Do Euro 1984 ao Euro 2016. Como tudo é diferente

O estágio, as viagens e até a relação entre os jogadores é muito diferente. Assim como os salários que se praticavam na altura e agora
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Arranca hoje a operação Euro 2016, com a primeira fase do estágio de preparação para o sétimo Campeonato da Europa em que Portugal vai participar, o sexto de forma consecutiva. A seleção vai estrear--se em Saint-Étienne, com a Islândia, a 14 de junho, precisamente o dia em que se cumprirão 32 anos da estreia em fases finais desta competição, em Estrasburgo, com a Alemanha (0-0) no Euro 84. Desde então muita coisa mudou no futebol e, em particular, na forma de preparar e participar numa grande competição como esta.

Quando a partir das 14.30 os jogadores chegarem à Cidade do Futebol, o novíssimo centro de treinos da Federação Portuguesa de Futebol, para iniciar a preparação do Euro, abrir-se-á uma nova etapa para a seleção, com Fernando Santos a ter como meta a conquista do título europeu. Bem diferente daquilo que se passou em 1984, quando num domingo (19 de maio), às 15.00, os jogadores então convocados pelo selecionador Fernando Cabrita - líder de uma equipa técnica composta por mais quatro treinadores - chegaram à antiga sede da FPF na Praça da Alegria, em Lisboa. Ali mesmo realizou-se a primeira revisão médica feita pelo médico Camacho Vieira e só depois viajaram de autocarro para a Pousada de Palmela, para um estágio de 20 dias.

Hoje à tarde, os jogadores realizam os exames médicos na Cidade do Futebol, antes do primeiro treino agendado para as 17.30. Neste primeiro dia não estarão Pepe, Cristiano Ronaldo, Rafa Silva, Danilo Pereira, Bruno Alves, Nani, Ricardo Quaresma, Renato Sanches e Eliseu, uma vez que o selecionador decidiu dar cinco dias de descanso a cada jogador após o último jogo e alguns deles ainda têm compromissos nos próximos dias.

Há 32 anos, os jogadores do FC Porto foram autorizados a chegar dois dias depois, uma vez que nesse domingo tiveram de disputar a final da Taça de Portugal com o Rio Ave. Os dois primeiros dias de estágio foram de inspeções médicas - eletrocardiogramas e testes de esforço - no Centro de Educação Física da Armada do Alfeite, em Almada. Só ao terceiro dia começaram treinos com bola, com a seleção a viajar de Palmela para Setúbal para treinar no Bonfim. Boa parte desse primeiro dia de treino foi perdido em viagens, pois à tarde os jogadores tiveram de se deslocar a Lisboa para a prova dos fatos oficiais.

Atualmente, todas estas questões logísticas são resolvidas no centro de treinos, de onde os jogadores apenas terão necessidade de sair para o hotel, em Cascais. Ainda assim, na primeira semana, o selecionador decidiu aplicar um regime livre, em que após os treinos cada jogador vai para casa, uma medida que visa evitar a saturação de tantos dias de estágio, algo de que em 1984 os jogadores se queixaram. Eurico Gomes, um dos defesas centrais da equipa, chegou mesmo a afirmar ao DN que o estágio tinha sido "maçador".

Diferenças de relacionamento

Ao contrário do que se passa atualmente, em 84 o ambiente entre os convocados não era o melhor, uma vez que havia conflitos entre os oito futebolistas do Benfica (Bento, Nené, Chalana, Carlos Manuel, Veloso, Bastos Lopes, Álvaro e Diamantino) e os nove do FC Porto (Vermelhinho, Gomes, João Pinto, Lima Pereira, Eurico, Sousa, Frasco, Jaime Pacheco e Eduardo Luís) que formavam os dois grandes blocos da equipa das quinas, que mal se falavam. Agora, os craques são de 15 clubes diferentes, onze dos quais estrangeiros, e além disso são futebolistas já com muitos jogos nas seleções. Em termos comparativos, os 23 jogadores que compõem a atual seleção contabilizam 798 internacionalizações, enquanto os 20 futebolistas que estiveram no Euro 84 chegaram ao final das suas carreiras com 620 jogos pela equipa das quinas. Para se ter uma noção das diferenças, basta olhar para os números de jogos das estrelas destas a nível de seleção: Chalana fez 27 jogos com as quinas ao peito em toda a sua carreira, enquanto Cristiano Ronaldo já leva 125.

Uma das questões muito debatidas atualmente é o excesso de jogos com que os atletas chegam a estas grandes competições. No entanto, as diferenças não são assim tão significativas em relação ao que sucedia há 32 anos, pois os 23 convocados de Fernando Santos contabilizam uma média de 3314 minutos durante toda a época, que é pouco superior àquela que totalizavam os 20 eleitos de Fernando Cabrita: 3251 minutos. Curiosamente, Jaime Pacheco, com 4315 minutos realizados pelo FC Porto na época 1983-84, supera Cristiano Ronaldo nesta temporada no Real Madrid, que vai chegar aos 4263 minutos com a final da Liga dos Campeões.

Mas voltando às relações complicadas entre jogadores, na seleção de 1984 tiveram até reflexo nos números das camisolas, que foram atribuídas por sorteio, razão pela qual Chalana utilizou o número 4 quando era habitualmente o 10, Jordão foi o 3 em vez do 11, Nené usou o 2 quando costumava ser o 7 e Fernando Gomes tinha o 6 quando era reconhecido pela camisola 9. No Euro 2016 há a certeza de que Cristiano Ronaldo será o 7 e Nani usará o 17, por exemplo.

Os passatempos e os milhões

As maiores discrepâncias no futebol em 32 anos são ao nível financeiro. Muitos perguntarão: quanto ganharia Fernando Chalana nos dias de hoje? É uma questão difícil de responder, mas o então extremo do Benfica partiu para o Euro 84 com um salário de 350 contos (1745 euros) por mês, tendo-lhe a sua transferência para o Bordéus, após o Campeonato da Europa, valido um aumento para 5000 contos (24 940 euros). É ao compararmos com Cristiano Ronaldo na atualidade que constatamos o fosso abissal entre as estrelas de agora e de antigamente, pois o jogador do Real Madrid recebe qualquer coisa como 1,75 milhões de euros mensais.

Bem diferentes são ainda a forma como os atletas ocupam os tempos livres durante os estágios, pois as consolas de jogos, os tablets, computadores e os leitores de música portáteis ocuparam o lugar dos jogos de cartas ou da televisão assistida em grupo. Em termos físicos, a equipa atual é em média mais alta (1,81 m contra 1,77 m) e mais pesada (76 kg contra 72 kg), sendo a média de idades similar (28 anos).

O centro de estágio e os voos

A seleção portuguesa vai partir para Paris no dia 9 de junho, cinco dias antes do primeiro jogo, depois de realizar três jogos particulares - Noruega (Dragão), Inglaterra (Wembley) e Estónia (Luz) -, enquanto em 1984 a comitiva nacional viajou para Estrasburgo, via Luxemburgo, onde realizou o último de dois jogos de preparação, quatro dias antes do jogo de estreia com a Alemanha.

Aqui reside uma das grandes diferenças em relação àquilo que será a presença de Portugal em terras francesas. Há 32 anos, a equipa das quinas não ficou instalada num centro de estágio durante o torneio, pois no dia após cada jogo viajou para as cidades onde se disputava a partida seguinte. Houve inclusive um incidente antes da meia-final com a França, pois a seleção tinha marcado hotel para Marselha, mas foi informada na véspera da viagem - feita em aviões pequenos e antigos de uma hélice - de que a França já estava instalada naquela unidade hoteleira, forçando a equipa das quinas a mudar-se para Aix-en-Provence, a 25 quilómetros de Marselha, com os jogadores a serem obrigados, na antevéspera da meia-final, a ir ao Estádio Velódromo fazer banhos e massagens.

Esse não será um problema com que Fernando Santos terá de lidar, pois a comitiva ficará instalada no centro de treinos da seleção francesa de râguebi, em Marcoussis, arredores de Paris, onde terá todas as condições necessárias para a preparação da equipa.

As viagens serão feitas de avião na véspera para as cidades onde se realizam os jogos - exceção feita ao de Paris com a Áustria. O contacto com os emigrantes portugueses será escasso, uma vez que o centro de estágio é numa zona recatada, que terá segurança reforçada. Em 1984, tudo era diferente. Não havia preocupações com a segurança e os jogadores tinham bastante contacto com os emigrantes, uma vez que após o almoço havia até futebolistas que iam tomar café com os adeptos portugueses.

Resta saber em termos desportivos: em 84 a seleção atingiu as meias-finais, onde perdeu com a França (3-2). E a atual, poderá voltar campeã da Europa?

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