O parlamento dinamarquês vai discutir esta quinta-feira a proposta de lei do governo que permitirá a transferência de requerentes de asilo para países terceiros, enquanto o seu caso está a ser processado. Um do países que poderá fazer parte da lista é o Ruanda. A proposta do governo do Partido Social Democrata (centro-esquerda) gera críticas das Nações Unidas, que temem o efeito de contágio, e de organizações como a Amnistia Internacional..A proposta foi apresentada no final de abril, depois de o ministro da Imigração, Mattias Tesfaye, e o do Desenvolvimento Internacional, Moller Mortensen, terem visitado o Ruanda. Este país já acolhe, desde finais de 2019, num centro de emergência a sul da capital, centenas de refugiados e requerentes de asilo que foram transferidos desde a Líbia. Na altura da visita, Copenhaga e Kigali assinaram um memorando de entendimento, criticando o atual sistema de asilo como "injusto e pouco ético" por incentivar "viagens perigosas ao longo das rotas migratórias, enquanto os traficantes de pessoas fazem uma fortuna"..O documento indicava que o caminho tem que incluir dar resposta às razões que levam à migração ilegal, garantir melhor proteção aos refugiados em zonas de conflito e mais assistência aos países de origem e de trânsito. Mas também dizia que o governo dinamarquês acredita que o processamento dos pedidos de asilo "deve ocorrer fora da União Europeia de forma a romper com a estrutura negativa de inventivos do presente sistema"..Mas a ideia de criar centros fora da União Europeia, que no passado já foi falada em Bruxelas mas não avançou, não é bem-vista por todos. "Ao dar início a uma mudança tão drástica e restritiva à lei de refugiados dinamarquesa, a Dinamarca arrisca desencadear um efeito dominó", alertou o representante para os países Nórdicos e do Báltico do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados, Henrik Nordentoft, temendo que outros países se guiam pelo mesmo caminho e que "as vidas e o bem-estar dos refugiados sejam postos em perigo e a sua proteção piore significativamente". E apelou aos deputados para que não aprovem a lei..Já o diretor para a Europa da Amnistia Internacional, Nils Muiznieks, alertou para uma situação "inescrupulosa" e "potencialmente ilegal", temendo que esta medida "estabeleceria um precedente perigoso na Europa e no mundo"..A Dinamarca foi o primeiro país a assinar a convenção das Nações Unidas sobre os Refugiados, em 1951, mas as políticas liberais em relação aos imigrantes têm vindo a mudar nas últimas décadas. A chegada de 21 mil migrantes em 2015 contribuiu para endurecer ainda mais as políticas, com o foco a passar da ideia de integração para o de proteção temporária e repatriamento. Em 2020, a Dinamarca recebeu 1515 pedidos de asilo, o número mais baixo em duas décadas. Destes, 601 receberam autorização para ficar..A primeira-ministra Mette Frederiksen, do Partido Social-Democrata, no cargo desde junho de 2019, estabeleceu como objetivo ter "zero requerentes de asilo". Uma meta que pode parecer estranha para um partido de centro-esquerda (faz parte do grupo dos socialistas europeus), mas que tem como objetivo tirar votos ao Partido Popular Dinamarquês (DPP, extrema-direita) num país onde metade dos 5,8 milhões de habitantes consideram a imigração uma ameaça. Em 2019, o DPP (que desde 2001 tem apoiado os governos conservadores e liberais) elegeu só 16 deputados (nas eleições anteriores tinha elegido 37).."Em 2001, um governo de direita implementou as primeiras restrições radicais para os refugiados e os estrangeiros. E apesar de os sociais-democratas se terem inicialmente oposto, rapidamente mudaram a sua estratégia para afastar a ameaça do Partido Popular Dinamarquês", escreveu no site do Politico Michala Clante Bendixen, presidente da Refugees Welcome na Dinamarca, que oferece apoio. "No princípio, nem todos os sociais-democratas concordaram com a nova política de linha dura, mas o partido gradualmente começou a abraçá-la, assim como a grande maioria dos seus eleitores. Hoje, o Partido Popular Dinamarquês tornou-se quase redundante. As suas políticas, antes denunciadas como racistas e extremas, tornaram-se mainstream", acrescentou..A sua posição foi tomada depois de outra decisão controversa de Copenhaga. O governo dinamarquês decidiu em abril revogar a autorização de residência a mais de 200 refugiados sírios, alegando que partes da Síria (em guerra há uma década) já são seguras para eles poderem regressar. Apesar de não poderem ser expulsos à força, os sírios são convidados a sair voluntariamente ou postos em centros. Cerca de 35 500 sírios vivem atualmente na Dinamarca, mais de metade chegaram em 2015..susana.f.salvador@dn.pt