DIZ QUE É UMA ESPÉCIE DE POLÍTICA
O cartaz é uma cópia, mas ao contrário. O outro diz "boa viagem", o deles diz "bem vindos". No dos outros o avião está a partir, no deles o avião está a chegar. "Basta de imigração", dizem os outros; "Mais imigração", dizem eles. "Nacionalismo é a solução", dizem os outros. Eles respondem: "Nacionalismo é parvoíce".
Os outros são os do PNR, o Partido Nacional Renovador que quer "Portugal para os portugueses" e dá loas a Salazar ; eles são os quatro Gato Fedorento, que vivem de fazer humor, e garantem: "Com portugueses não vamos lá". O cartaz dos Gato, feito a expensas dos quatro, foi colocado na quarta-feira ao fim da tarde exactamente ao lado do cartaz do PNR, no centro de Lisboa.
O gesto, inédito em Portugal e talvez no mundo, inaugura qualquer coisa que não se sabe bem o que é. Quando um grupo de humoristas, habitualmente pagos para fazer o que sabem fazer (pouco dos outros) paga do seu bolso para fazer pouco de um cartaz de um partido, isso é o quê?
O gato Ricardo Araújo Pereira diz que o cartaz é "a posição deles como cidadãos". Recusa, no entanto, estar a "fazer política", frisando: "é um acto humorístico". E se admite poder ser lido como um gesto político, sê-lo-á, sublinha, como muitos outros gestos.
Se a política é uma coisa que se come todos os dias, como diz a frase feita, todos os gestos são políticos, etc, etc. Mas toda a gente sabe que (para usar outra frase feita) há gestos mais políticos que outros, e o cartaz dos Gato, por mais graça que tenha - e tem, mas pilhas de graça, dentro do género cómico involuntário, tem também o do PNR - é definitivamente um desses. E dos mais explosivos de que há memória.
O que os Gato estão a dizer, com o seu cartaz, é que o PNR e a sua mensagem são para gozar. E que a liberdade de expressão que o PNR reclama para poder insultar os imigrantes e exaltar o nacionalismo, os Gato reclamam para apoucar o PNR e afrontar os nacionalistas.
O que os Gato estão a dizer é que a forma certa de lidar com a extrema-direita é compará-la a um bando de comediantes - eles próprios, no caso. Podem estar certos e podem estar errados. Mas estão decerto, mesmo que a Câmara de Lisboa exija a retirada do cartaz por não o considerar propaganda política, a gozar connosco quando dizem que não é isso mesmo que estão a fazer.