Do enésimo duelo Guardiola-Mourinho pode sair o campeão
É, desde o princípio, um duelo de estilos - entre o futebol técnico, de constante posse e troca de bola (de um) e a abordagem mais incisiva e pragmática (de outro). Porém, hoje, o enésimo duelo entre Pep Guardiola e José Mourinho será mais do que isso: do dérbi de Manchester, City vs. United, no estádio Etihad (17.30, Sport TV3), pode sair o novo campeão da Premier League.
Nunca houve, provavelmente, um encontro entre Guardiola e Mourinho com uma carga dramática tão distinta do que está em jogo. Hoje, o Manchester City, líder destacado da Premier League (84 pontos, contra 68 do Man. United, a sete jornadas do final), pode festejar o quinto título inglês da sua história, em caso de vitória diante do arquirrival citadino. Mas, com o campeonato quase resolvido e o dérbi entalado entre os dois jogos dos citizens com o Liverpool para a Liga dos Campeões (o City perdeu na quarta-feira por 3-0 e a 2.ª mão é já na terça-feira, 10), a partida está longe da tensão de outrora.
A pensar na Champions, até devido à pesada derrota que vai obrigar a virar um resultado desfavorável de 3-0, Pep Guardiola deverá poupar vários habituais titulares. "Sei o que significaria, para os adeptos, ser campeão diante do Manchester United: seria muito especial, como o Barça ganhar um título em Madrid ou o Real consegui-lo em Barcelona. Nós estamos mais próximos do que nunca. Contudo, se não o conseguirmos, ainda teremos mais seis oportunidades", desdramatizou o treinador catalão.
Mourinho há muito entregou as faixas. "Há um clube que é praticamente impossível de perseguir", disse o português há uns meses - garantindo que, "em qualquer das outras grandes ligas", os red devils ainda estariam a lutar pelo título.
Neste caso, apenas lutam por conservar o 2.º lugar, perante a concorrência de Liverpool (66 pontos e mais um jogo disputado) e Tottenham (64). No entanto, tentam evitar a humilhação de assistir à consagração do arquirrival: o Manchester City, do português Bernardo Silva, pode mesmo tornar-se o mais precoce campeão de sempre na Premier League (ultrapassando o Man. United de 2000-01, que celebrou a cinco jornadas do final).
Rivalidade criada em Espanha
Essa é a história dentro da história do 21.º duelo entre Guardiola e Mourinho (até aqui, com nove vitórias do primeiro, quatro do segundo e sete empates): o catalão poderá ganhar ao português a corrida pelo título. Chegados a Manchester ao mesmo tempo (verão de 2016), para tentarem devolver citizens e red devils às conquistas, ambos trouxeram consigo a mais famosa rivalidade entre técnicos do futebol contemporâneo.
Tudo começou na temporada 2009-10, quando um Inter de Milão mais cínico e pragmático (à imagem de José Mourinho) afastou o Barcelona do tiki-taka (com assinatura de Pep Guardiola), nas meias-finais da Liga dos Campeões, impedindo a revalidação do título europeu pelos catalães. E ganhou muito maior intensidade quando os dois coabitaram na liga espanhola, nas épocas de 2010-11 e 2011-12 - com o português ao leme do Real Madrid.
Com a carga emotiva dos clássicos entre catalães e madrilenos (dois clubes tão distintos em filosofias como as regiões que representam), os choques entre os dois treinadores tornaram-se constantes - com ponto alto naquele período de 18 dias, em que se defrontaram quatro vezes para três competições diferentes (Liga, Taça e duas mãos das meias-finais da Liga dos Campeões, de 16 de abril a 3 de maio de 2011). "Gostava que um dia, Guardiola ganhasse uma competição da forma correta", chegou a dizer Mourinho, queixando-se do alegado favorecimento do Barça pelos árbitros. "Nas conferências de imprensa, [Mourinho] é el put* jefe, que sabe mais do que todos os outros. Ganha sempre fora de campo: deviam dar-lhe uma Liga dos Campeões por isso...", ironizou então o treinador blaugrana.
(Alguma) acalmia em Inglaterra
Os ares de Manchester acalmaram a rivalidade - que ainda teve um breve capítulo após os técnicos deixarem Espanha (a Supertaça Europeia que o Bayern Munique, de Pep, ganhou ao Chelsea). Mourinho e Guardiola conseguiram passar a primeira época como vizinhos sem qualquer fricção pública - também ajudados pelo facto de United e City estarem bastante afastados da luta pelo título (conquistado pelo Chelsea) e só se terem encontrado numa fase precoce da Taça da Liga.
Esta época, as coisas não têm sido tão pacíficas - mesmo sem o tom inflamado dos tempos da liga espanhola. O dérbi da primeira volta (vitória dos citizens em Old Trafford, por 1-2) acabou com treinadores e jogadores do Man. United e do Man. City pegados no túnel de acesso aos balneários: tudo terá começado com uma troca de insultos entre Mourinho e Ederson, antigo guarda-redes do Benfica. E, antes da reabertura do mercado de transferências, Mourinho veio queixar-se da forma como o City inflacionava os preços ao "comprar laterais pelos preços de avançados".
Os milhões gastos em transferências são, precisamente, o último ingrediente do confronto entre City e United (ou Guardiola e Mourinho), na luta pela coroa do futebol inglês. Desde o verão de 2016, os dois clubes de Manchester gastaram cerca de 880 milhões de euros em contratações - com a maior fatia da despesa a caber aos citizens.
Guardiola investiu 530 milhões de euros (316 só esta temporada), para reforçar o City com figuras como Leroy Sané (50), John Stones (55), Bernardo Silva (50), Kyle Walker (51), Benjamin Mendy (57,5) e Aymeric Laporte (65) - tendo como primeiro retorno a conquista da Taça da Liga, já em 2017-18. Mourinho apostou 350 milhões (165 esta época), para juntar ao United os nomes de Paul Pogba (105), Romelu Lukaku (85) e Nemanja Matic (45), entre outros - e ergueu a Supertaça inglesa, a Taça da Liga e a Liga Europa de 2016-17.
Agora, o investimento milionário dos citizens está prestes a dar novos frutos: o terceiro título da Premier League desde que o Abu Dhabi United Group, do xeque Mansour bin Zayed Al Nahyan, tomou conta do clube, em 2008 (os outros foram em 2012 e 2014). É nessa festa que poderá terminar o enésimo duelo entre Guardiola e Mourinho.