As notícias que recebemos na Europa sobre a situação política na Líbia referem que existe um Governo reconhecido pela ONU em Trípoli, uma outra Administração paralela, e ainda o Leste do país, nomeadamente Bengasi, fora da alçada das autoridades da capital. Conflito político-militar já foi mais grave, mas continua por solucionar e há choques ocasionais. Como está hoje o país? Como é que a Líbia está a trabalhar para se unir novamente? Em primeiro lugar, agradeço-vos muito por me darem esta oportunidade de falar sobre o meu país, a Líbia, e também sobre a relação entre Portugal e a Líbia. A situação na Líbia é atualmente mais estável e completamente diferente da de anos anteriores. A situação atual é de grande acordo, discussão e diálogo entre todas as partes da Líbia e esperamos que, com o acompanhamento das Nações Unidas, as eleições se realizem em breve. Se houver eleições na Líbia nos próximos tempos, isso significa que tudo estará resolvido e não falaremos mais de governos. Será um só Governo e o nosso Governo atual, o Governo Nacional da Líbia, está a conduzir o país para a posição certa e está a gerir todos os projetos e tudo em toda a Líbia sob a supervisão do Parlamento e do Conselho Presidencial..Há potências regionais e também outras potências que, em determinados momentos, nesta década pós-mudança de regime em 2011, apoiaram uma ou outra das fações líbias. Como é que a Líbia está a lidar com este envolvimento estrangeiro nos seus assuntos? A situação é agora mais estável na Líbia e os líbios compreendem o que estão a pedir e o que precisam. Os líbios compreendem agora tudo o que aconteceu no país e tenho a certeza de que tudo ficará estável em breve com a realização de eleições..Há contactos entre as diferentes fações líbias para encontrar uma solução política para a unificação? Por exemplo, há dias, o presidente do Conselho Presidencial esteve em Bengasi à cabeça de uma grande comitiva. Esta é uma boa mensagem para todo o mundo: a Líbia é uma união. Há opiniões diferentes, sim é verdade, mas, em geral, a situação é melhor do que antes..A economia da Líbia sempre dependeu muito da produção de petróleo. A produção de petróleo está finalmente a atingir os valores normais? A economia da Líbia está, em geral, a recuperar? Antes de falarmos de economia e do petróleo, tenho de dar uma ideia mais geral sobre a situação da Líbia. A Líbia é um país muito importante no Norte de África. Fica no centro da África do Norte. A Líbia é o ponto de união entre a Europa e África, como é evidente pela situação geográfica. A Líbia tem mais de sete milhões de habitantes, temos uma costa marítima com mais de dois mil quilómetros, temos petróleo como disse, e temos uma boa atmosfera. O clima é completamente diferente do de outros países. É o clima do Mediterrâneo e há uma parte do país que é um deserto. Se virmos a composição do clima na Líbia, isso dá-nos uma oportunidade de diversificar a economia e de trabalhar para muitos objetivos no nosso país. A Líbia estabeleceu uma relação com Portugal em 1974. É muito tempo. E temos muitos acordos assinados entre o nosso país e Portugal desde o início das relações. E o nível diplomático atual, através da minha pessoa, é o de um embaixador extraordinário. Isso significa que o nível das relações entre a Líbia e Portugal está a aumentar cada vez mais. A Líbia é um membro importante da Liga Árabe, da União Africana e da Conferência Islâmica, o que significa que tem uma boa posição política em todas estas organizações. Sim, o que aconteceu nos últimos anos na Líbia faz com que estejamos, em parte, sob a supervisão ou, digamos, a ser aconselhados pelas Nações Unidas, mas somos um grande país, com 1,8 milhões de km2. E temos muitas riquezas, como o petróleo, o gás, também a energia solar. Todas estas fontes de energia encontram-se na Líbia e é uma boa oportunidade para todos nós. Queremos dar uma oportunidade aos nossos amigos de Portugal, em especial, e dos restantes países da UE de participarem no investimento na Líbia..Quando lhe pergunto sobre o petróleo é porque, para recuperar a economia, o rendimento do petróleo será sempre a base e, depois disso, podem tentar atrair outros investimentos. Neste momento em que a Líbia quer reforçar as relações com Portugal e outros países da UE, a economia encontra-se numa situação estável? É uma boa altura para investir na Líbia? Acredite em mim, digo a Portugal, quem vier primeiro, quem investir primeiro, é que vai tirar maior proveito da Líbia. É assim em qualquer país do mundo. Por exemplo, há uma oportunidade atual. O petróleo na Líbia está a ser gerido pela Corporação Nacional de Petróleo e Gás, uma única empresa, o que significa que a principal fonte da economia está nas mãos de uma única organização. Esta organização dá a possibilidade de investir e ter projetos em toda a Líbia. Esta é a principal fonte de dinheiro do país, sim, está dividida por toda a Líbia e ajuda-nos muito a atrair os nossos parceiros para que venham tirar proveito dela. O investimento na Líbia será uma oportunidade primeiro para os países europeus. Porquê para países europeus? Porque eles estão tão perto de nós, são também nossos vizinhos. Temos o Acordo de Diálogo 5+5 que junta países mediterrânicos da Europa e de África, que permite que os nossos amigos sejam os primeiros a ajudar a Líbia e, se houver um atraso, a oportunidade será para os outros..Durante décadas, a Líbia foi vista como um dos países mais ricos do Norte de África, com um nível de desenvolvimento muito elevado para a população. Depois seguiram-se anos de instabilidade. Pode dizer-se que o nível de vida está agora a melhorar na Líbia? Sou líbio e estou sempre a ir e a voltar ao meu país, e os meus colegas aqui da embaixada também estão sempre lá. A situação na Líbia está a tornar-se muito promissora. As universidades e as escolas estão a funcionar de uma forma moderna, o dinheiro existe, se pedirmos alguma coisa, está lá. Sim, há defeitos, mas não tão grandes como o que outros veem. A Líbia é um país brilhante, tem um bom futuro. A situação dos líbios mudou completamente em relação a três ou quatro anos antes e o Governo Nacional, o Parlamento e o Consulado Presidencial estão a conduzir a Líbia para uma boa situação. A situação política na Líbia é agora estável. Acredite em mim..A Líbia é também um ponto de passagem para a imigração ilegal para a Europa. Sei que foi até assinado um acordo recente entre a Líbia e a Tunísia para tentar lidar com os migrantes provenientes da África Subsariana que muitas vezes ficam retidos numa terra de ninguém. Existe algum tipo de cooperação entre a Líbia e a União Europeia por causa da imigração ilegal que tenta usar o litoral líbio para atravessar o Mediterrâneo? Há poucas semanas, realizou-se em Roma uma grande conferência sobre imigração ilegal e os nossos líderes estiveram presentes, tanto o presidente do Conselho Presidencial como o primeiro-ministro do Governo Nacional. Eles participaram nessa reunião e deram a sua opinião. A Líbia é um país de passagem, não é o princípio nem o fim, o que significa que a Líbia, se é um país de passagem, têm de ser os outros povos a ajudar-nos a travar esta imigração na fonte principal, na pátria desses migrantes, ou então resolvem no ponto final. Mas na Líbia não estamos de acordo, em momento algum e em situação alguma, que migrantes ilegais fiquem no nosso país, porque a nossa situação geográfica e as nossas fontes económicas são para a nossa população e não para outros. E os acordos internacionais têm de aceitar o facto de a Líbia recusar que qualquer pessoa permaneça no país, exceto de forma oficial..As relações entre a Líbia e a União Europeia, mesmo com esta questão complexa da imigração, são atualmente boas, de cooperação? Em primeiro lugar, temos todas as nossas embaixadas em todos os países europeus a funcionar. Aliás, temos uma grande missão nos países europeus e todo o pessoal diplomático, através do Ministério dos Negócios Estrangeiros da Líbia, está a fazer um bom trabalho na UE. Isso significa que a nossa relação é muito clara e a atividade dos nossos diplomatas é clara para os outros. E hoje estou a falar da economia, a insistir na economia, para encorajar os nossos parceiros da União Europeia a virem à Líbia para se juntarem a nós e partilharem o investimento na Líbia. Por exemplo, para mim, Portugal está em primeiro lugar, porque sou embaixador aqui, mas se falar de Itália, França, Espanha ou de outros países, devo sublinhar que já lá estão. As suas embaixadas permanecem na Líbia, em Trípoli, na nossa capital, e estão a começar a trabalhar..E em termos de relações económicas, a Itália é o principal parceiro europeu neste momento? A Líbia está a fazer o melhor possível, através do seu Governo, para estabelecer relações com todos os países europeus. E hoje estou a falar para encorajar o Governo de Portugal a visitar a Líbia em breve. Já havia antes empresas portuguesas que estavam a trabalhar na Líbia e esta é a oportunidade de regressarem e de partilharem connosco para o desenvolvimento da Líbia..Tem mantido algum contacto com empresários portugueses para os convencer a investir na Líbia? Desde o início, e já tenho um ano e meio de funções aqui, encontro-me com muitas pessoas, desde empresários a elementos do Ministério dos Negócios Estrangeiros, com as pessoas que são responsáveis pelo Norte de África, sempre encorajando-os, em primeiro lugar, a abrir a embaixada em Trípoli e, em segundo lugar, a abrir uma linha aérea desde Portugal e também uma ligação via cargueiros para a Líbia. Em terceiro lugar, encorajar todas as antigas empresas portuguesas que estavam a trabalhar na Líbia a continuar a trabalhar, por exemplo, no setor da energia ou das infraestruturas, onde já temos duas ou três empresas a funcionar. Uma delas penso que se associou a uma empresa brasileira. A oportunidade é boa agora, pelo menos para começar. E durante o nosso trabalho aqui, estamos a incentivar o setor privado, porque tem as suas capacidades, tem o seu incentivo e tem os seus funcionários, para começar o trabalho na Líbia..Neste momento, há alguma empresa portuguesa a negociar com a Líbia ou não há presença no país? Há, mas não como antes. O primeiro objetivo da minha função é encorajar as pessoas a irem lá para verem as oportunidades e perguntarem aos seus amigos que estão a trabalhar lá como está a situação hoje na Líbia. É uma oportunidade para muitas pessoas e muitas empresas para estarem presentes, por exemplo, na área farmacêutica, na agricultura e nos papéis..Pensa que a Líbia, pela suas cidades, pelas paisagens diversificadas, pelo grande património arqueológicos, poderá um dia ser também um destino turístico, se as divisões políticas forem ultrapassadas de vez? A Líbia é um bom país para tudo. Se tiver de olhar para o clima, encontrará um bom clima, se olharmos para a costa marítima, encontraremos muitas oportunidades na costa marítima. Por exemplo, a pesca: os dois mil quilómetros da costa mediterrânica são uma boa oportunidade para investir na pesca. Se formos ver outros setores, temos muito potencial para o turismo, temos muitos vestígios arqueológicos na Líbia. Também temos a Montanha Verde, que é de visitar..Está a falar de ruínas romanas? Sim, dos romanos, temos muitos vestígios, como a imponente Leptis Magna, e temos muitos turistas a chegar já. Se abrirem as linhas aéreas a partir de Portugal, por exemplo, ou com uma ligação via outro país, as hipóteses serão muito boas. Mesmo no que diz respeito ao alojamento, encontrará hotéis, a maior parte deles nos locais de turismo..Sobre a presença da Líbia em Portugal, existem algumas empresas líbias em Portugal? Temos alguns homens de negócios que estão a trabalhar aqui, mas ainda não muitos..E quanto à comunidade líbia em Portugal. Quantos são? A comunidade líbia são mais de 150 pessoas. Mas mesmo a oportunidade, se for aberta, de que estou a falar agora, de investimentos no setor da saúde, por exemplo, se tivermos de estabilizar o tratamento médico através de uma empresa portuguesa na Líbia, será muito bom. Isso significa que teremos muitos doentes a entrar e a sair. Por exemplo, no setor da educação, as pessoas que estão a fazer formação nas universidades, podemos fazer uma parceria entre as universidades de Portugal e da Líbia. É uma boa oportunidade para Portugal e para a Líbia e também para os nossos estudantes virem aprender aqui em Portugal e os funcionários de Portugal poderem ir para a Líbia em setores como a agricultura, o turismo, e muitos outros..Como é que esta guerra na Ucrânia está a afetar a Líbia? Concentremo-nos primeiro na questão do gás. A situação difícil na Europa é uma grande oportunidade para a Líbia, pois um dos nossos principais recursos é o gás. Isso significa que é uma boa oportunidade para todos os países europeus e para Portugal terem acesso ao gás. A guerra na Ucrânia começou há um ano e meio e agora parece um pouco mais calma, não como antes, mas a nossa opinião, no nosso Parlamento, no nosso Governo Nacional e no nosso Conselho presidencial, é que estamos a favor da paz em qualquer lado. Desejamos que a guerra acabe, porque temos uma experiência nessa matéria..Uma última palavra sobre a relação entre Portugal e a Líbia? Volto a repetir: esta é uma oportunidade de os países europeus, especialmente Portugal, através do nosso governo nacional, do vosso Governo e do vosso setor privado, terem a oportunidade de fazer investimentos na Líbia. E isto vem através dos canais diplomáticos para ativar todos os acordos que já foram assinados entre o nosso país e Portugal. Desde o início das relações entre a Líbia e Portugal, temos uma série de acordos. Acordo para facilitar os vistos, acordo para evitar os impostos, acordo para os estudantes. Isto são acordos e memorandos de entendimento mútuo. E temos um comité entre Líbia e Portugal que queremos voltar a ativar, porque está parado há mais de 10 ou 12 anos. Se conseguirmos ativá-lo agora, isso significa que o papel político será desempenhado por dois governos. É a nossa vez de encorajar os dois governos a sentarem-se um com o outro como pessoas diplomáticas, este é o nosso papel e fazemos o nosso melhor..A prioridade será, então, a reabertura da embaixada em Trípoli? É a primeira. Disse-o em muitas ocasiões, em todas as minhas reuniões diplomáticas, mesmo através do envio de muitas notas verbais, que com a possibilidade de abrir uma embaixada na Líbia seria mais fácil para os líbios obterem o visto. E o nosso acordo, que já tínhamos celebrado anteriormente para facilitar a obtenção de vistos, será mais fácil. Conheço o procedimento de Schengen, mas se estiver perto das pessoas, será uma oportunidade para entrarem e saírem. Além disso, se abrir o canal das companhias aéreas, isso é outra questão, mas tudo será mais fácil e o comércio virá. Se tentarmos abrir a Câmara de Comércio entre a Líbia e Portugal, é outra oportunidade para abrir a correspondência no marketing, mas o importante é que, se abrir a embaixada em Trípoli e abrir as linhas aéreas, mesmo com pequeno tráfego será uma boa oportunidade para os empresários, para o setor privado, para os estudantes, para os doentes e para as empresas que vão e vêm..leonidio.ferreira@dn.pt