Dinheiro, viagens, televisões, jantares e convites pagavam corrupção no Fisco

Quadros das Finanças são suspeitos de eliminar dívidas fiscais, fornecer informação confidencial, cessar atividades e até apressar processos de levantamento de penhoras
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A dívida de 2,5 milhões de euros à Caixa Geral de Depósitos transtornava o casal, que procurou os conselhos de um advogado para tentar resolver a situação, já que lhe tinha sido instaurado um processo de execução fiscal. Depois de algumas reuniões, ficou combinado que o casal pagaria 25 mil euros, dos quais seriam retirados 2500 para pagar a dois funcionários das finanças, que tratariam de apagar a dívida do sistema por "prescrição". Esta é uma das situações relatadas pelo Ministério Público na acusação contra 45 pessoas, suspeitas de integrarem um esquema de corrupção nas Finanças.

No caso do casal que recorreu ao advogado, uma posterior reclamação da Caixa Geral de Depósitos junto do Tribunal Tributário acabaria por anular a tese da prescrição, congeminada pelo advogado e por dois funcionários do fisco, acusados pela 9ª secção do Departamento de Investigação e Acção Penal de Lisboa (DIAP) por crimes de corrupção ativa e passiva respetivamente.

Os dois funcionários das Finanças fazem parte de um leque de 15 quadros do fisco (dois deles já reformados) apanhados na investigação da Unidade Nacional Contra a Corrupção da Polícia Judiciária (UNCC), que também recolheu suspeitas contra empresários, gestores de empresas e técnicos oficiais de contas. No leque dos eventuais corruptores ativos constam João Silveira Botelho, administrador da Fundação Champalimaud e José Manteigas Martins, um dos mais conhecidos advogados de Lisboa - ambos acusados de um crime de corrupção ativa. No primeiro caso, as suspeitas dizem respeito a um processo de uma penhora sobre um imóvel da cunhada de João Silveira Botelho. Este é acusado de ter recorrido a um contato privilegiado para apressar o levantamento da medida, após a sua cunhada ter pago o valor do IVA em falta. Como contrapartida terá ofericido convites a um quadro do fisco para este assitir à cerimónia de entrega do prémio António Champalimaud, em 2015. No caso de Manteigas Martins, as suspeitas dizem respeito a pedidos feitos pelo advogado a um amigo seu das Finanças para obter uma decisão favorável num pedidos de isenção do IMT - Imposto Municipal sobre Transmissões de Imóveis.

O DN procurou obter, durante o dia de ontem, uma reacção destes dois últimos acusados ao despacho do MP, mas não obteve resposta.

Além de entregas em numerário, a investigação da UNCC apurou ainda que outra das vantagens alegadamente recebidas pelos funcionários das Finanças passaria por viagens. Isto mesmo foi apurado em relação a um chefe de finanças, suspeito de ter viajado com a família, em março de 2016, para o Brasil, sendo que a respetiva viagem e estadia foram pagas por um empresário.

Ou, noutro exemplo que consta de acusação, depois de ter classificado como "artigos avariados e sem falor", como LCD, frigoríficos e máquina de lavar roupa, ou seja não comercializáveis, um empresário terá oferecido uns quantos a dois funcionários das Finanças. Foram acusados de corrupção ativa e passiva.

Noutros casos identificados pela investigação, os trabalhadores das finanças ficavam satisfeitos com um jantar ou almoço para aceder aos pedidos. Ontem, o presidente do Sindicato dos Trabalhadores dos Impostos, Paulo Ralha, reclamou melhores salários para fugir à tentação.

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