Dinis tem uma bolsa escolar mas nunca lhe chegou para as despesas. É só um de muitos casos

"92% dos custos do ensino superior são suportados pelas famílias", afirmou o doutorando do ISCTE-IUL, Pedro Barrias, durante a Convenção Nacional do Ensino Superior 2030, esta segunda-feira.
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"Eu estou aqui [no ISCTE] a usar as minhas poupanças, porque quero muito isto. Quero ter um curso superior que me abra as portas do mercado de trabalho, nem que acabe sem dinheiro nenhum depois". Dinis termina a frase e sorri para dar as boas-vindas a mais uma pessoa que chega ao auditório do ISCTE - Instituto Universitário de Lisboa. Dentro da sala discute-se o estado da ação social no ensino superior. À porta, Dinis recebe e orienta quem chega à Convenção Nacional do Ensino Superior 2030 - trabalha na universidade onde está a tirar o seu mestrado a troco de uma diminuição no preço da sua propina.

Paga por mês 560€ no ISCTE Business School. Recebe 110€ de bolsa de ação social, valor estipulado já enquanto fazia a licenciatura em Coimbra. Sabia desde o primeiro minuto que o apoio que receberia nunca poderia fazer face às despesas, mas o sonho de estudar numa das mais prestigiadas escolas do mundo falou mais alto.

A insuficiência nos apoios não são de agora. Se agora está numa instituição privada, o que à partida implica um maior esforço financeiro, Dinis recorda que já no 1.º ciclo do ensino superior, em Coimbra, a propina cobrada eram 106€, mas gastava mais cerca de 300€ por mês entre alojamento na cidade universitária onde se licenciou, alimentação, transportes e outras coisas pontuais.

Se de Coimbra para Lisboa a bolsa manteve-se, as despesas não. Aumentaram. Paga mais de propina, mais de alojamento e gasta mais em comida. Embora tenha "tido a sorte de conseguir ficar na residência" onde não paga a totalidade da renda, o dinheiro - que vem dos pais e que amealhou ao longo dos anos - não chega para tudo. "Tento não ir a casa para não gastar dinheiro", confessa.

"Os meus pais ajudam-me o máximo que podem, mas mesmo assim não chega. Estou a gastar as poupanças que tinha de há muito tempo. E estou realmente a contar conseguir entrar no mercado de trabalho assim que acabar o mestrado. É muita pressão".

Mais bolsas ou melhores bolsas?

Para lá da porta que Dinis guarda, Pedro Barrias, doutorando do ISCTE-IUL, que apresenta um painel sobre "Ação Social no Ensino Superior" afirma que "92% dos custos do ensino superior são suportados pelas famílias" e lança a questão aos oradores: mais bolsas ou bolsas com maior valor?

É unânime entre os convidados que todos os estudantes que precisem devem ter bolsas de ação social. "É importante garantir que ninguém fica de fora por razões económicas", disse a deputada do CDS Ana Rita Bessa, mas a frase poderia ter vindo de qualquer pessoa dentro da sala.

A necessidade de aumentar o número de bolsas foi um dos temas centrais da convenção, embora tenha subido em "24% o número de bolsas de ação social escolar" nos últimos três anos, segundo o ministro da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior. Em 2018 houve quase 80 mil bolsas, quando em 2015 eram cerca de 64 mil, disse Manuel Heitor, que defendeu ainda à margem da conferência o fim das propinas no prazo de uma década. Proposta que mereceu o acordo do Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, na sessão de encerramento da convenção.

Já o Administrador dos Serviços de Ação Social da Universidade de Lisboa, Carlos Dá Mesquita, foi uma das vozes que se pronunciou a favor de melhores bolsas. "Temos de repensar as bolsas ação social e pensar em todas as despesas do estudantes. Se calhar os estudantes precisam de dinheiro para conviver com os outros estudantes, para o material escolar, para as refeições, para o alojamento... O somar disto tudo é que deveria dar o valor da bolsa".

"O Estado falha quando há estudantes a dormir nos carros, falha quando há estudantes a dormir na rua. A ação social tem de servir para dar um ensino superior mais digno aos estudantes. Um terço de estudantes deslocados no ensino superior não é um nicho", continuo o Presidente da Federação Académica do Porto, João Pedro Videira, indignado com a falta de verba no Orçamento do Estado de 2019 para alojamento dos alunos.

Bolsas de ação social financiadas pelo Orçamento do Estado

Quanto à origem do financiamento das bolsas de ação social no ensino superior, Governo, partidos e estudantes defenderam que este deveria estar contemplado no Orçamento do Estado e não ser proveniente de fundos comunitários. "Os apoios sociais, por princípio, não devem ser financiados por fundo comunitários. Mas é uma questão de princípio, que pode ter exceções", afirmou o secretário de Estado do Emprego, Miguel Cabrita.

Já antes, João Pedro Videira tinha pedido a inversão da "dependência extrema do Fundo Social Europeu" e Ana Rita Bessa tinha dito que "era desejável que se fosse internalizando no Orçamento do Estado, o pagamento das bolsas". Os fundos comunitários, para a deputada centrista, deveriam ser usados como investimento em infraestruturas.

Quanto à possibilidade de empréstimos como forma de financiamento, esta foi rejeitada para o primeiro ciclo de estudos, sendo apenas admissível, para o painel, nos 2.º e 3.º ciclos de estudos.

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