Roma é uma viagem a preto e branco pelas memórias de um rapaz de 9 anos e a declaração de amor do realizador mexicano Alfonso Cuarón à sua ama..1. Alfonso Cuarón já ganhou um Óscar como realizador.Argumentista, realizador, diretor de fotografia, montador, produtor, Alfonso Cuarón é o verdadeiro autor de cinema. Nascido em 1961, começou a carreira na televisão e deu nas vistas com Sólo com Tu Pareja (1991). Então, Sidney Pollack convidou-o a realizar um episódio da série Anjos Caídos, o que lhe permitiu começar a trabalhar em Hollywood. Após Grandes Esperanças (1998), voltou ao México para fazer E a Tua Mamã também (2002), que lhe deu a primeira nomeação para um Óscar, como argumentista. Nessa altura, já tinha vontade de fazer um filme inspirado nas suas memórias mas precisava de dinheiro, admite. Impôs o seu estilo a Harry Potter e o Prisioneiro de Azkaban (2004) e seguiu para Os Filhos do Homem (2006). Lançado em 2013 e tendo Sandra Bullock como protagonista, Gravidade foi um sucesso de bilheteira e Cuarón tornou-se o primeiro mexicano a ganhar o Óscar de melhor realizador. Depois disso, ele poderia fazer o que quisesse. E quis fazer Roma ..2. Esta é uma história (mais ou menos) verdadeira.Em Roma, Alfonso Cuarón viaja pelas suas memórias até 1971. Foi nessa altura, quando tinha 9 anos, que os pais se separaram e que Alfonso ficou a viver com a mãe e os três irmãos. Apesar de as personagens serem inspiradas em pessoas reais, o realizador troca-lhes os nomes e opta por não contar o filme do seu ponto de vista, ou seja o do rapaz mais novo da família. Decide focar-se antes em Cleo, a criada indígena que vivia com eles. Ela é a protagonista de Roma e é o seu drama que acompanhamos de perto. Embora a história seja uma ficção (o namoro, a gravidez, o acidente na praia não aconteceram), o realizador admite que 90% do filme foi retirado das suas memórias e ao longo da rodagem teve um cuidado extremo (quase obsessivo) em reproduzir visualmente, ainda que a preto e branco, tudo o que tinha gravado na sua cabeça: "Escavei, escavei, assumindo que não estava a descrever as coisas como elas aconteceram realmente mas sim como eu as recordava.".3. Roma não fica em Itália.Colonia Roma, ou simplesmente Roma, é um bairro residencial na Cidade do México. O bairro foi projetado para albergar famílias da classe alta no início do século XX, passou por uma fase de decadência a partir da década de 1970 e, neste momento, é um dos polos da cultura hipster na cidade, com uma nova vida graças à abertura de restaurantes, bares, lojas e galerias..A ação de Roma passa-se em 1971. Coube a Eugenio Caballero a tarefa de reproduzir a Cidade do México tal como Alfonso Cuarón a recordava. As cores, as ruas, os carros, a decoração das casas. A casa onde Cleo, a protagonista do filme, trabalha é na zona sul do bairro (Roma Sur) e fica na Tepeji 21. Para irem para a escola Kinder Condesa, que existe mesmo a poucos quarteirões dali, os miúdos percorrem a Rua Tlaxcala. Também aparecem os cinemas Las Americas (que ficava perto de casa) e Metropólitan (mais central), e o Hospital Siglo XXI, que ainda hoje existe. Há uma cena em que Cléo e a amiga se encontram com os namorados num café: é La Casa del Pavo (a casa do peru), um estabelecimento que abriu em 1901 no Centro Histórico da cidade e ainda serve deliciosas sandes de peru (segundo as dicas no TripAdvisor)..4. Cleo existe mesmo e chama-se Libo.Para criar a personagem de Cleo, Cuarón inspirou-se na ama indígena que cuidou dele e dos seus três irmãos, Liboria Rodríguez. Libo, como eles a tratavam, tinha apenas 16 anos quando se juntou à família. Alfonso tinha 9 meses ela acabou por ser quase uma segunda mãe, sobretudo depois de o pai sair de casa. Levava-o a ver filmes e contava-lhe histórias de Tepelmeme Villa de Morenos, a localidade em Oaxaca onde tinha nascido. Ele chamava-lhe Mamá. "Era uma daquelas relações perversas que a burguesia mantinha com as trabalhadoras domésticas", contou. "Por um lado, elas lavavam a roupa, cozinhavam, iam às compras. Mas, para além de todo o trabalho árduo que fazia parte do seu emprego, elas também faziam muito do que é suposto os pais fazerem. Acordavam as crianças, davam-lhes o pequeno-almoço, levavam-nas à escola, aconchegavam-nas na cama.".Alfonso Cuarón manteve a amizade com Libo ao longo da vida e convidou-a para fazer pequenos papéis nos seus filmes mexicanos, Sólo com Tu Pareja e Y Tu Mamá también. Para escrever o argumento de Roma, Cuarón recorreu às suas memórias mas também às muitas horas de entrevistas que fez a Libo. "Perguntei-lhe como era o seu dia-a-dia, com todos os detalhes, quase segundo por segundo", explicou. Quis saber o que ela fazia durante as folgas e descobriu, ao fim destes anos, que Libo era uma mulher como as outras, tinha uma vida, tinha sonhos. "Foi como que se descobrisse uma outra pessoa, que eu não conhecia.".Da primeira vez que viu Roma, Liboria Rodríguez, de 74 anos, chorou o tempo todo: "O Alfonso diz que é apenas um filme, mas para mim não é.".5. Yalitza Aparicio é educadora de infância.O diretor de casting de Roma, Luis Rosales, viajou pelo sul do México e fez audições a mais de três mil mulheres em várias aldeias e cidades. Yalitza Aparicio, na altura com 24 anos, apareceu numa audição em Tlaxiaco, Oaxaca, acompanhada pela mãe e um pouco desconfiada: receava tratar-se de um qualquer esquema de tráfico. Tinha acabado de se formar para ser educadora de infância e só tinha ido audição por insistência da irmã, que estava grávida. "Quando a vi pensei 'uau, ela é perfeita'". Ela tem uma enorme doçura e um enorme sorriso, mas o que está por trás disso é uma enorme inteligência", contou mais tarde Cuarón..Para interpretar Cloe, Yalitza inspirou-se na mãe, que é a sua heroína. O pai saiu de casa quando ela era adolescente e as duas vivem juntas até hoje. "Queria ser tão forte quanto a minha mãe", disse a atriz numa entrevista. "O filme é um tributo às mulheres em geral, as mulheres invisíveis, que estão sempre em casa e tomam conta das crianças.".Yalitza conta que nunca foi muito fã de cinema, em parte porque raramente encontrava histórias ou personagens com que se pudesse relacionar. Essa é uma falha que gostava de colmatar e é também por isso que gostaria de continuar a representar. Em dezembro foi capa da Vogue México: foi a primeira vez que uma mulher indígena apareceu na capa da revista em mais de 20 anos de publicação..Yalitza Aparicio é a primeira indígena e a segunda atriz mexicana a ser nomeada para um Óscar. Esta é também a primeira vez que há uma atriz nomeada num filme não falado em inglês..6. Cleo veio de Oaxaca e fala mixteco.Situado no Sul, Oaxaca é um dos 31 estados do México e daqueles onde vivem mais povos indígenas: há 16 grupos étnicos identificados, dos quais os mais importantes são os zapotecos e o mixtecos - o povo de Cleo, que integra neste momento cerca de 240 mil pessoas. A cultura indígena mantém-se muito visível nesta região. Estima-se que pelo menos um terço da população do estado seja falante de uma língua indígena (e cerca de metade desta não fala espanhol). Porém, a região tem vindo a perder população devido à migração, sobretudo desde a década de 1970. Era muito comum as raparigas virem, muito novas, trabalhar como empregadas domésticas na capital. Viviam nas casas onde trabalhavam de sol a sol e praticamente não viam a família. Isso ainda acontece hoje em dia: há cerca de 2,2 milhões de trabalhadores domésticos no México, dos quais 95% são mulheres. Estudos indicam que mais de 50% são de origem indígena. Apesar de ser de Oaxaca, Yalitza Aparicio, a atriz que interpreta Cleo, não sabia falar mixteco. Foi a atriz e também amiga Nancy García García, que interpreta a personagem de Adela, que a ensinou a dizer as falas nesta língua..7. Fermín era um Falcão.Fermín, o namorado de Cleo, pertence ao grupo paramilitar Los Halcones (Os Falcões) que, tal como outros grupos armados, foram treinados e financiados pelos Estados Unidos durante os anos 1960 e início de 1970. Os Falcões eram cerca de dois mil jovens, com idades entre os 18 e os 29 anos, distribuídos em esquadrões de 200 elementos. Eram, na sua maioria, rapazes das classes trabalhadores, desempregados ou membros de gangues..Numa das cenas cruciais de Roma, a avó Teresa leva Cleo, grávida, até ao centro da cidade, para comprar um berço para o bebé e deparam-se com uma manifestação de estudantes. Já na loja de mobílias, apercebem-se que há distúrbios na rua. A certa altura, elementos de um grupo paramilitar entram na loja e ameaçam os clientes. Um deles é Fermín..A cena mostra o massacre do Corpus Christi, que aconteceu a 10 de junho 1971: nesse dia, cerca de dez mil jovens saíram à rua para lutar pela democracia, por reformas sociais, por mudanças na política económica do país. 120 pessoas foram mortas por elementos dos Falcões. A polícia teve ordens para não intervir..8. Em 1971, o México parecia à beira de uma revolução.A ação de Roma apanha a casa onde Cleo trabalha a meio de uma revolução, com a separação do casal. Mas nas ruas a agitação também é permanente. O México foi governado pelo Partido Revolucionário Institucional (PRI) durante mais de 70 anos (1929-2000), usando um estilo ao mesmo tempo populista e repressivo (e recorrendo até à fraude eleitoral). Em meados do século XX, o país tinha vivido um "milagre" económico mas a partir de finais da década de 60, o México entrou em colapso financeiro. A crise teve como principais vítimas as comunidades agrícolas. Os indígenas lutaram pela posse de terra e foram duramente reprimidos..Espoliados das suas terras - Cleo refere vagamente esse problema quando fala da família -, os camponeses vinham para as cidades à procura de uma vida melhor. Começaram então a surgir enormes bairros de lata, como a Ciudad Nezahualcóyotl, a 16 quilómetros da Cidade do México, que chegou a ter mais de um milhão de habitantes. É aí que Cleo vai à procura do seu namorado, Fermín..A par dos problemas económicos, nas décadas de 60 e 70, o descontentamento da população começou a fazer-se sentir. Os governos de Gustavo Díaz Ordaz (1964-1970), Luis Echeverría (1970-1976) e José López Portillo (1976-1982) respondiam aos apelos para realizar mudanças sociais e políticas, primeiro, com repressão, e depois com terrorismo. Estima-se que cerca de 1200 pessoas "desapareceram" neste período de "guerra suja", vítimas de tortura ou mesmo execuções..Muitas das manifestações terminavam em violência. Em outubro de 1968, dezenas de jovens (números não oficiais referem 300) que participavam numa manifestação na Cidade do México foram mortos por snipers no que ficou conhecido como o massacre de Taltelolco. Isto aconteceu dez dias antes da abertura dos Jogos Olímpicos..9. Os atores nunca nunca leram o guião.Para fazer este filme, Alfonso Cuarón procurou atores que se assemelhassem fisicamente às pessoas que povoavam as suas memórias de infância. Isso levou-o a escolher maioritariamente não atores para o elenco. A exceção é Marina de Tavira, atriz mexicana de 44 anos que foi convidada a participar num casting sem saber que era para um filme de Cuarón. Não lhe deram nenhum diálogo para estudar, disseram-lhe apenas para vir sem maquilhagem. O realizador nunca lhe disse que aquele papel era inspirado na sua mãe, nem mesmo durante a rodagem..A verdade é que os atores de Roma nunca leram o guião do filme. Alfonso Cuarón explicou-lhes o background de cada personagem e, todas as manhãs, antes da rodagem, falava com eles individualmente. Não ensaiavam em grupo. E, já no plateau, sussurrava-lhes instruções que até podiam ser contraditórias. "Quando começávamos a filmar, às vezes era o caos. E toda a gente tinha de existir dentro desse caos, como na vida", explicou o realizador. O objetivo era provocar verdadeiras reações, de surpresa ou de emoção..10. Roma tem dez nomeações para os Óscares.Roma estreou-se em setembro no Festival de Veneza, ganhando logo dois prémios: melhor filme e melhor realizador. De então para cá, tem vindo a ser nomeado e a ganhar inúmeras distinções, incluindo Globos de Ouro e Prémios BAFTA. Na cerimónia dos Óscares que se realiza na madrugada de domingo para segundo, Roma é, a par de A Favorita, o filme com mais nomeações: dez. Pode ganhar na seguintes categorias: melhor filme, realizador (Alfonso Cuarón), atriz (Yalitza Aparicio), atriz secundária (Marina de Tavira), argumento original (Cuarón), filme em língua estrangeira, fotografia (Cuarón), direção de arte, edição de som e mistura de som. Roma tem, a par de O Tigre e o Dragão, de Ang Lee (2000), o maior número de nomeações alguma vez obtido por um filme não falado em inglês. Esta é a apenas a décima vez que um filme falado noutra língua está nomeado na categoria de melhor filme - nenhum dos anteriores ganhou. Será desta?
Roma é uma viagem a preto e branco pelas memórias de um rapaz de 9 anos e a declaração de amor do realizador mexicano Alfonso Cuarón à sua ama..1. Alfonso Cuarón já ganhou um Óscar como realizador.Argumentista, realizador, diretor de fotografia, montador, produtor, Alfonso Cuarón é o verdadeiro autor de cinema. Nascido em 1961, começou a carreira na televisão e deu nas vistas com Sólo com Tu Pareja (1991). Então, Sidney Pollack convidou-o a realizar um episódio da série Anjos Caídos, o que lhe permitiu começar a trabalhar em Hollywood. Após Grandes Esperanças (1998), voltou ao México para fazer E a Tua Mamã também (2002), que lhe deu a primeira nomeação para um Óscar, como argumentista. Nessa altura, já tinha vontade de fazer um filme inspirado nas suas memórias mas precisava de dinheiro, admite. Impôs o seu estilo a Harry Potter e o Prisioneiro de Azkaban (2004) e seguiu para Os Filhos do Homem (2006). Lançado em 2013 e tendo Sandra Bullock como protagonista, Gravidade foi um sucesso de bilheteira e Cuarón tornou-se o primeiro mexicano a ganhar o Óscar de melhor realizador. Depois disso, ele poderia fazer o que quisesse. E quis fazer Roma ..2. Esta é uma história (mais ou menos) verdadeira.Em Roma, Alfonso Cuarón viaja pelas suas memórias até 1971. Foi nessa altura, quando tinha 9 anos, que os pais se separaram e que Alfonso ficou a viver com a mãe e os três irmãos. Apesar de as personagens serem inspiradas em pessoas reais, o realizador troca-lhes os nomes e opta por não contar o filme do seu ponto de vista, ou seja o do rapaz mais novo da família. Decide focar-se antes em Cleo, a criada indígena que vivia com eles. Ela é a protagonista de Roma e é o seu drama que acompanhamos de perto. Embora a história seja uma ficção (o namoro, a gravidez, o acidente na praia não aconteceram), o realizador admite que 90% do filme foi retirado das suas memórias e ao longo da rodagem teve um cuidado extremo (quase obsessivo) em reproduzir visualmente, ainda que a preto e branco, tudo o que tinha gravado na sua cabeça: "Escavei, escavei, assumindo que não estava a descrever as coisas como elas aconteceram realmente mas sim como eu as recordava.".3. Roma não fica em Itália.Colonia Roma, ou simplesmente Roma, é um bairro residencial na Cidade do México. O bairro foi projetado para albergar famílias da classe alta no início do século XX, passou por uma fase de decadência a partir da década de 1970 e, neste momento, é um dos polos da cultura hipster na cidade, com uma nova vida graças à abertura de restaurantes, bares, lojas e galerias..A ação de Roma passa-se em 1971. Coube a Eugenio Caballero a tarefa de reproduzir a Cidade do México tal como Alfonso Cuarón a recordava. As cores, as ruas, os carros, a decoração das casas. A casa onde Cleo, a protagonista do filme, trabalha é na zona sul do bairro (Roma Sur) e fica na Tepeji 21. Para irem para a escola Kinder Condesa, que existe mesmo a poucos quarteirões dali, os miúdos percorrem a Rua Tlaxcala. Também aparecem os cinemas Las Americas (que ficava perto de casa) e Metropólitan (mais central), e o Hospital Siglo XXI, que ainda hoje existe. Há uma cena em que Cléo e a amiga se encontram com os namorados num café: é La Casa del Pavo (a casa do peru), um estabelecimento que abriu em 1901 no Centro Histórico da cidade e ainda serve deliciosas sandes de peru (segundo as dicas no TripAdvisor)..4. Cleo existe mesmo e chama-se Libo.Para criar a personagem de Cleo, Cuarón inspirou-se na ama indígena que cuidou dele e dos seus três irmãos, Liboria Rodríguez. Libo, como eles a tratavam, tinha apenas 16 anos quando se juntou à família. Alfonso tinha 9 meses ela acabou por ser quase uma segunda mãe, sobretudo depois de o pai sair de casa. Levava-o a ver filmes e contava-lhe histórias de Tepelmeme Villa de Morenos, a localidade em Oaxaca onde tinha nascido. Ele chamava-lhe Mamá. "Era uma daquelas relações perversas que a burguesia mantinha com as trabalhadoras domésticas", contou. "Por um lado, elas lavavam a roupa, cozinhavam, iam às compras. Mas, para além de todo o trabalho árduo que fazia parte do seu emprego, elas também faziam muito do que é suposto os pais fazerem. Acordavam as crianças, davam-lhes o pequeno-almoço, levavam-nas à escola, aconchegavam-nas na cama.".Alfonso Cuarón manteve a amizade com Libo ao longo da vida e convidou-a para fazer pequenos papéis nos seus filmes mexicanos, Sólo com Tu Pareja e Y Tu Mamá también. Para escrever o argumento de Roma, Cuarón recorreu às suas memórias mas também às muitas horas de entrevistas que fez a Libo. "Perguntei-lhe como era o seu dia-a-dia, com todos os detalhes, quase segundo por segundo", explicou. Quis saber o que ela fazia durante as folgas e descobriu, ao fim destes anos, que Libo era uma mulher como as outras, tinha uma vida, tinha sonhos. "Foi como que se descobrisse uma outra pessoa, que eu não conhecia.".Da primeira vez que viu Roma, Liboria Rodríguez, de 74 anos, chorou o tempo todo: "O Alfonso diz que é apenas um filme, mas para mim não é.".5. Yalitza Aparicio é educadora de infância.O diretor de casting de Roma, Luis Rosales, viajou pelo sul do México e fez audições a mais de três mil mulheres em várias aldeias e cidades. Yalitza Aparicio, na altura com 24 anos, apareceu numa audição em Tlaxiaco, Oaxaca, acompanhada pela mãe e um pouco desconfiada: receava tratar-se de um qualquer esquema de tráfico. Tinha acabado de se formar para ser educadora de infância e só tinha ido audição por insistência da irmã, que estava grávida. "Quando a vi pensei 'uau, ela é perfeita'". Ela tem uma enorme doçura e um enorme sorriso, mas o que está por trás disso é uma enorme inteligência", contou mais tarde Cuarón..Para interpretar Cloe, Yalitza inspirou-se na mãe, que é a sua heroína. O pai saiu de casa quando ela era adolescente e as duas vivem juntas até hoje. "Queria ser tão forte quanto a minha mãe", disse a atriz numa entrevista. "O filme é um tributo às mulheres em geral, as mulheres invisíveis, que estão sempre em casa e tomam conta das crianças.".Yalitza conta que nunca foi muito fã de cinema, em parte porque raramente encontrava histórias ou personagens com que se pudesse relacionar. Essa é uma falha que gostava de colmatar e é também por isso que gostaria de continuar a representar. Em dezembro foi capa da Vogue México: foi a primeira vez que uma mulher indígena apareceu na capa da revista em mais de 20 anos de publicação..Yalitza Aparicio é a primeira indígena e a segunda atriz mexicana a ser nomeada para um Óscar. Esta é também a primeira vez que há uma atriz nomeada num filme não falado em inglês..6. Cleo veio de Oaxaca e fala mixteco.Situado no Sul, Oaxaca é um dos 31 estados do México e daqueles onde vivem mais povos indígenas: há 16 grupos étnicos identificados, dos quais os mais importantes são os zapotecos e o mixtecos - o povo de Cleo, que integra neste momento cerca de 240 mil pessoas. A cultura indígena mantém-se muito visível nesta região. Estima-se que pelo menos um terço da população do estado seja falante de uma língua indígena (e cerca de metade desta não fala espanhol). Porém, a região tem vindo a perder população devido à migração, sobretudo desde a década de 1970. Era muito comum as raparigas virem, muito novas, trabalhar como empregadas domésticas na capital. Viviam nas casas onde trabalhavam de sol a sol e praticamente não viam a família. Isso ainda acontece hoje em dia: há cerca de 2,2 milhões de trabalhadores domésticos no México, dos quais 95% são mulheres. Estudos indicam que mais de 50% são de origem indígena. Apesar de ser de Oaxaca, Yalitza Aparicio, a atriz que interpreta Cleo, não sabia falar mixteco. Foi a atriz e também amiga Nancy García García, que interpreta a personagem de Adela, que a ensinou a dizer as falas nesta língua..7. Fermín era um Falcão.Fermín, o namorado de Cleo, pertence ao grupo paramilitar Los Halcones (Os Falcões) que, tal como outros grupos armados, foram treinados e financiados pelos Estados Unidos durante os anos 1960 e início de 1970. Os Falcões eram cerca de dois mil jovens, com idades entre os 18 e os 29 anos, distribuídos em esquadrões de 200 elementos. Eram, na sua maioria, rapazes das classes trabalhadores, desempregados ou membros de gangues..Numa das cenas cruciais de Roma, a avó Teresa leva Cleo, grávida, até ao centro da cidade, para comprar um berço para o bebé e deparam-se com uma manifestação de estudantes. Já na loja de mobílias, apercebem-se que há distúrbios na rua. A certa altura, elementos de um grupo paramilitar entram na loja e ameaçam os clientes. Um deles é Fermín..A cena mostra o massacre do Corpus Christi, que aconteceu a 10 de junho 1971: nesse dia, cerca de dez mil jovens saíram à rua para lutar pela democracia, por reformas sociais, por mudanças na política económica do país. 120 pessoas foram mortas por elementos dos Falcões. A polícia teve ordens para não intervir..8. Em 1971, o México parecia à beira de uma revolução.A ação de Roma apanha a casa onde Cleo trabalha a meio de uma revolução, com a separação do casal. Mas nas ruas a agitação também é permanente. O México foi governado pelo Partido Revolucionário Institucional (PRI) durante mais de 70 anos (1929-2000), usando um estilo ao mesmo tempo populista e repressivo (e recorrendo até à fraude eleitoral). Em meados do século XX, o país tinha vivido um "milagre" económico mas a partir de finais da década de 60, o México entrou em colapso financeiro. A crise teve como principais vítimas as comunidades agrícolas. Os indígenas lutaram pela posse de terra e foram duramente reprimidos..Espoliados das suas terras - Cleo refere vagamente esse problema quando fala da família -, os camponeses vinham para as cidades à procura de uma vida melhor. Começaram então a surgir enormes bairros de lata, como a Ciudad Nezahualcóyotl, a 16 quilómetros da Cidade do México, que chegou a ter mais de um milhão de habitantes. É aí que Cleo vai à procura do seu namorado, Fermín..A par dos problemas económicos, nas décadas de 60 e 70, o descontentamento da população começou a fazer-se sentir. Os governos de Gustavo Díaz Ordaz (1964-1970), Luis Echeverría (1970-1976) e José López Portillo (1976-1982) respondiam aos apelos para realizar mudanças sociais e políticas, primeiro, com repressão, e depois com terrorismo. Estima-se que cerca de 1200 pessoas "desapareceram" neste período de "guerra suja", vítimas de tortura ou mesmo execuções..Muitas das manifestações terminavam em violência. Em outubro de 1968, dezenas de jovens (números não oficiais referem 300) que participavam numa manifestação na Cidade do México foram mortos por snipers no que ficou conhecido como o massacre de Taltelolco. Isto aconteceu dez dias antes da abertura dos Jogos Olímpicos..9. Os atores nunca nunca leram o guião.Para fazer este filme, Alfonso Cuarón procurou atores que se assemelhassem fisicamente às pessoas que povoavam as suas memórias de infância. Isso levou-o a escolher maioritariamente não atores para o elenco. A exceção é Marina de Tavira, atriz mexicana de 44 anos que foi convidada a participar num casting sem saber que era para um filme de Cuarón. Não lhe deram nenhum diálogo para estudar, disseram-lhe apenas para vir sem maquilhagem. O realizador nunca lhe disse que aquele papel era inspirado na sua mãe, nem mesmo durante a rodagem..A verdade é que os atores de Roma nunca leram o guião do filme. Alfonso Cuarón explicou-lhes o background de cada personagem e, todas as manhãs, antes da rodagem, falava com eles individualmente. Não ensaiavam em grupo. E, já no plateau, sussurrava-lhes instruções que até podiam ser contraditórias. "Quando começávamos a filmar, às vezes era o caos. E toda a gente tinha de existir dentro desse caos, como na vida", explicou o realizador. O objetivo era provocar verdadeiras reações, de surpresa ou de emoção..10. Roma tem dez nomeações para os Óscares.Roma estreou-se em setembro no Festival de Veneza, ganhando logo dois prémios: melhor filme e melhor realizador. De então para cá, tem vindo a ser nomeado e a ganhar inúmeras distinções, incluindo Globos de Ouro e Prémios BAFTA. Na cerimónia dos Óscares que se realiza na madrugada de domingo para segundo, Roma é, a par de A Favorita, o filme com mais nomeações: dez. Pode ganhar na seguintes categorias: melhor filme, realizador (Alfonso Cuarón), atriz (Yalitza Aparicio), atriz secundária (Marina de Tavira), argumento original (Cuarón), filme em língua estrangeira, fotografia (Cuarón), direção de arte, edição de som e mistura de som. Roma tem, a par de O Tigre e o Dragão, de Ang Lee (2000), o maior número de nomeações alguma vez obtido por um filme não falado em inglês. Esta é a apenas a décima vez que um filme falado noutra língua está nomeado na categoria de melhor filme - nenhum dos anteriores ganhou. Será desta?