Discurso de ministro holandês é "repugnante", diz Costa
O primeiro-ministro, António Costa, qualificou esta quinta-feira de "repugnante" e contrária ao espírito da União Europeia (UE) uma declaração do ministro das Finanças holandês pedindo que Espanha seja investigada por não ter capacidade orçamental para fazer face à pandemia.
"Esse discurso é repugnante no quadro de uma União Europeia. E a expressão é mesmo essa. Repugnante", disse António Costa quando questionado sobre a declaração do ministro das Finanças holandês, Wopke Hoekstra, na conferência de imprensa que se seguiu ao Conselho Europeu extraordinário desta quinta-feira. Uma reunião que durou cerca de seis horas.
Hoekstra afirmou, numa videoconferência com homólogos dos 27, que a Comissão Europeia devia investigar países, como Espanha, que afirmam não ter margem orçamental para lidar com os efeitos da crise provocada pelo novo coronavírus, apesar de a zona euro estar a crescer há sete anos consecutivos, segundo fontes europeias citadas na imprensa europeia.
Para o primeiro-ministro, a afirmação do ministro holandês "é uma absoluta inconsciência" e uma "mesquinhez recorrente" que "mina completamente aquilo que é o espírito da UE e que é uma ameaça ao futuro da UE".
"Se a União Europeia [UE] quer sobreviver é inaceitável que qualquer responsável político, seja de que país for, possa dar um resposta dessa natureza perante uma pandemia como aquela que estamos a viver", indignou-se António Costa.
"Se não nos respeitamos uns aos outros e se não compreendemos que, perante um desafio comum, temos de ter capacidade de responder em comum, então ninguém percebeu nada do que é a União Europeia", frisou.
O primeiro-ministro considerou ser "boa altura" de todos na União "compreenderem que não foi a Espanha que criou o vírus" ou "que importou o vírus", salientando que "se algum país da UE pensa que resolve o problema do vírus deixando o vírus à solta noutro país, está muito enganado".
"Porque numa União Europeia que assenta na liberdade de circulação, de pessoas e bens, em fronteiras abertas, o vírus não conhece fronteiras", afirmou.
Refira-se que na reunião do Conselho Europeu as divergências também se fizeram notar em relação à emissão dos chamados coronabonds. Uma solução para combater a crise económica decorrente da pandemia de covid-19 defendida por um grupo de líderes europeus, entre os quais António Costa, Emmanuel Macron (França) ou Pedro Sánchez (Espanha), que manifestaram-se favoráveis à emissão de coronabonds numa carta enviada ao presidente do Conselho Europeu, Charles Michel.
Holanda e Alemanha, no entanto, estão entre os países que se manifestaram contra a emissão dos coronabonds, que agrupariam a dívida dos 19 países da zona do euro em resposta à crise do novo coronavírus.
Após a reunião do Conselho Europeu, a chanceler alemã, Angela Merkel, fez saber que rejeitou a proposta apoiada por países como França, Itália e Portugal. Afirmou que prefere o atual Mecanismo Europeu de Estabilidade (ESM).
A discussão sobre esta matéria ficou em "aberto", disse António Costa.
O primeiro-ministro aludiu à carta que subscreveu, com oito outros líderes europeus, dirigida ao presidente do Conselho Europeu, Charles Michel, reclamando a implementação de um instrumento europeu comum de emissão de dívida para enfrentar a crise provocada pela covid-19, para afirmar que "dos 9 [Estados-membros] que ontem [quarta-feira] defenderam" uma tal emissão, "hoje houve mais quatro que se juntaram, quatro que se opuseram abertamente e outros não tomaram posição".
António Costa precisou que, "em boa verdade", os quatro que se opuseram são "três totalmente contra" e "um que, sendo contra, tem abertura de espírito para discutir o que anteriormente nunca esteve disponível para discutir".
"É uma porta que se abre, dá algum alento", afirmou, recusando contudo identificar qualquer um dos Estados-membros a que se referia.
O primeiro-ministro sublinhou por diversas vezes que a emissão de coronabonds é fundamental e está prevista nos tratados e advertiu que "a Europa não pode ficar aquém do que os cidadãos pedem da Europa".
"É difícil imaginar uma situação mais extraordinária que atinja de forma tão global os Estados-membros e por uma razão absolutamente estranha", afirmou.
"A Europa precisa de muito mais que do que um denominador comum", frisou, referindo-se ao resultado do Conselho Europeu nesta matéria.
De acordo com várias fontes diplomáticas, o chefe de Governo de Itália, Giuseppe Conte, reclamou durante o Conselho Europeu realizado por videoconferência que a União Europeia encontrasse uma resposta comum adequada à pandemia de covid-19 no prazo de 10 dias.
O primeiro-ministro do país europeu mais afetado pela pandemia -- Itália contabiliza mais de 8 mil mortos -- ter-se-á manifestado muito descontente com a "resposta" contida no primeiro esboço de declaração do Conselho Europeu, tendo mesmo recusado assiná-la, por não conter instrumentos financeiros verdadeiramente "adaptados a uma guerra", segundo adiantaram vários órgãos de informação, citando fontes governamentais italianas.
Questionado se ficou satisfeito com as decisões na reunião do Conselho Europeu, Costa afirmou que a resposta é insuficiente, tendo em conta o que o mundo está a enfrentar.
"Foi um acordo possível, mas manifestamente insuficiente para aquilo que é exigível da Europa", afirmou, referindo-se a uma crise sem precedentes decorrente da pandemia de covid-19.
"Já vimos a Europa não conseguir dar resposta cabal a uma crise como as migrações [...]. Vimos bem como a Europa teve dificuldade em responder à crise de 2008 [...] Com uma crise muitíssimo superior, se nos mantemos nas mesmas posições, a Europa sofrerá muitíssimo com esse tsunami", insistiu.
O primeiro-ministro destacou, no entanto, a decisão de lançar um programa de recuperação da economia europeia para o pós-crise de covid-19 e de mobilizar uma linha de financiamento de 240 mil milhões de euros.
Na sua declaração inicial, o primeiro-ministro disse que nesta "longuíssima" reunião do Conselho Europeu foram tomadas duas decisões que caracterizou como "importantes", a primeira das quais referente ao "mandato que foi atribuído para que o Eurogrupo, no prazo de duas semanas, apresente ao Conselho Europeu as condições da mobilização de uma linha do Instrumento de Estabilidade Europeia, no montante global de 240 mil milhões de euros, para financiar os Estados-membros no combate à crise provocada pelo surto do novo coronavírus".
Segundo o primeiro-ministro, cada Estado-membro "pode levantar até ao limite de 2% do seu Produto Interno Bruto (PIB)", servindo essa linha "para apoiar os investimentos necessários na área da saúde, designadamente para a aquisição de equipamentos, mas também para financiar medidas de apoio ao emprego, ao rendimento e à estabilização das empresas".
A segunda decisão "importante" tomada neste Conselho Europeu, de acordo com o líder do executivo, foi a de mandatar os presidentes da Comissão, Ursula von der Leyen, e do Conselho, Charles Michel, em articulação com as outras instituições europeias, "tendo em vista começar a preparar um programa de recuperação da economia europeia para o período pós-crise".
"Ninguém sabe ainda qual o momento zero do período pós-crise, mas é preciso começar a preparar o futuro para que, assim que a pandemia esteja controlada, possamos ir levantando as medidas de confinamento domiciliário e de paralisação da atividade económica, não se perdendo tempo no relançamento da economia", frisou o primeiro-ministro.
Ainda no que se refere às consequências económicas e sociais da crise sanitária provocada pelo novo coronavírus, António Costa salientou quer se vive atualmente uma situação de "paralisia generalizada à escala europeia, com uma forte pressão sobre o emprego e sobre o rendimento das famílias".
"Temos procurado agir coordenadamente. Tal como hoje o Governo fez ao aprovar um conjunto de medidas para apoiar as empresas, o emprego e o rendimento das famílias, todos temos procurado agir de uma forma coordenada à escala europeia", referiu.
Neste contexto, o líder do executivo português elogiou "a ação determinada do Banco Central Europeu (BCE) de forma a controlar o risco de qualquer crise de dívida soberana".
"Depois de um movimento inicial de especulação sobre o valor das dívidas, tem vindo a registar-se uma acalmia dos mercados e uma descida acentuada da taxa de juro, ainda não para os valores normais que tínhamos no momento pré-crise, mas uma boa tendência de descida que é essencial que se mantenha", defendeu.
António Costa apontou como bons exemplos a intervenção do BCE, primeiro com o anúncio da mobilização de 750 mil milhões de euros para intervenção no mercado e, na quarta-feira, ao retirar qualquer restrição na aquisição das linhas de dívida dos diferentes países.
"Foi o contributo até agora mais importante no conjunto da União Europeia", sustentou.
Outros contributos "também importantes", na perspetiva de António Costa, foram as decisões de flexibilizar as regras do Pacto de Estabilidade e as da concorrência que proíbem ajudas de Estado.
Por esta via, de acordo com o primeiro-ministro, Portugal já pôde dar "ajudas de Estado que permitiram baixar a taxa de juro dos três mil milhões de euros de linhas de crédito que esta semana estão a ser abertas para apoiar um conjunto de setores económicos mais atingidos pela crise".
Das decisões deste Conselho Europeu, António Costa destacou ainda "a criação de uma 'task force' para acelerar o processo de repatriamento de cidadãos europeus dispersos pelo mundo".
"Nós já conseguimos assegurar o repatriamento de cerca de 640 portugueses que estavam espalhados um pouco por todo o sítio. Neste momento, estimamos que temos cerca de três mil ainda no estrangeiro, muitos deles dispersos", disse.
Ficou também decidido na reunião do Conselho Europeu prolongar as medidas para "limitar ao máximo" a circulação "nas fronteiras externas da União Europeia".
Os chefes de Estado e de Governo da União Europeia, segundo António Costa, decidiram também apelar à Comissão "para que acelere todos os procedimentos de compra do equipamento médico e do material de proteção individual", e reforce o orçamento "para a constituição de um 'stock' de reserva ao nível europeu" destes equipamentos.
"Houve uma avaliação positiva da mobilização de verbas para apoiar os 17 projetos que estão neste momento em curso na área da investigação científica, designadamente para o desenvolvimento de vacinas de combate ao coronavírus. São 17 projetos à escala europeia - uma empresa portuguesa tem uma participação num desses projetos - e é obviamente algo muito importante para o médio prazo", acrescentou o primeiro-ministro.
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