta data, está atingido por uma situação anárquica internacional. Não sendo católico, dedicou uma espécie de memória que atinge o interesse nacional e que se traduziu na escolha da Fraga para sepultura ao lao de uma pequena planta que todos os anos renasce.