O Parlamento aprova nesta sexta-feira, na generalidade, uma proposta de Lei de Programação Militar (LPM) que deixou à vista umas Forças Armadas pouco interessadas em encontrar soluções comuns e que, mesmo em valores simbólicos, reduzissem o valor final da fatura a pagar..O diploma traduz um investimento de 4,7 mil milhões de euros na modernização das Forças Armadas ao longo de 12 anos e conta com o voto favorável do PS, o voto contra do BE e as abstenções do PSD, do CDS e do PCP - que, pela primeira vez desde que há memória, não chumba a proposta de LPM e foi o único partido a declarar a sua posição durante o debate parlamentar de quarta-feira..Para o ministro João Gomes Cravinho, com esta LPM põe-se ponto final num "longo ciclo de depauperamento progressivo das Forças Armadas" - agravado com a crise financeira do início desta década - e que "permite ter um impacto transformativo" na instituição militar, bem como "efeitos multiplicadores na economia"..Mas da esquerda à direita e com exceção do PS, que mesmo assim afirmou ter grande disponibilidade para melhorar a proposta na especialidade e a quem o governo não respondeu se também tinha essa vontade, os partidos revelaram-se críticos da incapacidade dos chefes militares da Marinha, do Exército e da Força Aérea em juntarem esforços na compra de programas conjuntos..PSD, BE, CDS e PCP - que, através do deputado Jorge Machado, pareceu falar por todos ao assumir "a sensação de que cada ramo faz o que quer" - perguntaram aos chefes militares se não era possível consensualizarem projetos comuns em áreas como a ciberdefesa, os drones ou até a arma ligeira para substituir a velha G3..João Rebelo (CDS) acrescentou, numa das audições, que agir em conjunto "não é só operar" os meios no terreno" mas também "a compra" dos sistemas de armas, de que "é exemplo" a nova espingarda de assalto (só para o Exército). Esse programa "devia ter sido pensado" num "pacote comum" para as Forças Armadas, frisou o deputado centrista, constatando ainda que, no caso dos drones, "todos os ramos têm o seu programa e parceiros". Donde, "não se devia pensar num conjunto?".Este caso da substituição da G3 tornou-se conhecido dos deputados da comissão de Defesa ao ouvirem o almirante Mendes Calado declarar que a Marinha desistira de ter uma arma nova (com calibre-padrão da NATO) para os fuzileiros, optando por modernizar uma arma considerada tecnologicamente obsoleta há anos apesar da sua utilidade - e quando está quase a terminar o concurso de novas espingardas de assalto e metralhadoras para o Exército..Ao ser questionado sobre isso, o general Nunes da Fonseca disse que a compra das novas armas ligeiras "é uma opção que nem sequer foi trabalhada a nível conjunto" com os outros ramos - em particular a Marinha, por ter batalhões de forças especiais (fuzileiros) equipados com G3 e quando o seu Destacamento de Ações Especiais (DAE) tem HK G36 e vai receber espingardas de assalto HK 416A5 (a exemplo dos rangers de Lamego e que está a concurso para equipar paraquedistas e comandos).."Não há comando político informado".As audições públicas no Parlamento, que deram continuidade à decisão tomada na legislatura anterior de abrir as reuniões da comissão parlamentar de Defesa, "deixaram à vista as divisões dos chefes militares e as suas dificuldades em obter consensos" sobre áreas comuns, comentou ao DN o tenente-coronel paraquedista Miguel Machado (na reforma), responsável pelo jornal digital especializado Operacional.."Transparência é dizer quais as opções" para cada ramo e "não esgrimir publicamente argumentos e suscitar dúvidas que deveriam ser tratadas com o ministro" da Defesa ou com o chefe do Estado-Maior-General das Forças Armadas (CEMGFA), que deixou de ser um chefe interpares e cuja audição está a ser aguardada com grande expectativa por várias fontes ouvidas pelo DN..Note-se que, segundo a agenda da comissão de Defesa para a próxima semana, o CEMGFA pediu para ser ouvido à porta fechada sobre a LPM e os deputados terão de decidir se aceitam ou mantêm a regra de audições à porta aberta (com a salvaguarda de a fechar nos momentos em que forem abordadas matérias classificadas, como já sucedeu em casos anteriores).."É mais uma prova de que não há comando político informado", prosseguiu Miguel Machado - embora, dadas as críticas dos partidos e quando o Parlamento é soberano na aprovação da LPM, este especialista admita que essa situação venha a mudar durante a discussão do diploma na especialidade..A título de exemplo, Machado citou o caso da arma ligeira: "Um [o Exército] manda comprar, outro [Marinha] manda modernizar, o outro [Força Aérea] fica calado... há uma aparente falta de coordenação política no que respeita às Forças Armadas", lamentou ainda o tenente-coronel Miguel Machado..Outro fator de estranheza, nomeadamente para o PCP, foi ouvir chefes militares invocarem argumentos políticos e não militares - como a promoção da indústria nacional e das exportações - para justificar a aquisição de sistemas de armas que visam equipar as Forças Armadas para o combate e, quando possível, apoiarem as autoridades e as entidades civis (Proteção Civil, Autoridade Marítima Nacional, Autoridade Aeronáutica Nacional, serviços de busca e salvamento, autarquias)..Isso foi particularmente visível - e insuficiente para convencer a maioria dos deputados - no programa do navio polivalente logístico (NPL), no valor de 300 milhões de euros. O PSD, cujo governo revitalizou os estaleiros navais de Viana, perguntou claramente ao chefe da Marinha se esse navio "será mesmo uma prioridade", quando a sua compra está prevista há quase 30 anos..Bruno Vitorino (PSD) questionou ainda o valor destinado ao NPL, dada a disparidade de custos - três vezes mais - face ao navio francês que o país equacionou comprar há poucos anos. "Já há condições" para o país investir 300 milhões no NPL, perguntou o mesmo deputado, antes de Jorge Machado lembrar que 300 milhões correspondem ao investimento na construção dos seis navios de patrulha oceânica - ou João Rebelo (CDS), sabendo que novas fragatas envolvem "verbas colossais", perguntar a Mendes Calado "quanto custa uma [das] fragatas de nova geração" que a Marinha já se propõe adquirir nos anos 2030..Tutela só gere programas comuns.A verdade é que o NPL é um exemplo de programa conjunto para servir os três ramos militares, pois destina-se a transportar militares e material logístico do Exército e da Força Aérea ou como ponto de apoio para os helicópteros do ramo aeronáutico..O próprio general Nunes da Fonseca defendeu a aquisição do NPL, argumentando que a sua existência evitaria as semanas de espera que aconteceram recentemente para colocar seis viaturas blindadas Pandur na República Centro-Africana..Esse transporte das Pandur, num avião de carga da ONU igual aos que a NATO aluga no quadro da chamada Solução Internacional de Transporte Aéreo Estratégico (SALIS), "careceu de processos de autorização e contratação que demoraram um mês [mas] com um NPL, porventura, quero acreditar que num espaço de dias estariam na RCA", defendeu Nunes da Fonseca - ficando por saber como e quanto tempo demoraria garantir a sua passagem por via terrestre através dos Camarões (ou outro país da região)..Mas a natureza conjunta do NPL justificou colocar a sua aquição na rubrica dos serviços centrais do Ministério da Defesa, a exemplo do futuro avião de transporte estratégico - e é a tutela que está a gerir a compra de pelo menos cinco aeronaves com a Embraer. O negócio está num impasse e o chefe da Força Aérea disse estar a equacionar-se outras soluções, face às novas exigências financeiras do fabricante brasileiro..Mas o general Manuel Rolo admitir que o Hércules C-130J é uma solução possível contraria o que se afirmou em meados dos anos 2000, aquando da substituição da frota dos Aviocar: a nova aeronave de transporte tático condicionaria a opção pelo sucessor do C-130 - e ter agora o C-130J implicava ter-se comprado o C-27J Spartan, em vez do C-295 (associado ao A400M)..As verbas afetas ao ministério correspondem a 1,8 mil milhões de euros no conjunto dos 12 anos. Nesse período, o montante destinado ao Estado-Maior-General é de 121 milhões de euros para os três quadriénios, enquanto os programas específicos da Marinha correspondem a 1,1 mil milhões de euros, os do Exército a 762,5 milhões e os da Força Aérea a 838,4 milhões..No caso dos programas destinados a cada ramo, a sua responsabilidade é cedida aos respetivos chefes de Estado-Maior, ficando o Ministério da Defesa às escuras sobre o que vai acontecendo, criticaram fontes políticas ouvidas pelo DN, dado ser mais um exemplo de como o poder político fica sem capacidade de intervir em muitos processos negociais de milhões.."Os valores destinados a cada programa não são dos ramos", argumentou uma das fontes, sob anonimato para falar à vontade sobre o assunto..É talvez por isso que cada ramo contabiliza a fatia que lhe cabe do bolo e toma posições em função disso, como foi o caso do Exército ao votar contra o documento em Conselho de Chefes de Estado-Maior - quando, como têm dito fontes políticas, o que está em causa é, primeiro, saber que capacidades são necessárias para as Forças Armadas cumprirem as missões e, depois, afetar as verbas em função disso e da respetiva prioridade de aquisição - e não dos interesses particulares de cada ramo.