Dez anos depois e em 3D chega nova versão do musical Amália
Às vezes, quando a ouvem cantar confundem-na com Amália. Alexandra já não estranha. Depois de ter interpretado o papel da fadista no musical Amália durante quase quatro anos, continuou a interpretar os temas de Amália em discos e noutros espetáculos. Mas Alexandra não é Amália Rodrigues nem está a tentar sê-lo. "Tive a sorte de conhecê-la, estive uma noite em casa dela, a tomar um chá, e fiquei encantada. Era uma mulher inteligente e com um sentido de humor muito apurado. Uma pessoa apercebia-se de que era uma mulher só, apesar de estar sempre acompanhada. Foi um encontro que me tocou bastante", recorda Alexandra, sentada no seu camarim no Teatro Politeama, em Lisboa, enquanto se prepara para mais um ensaio do musical Amália. "Essa imagem dela sentada na sala, a conversar, foi importante para construir a personagem. Depois vi vídeos para ver a forma de ela estar no palco, os gestos, a fala. Mas eu não a imito para não correr o risco de ficar uma caricatura, tento aproximar-me, arrastar um pouco a voz à medida que ela envelhece, mas sem exageros. Não se trata de uma imitação", garante.
O espetáculo de Filipe La Féria estreou-se em 1999 e foi um sucesso imediato. Esteve seis anos em cena e ultrapassou os 3,5 milhões de espectadores. "Fez uma grande digressão internacional e em Paris foi uma loucura, com 50 mil espectadores", conta o encenador. A última apresentação foi em 2006. Mas, desde então, diz que não pararam de chegar pedidos para que Amália voltasse. "Recebi imensas cartas e e-mails de pessoas que pediam uma reposição. E achei que a Amália merecia", justifica La Féria. "É a primeira vez que vou repetir um espetáculo, mas como eu não sou capaz de repetir fiz uma nova versão. O texto tem muitas modificações, o cenário, a encenação, é tudo novo."
Mas há alguns atores que regressam aos seus papéis, como é o caso de Alexandra (que faz a Amália mais velha), as cantoras Anabela e Liana (na Amália jovem), os atores Carlos Quintas (que interpreta o compositor Frederico Valério), Nuno Guerreiro (que faz o empresário Soriano) ou Francisco Sobral (como o fadista Alfredo Marceneiro). Ao todo, são mais de 50 cantores, atores, bailarinos e músicos que vão estar em cena no Politeama a partir de amanhã.
Um novo cenário a três dimensões
Filipe La Féria diz que já contou esta história em português, em francês e em inglês, mas conta-a outra vez porque é importante que se saiba que a ideia para este espetáculo partiu da própria Amália Rodrigues: "Eu tinha uma peça em cena que era Maria Callas - Masterclass. E a Amália, que gostava muito dos meus espetáculos e vinha vê-los umas seis ou sete vezes, veio ver a Callas e no fim disse-me: "Mas por que é que você não faz um espetáculo com a história da minha vida? Eu disse-lhe que não sabia muito sobre a vida dela e ela respondeu: "Então leia a biografia do Vítor Pavão dos Santos, como sou eu a falar você vai ficar a saber tudo." E foi isso que fiz. Por um mês ela não viu a estreia, no Funchal."
Amália morreu em outubro de 1999 e o espetáculo acabou por ser uma homenagem à fadista. "Não é uma biografia, é a minha maneira de ver a Amália, isto é um musical, é teatro", sublinha La Féria. "Era uma mulher com uma enorme tristeza dentro de si. Morreu extremamente amargurada e muito esquecida."
A ação começa com a tentativa de suicídio de Amália Rodrigues, em Nova Iorque, quando soube que tinha um cancro e parte depois num flashback até à infância da cantora, que era pobre e vivia com os avós. Mas já encantava todos com a sua voz e com isso ganhava alguns rebuçados. Acompanhamos a relação difícil que tinha com a mãe, as primeiras atuações em casas de fados, o sucesso que alcançou nos teatros. E, ao mesmo tempo, vamos conhecendo as pessoas que foram importantes para Amália - sobretudo os homens, como Ricardo Espírito Santo (interpretação de Carlos Veríssimo) ou Francisco Ricciardi (Hugo Rendas). "Nesta nova versão aprofundei as personagens destes dois homens", explica La Féria.
Uma das grandes novidades deste novo espetáculo é a utilização de um ciclorama, do tamanho do palco, onde são projetados filmes que tanto podem ser imagens dos sítios por onde Amália passou, dos filmes que ela protagonizou, de outros filmes da altura ou de quadros de pintores portugueses, utilizados como cenários a três dimensões. Por exemplo, podemos viajar pelos telhados de Lisboa com uma pintura de Maluda, ou entrar numa típica taberna com o quadro de José Malhoa.
"Amália era uma mulher muito inteligente e de extremo bom gosto e soube sempre rodear-se de pessoas cultas, pintores, compositores, escritores", diz o encenador. "Mas mais do que tudo era um grande talento. Ela revolucionou o fado, há um fado antes da Amália e outro depois. Ela é a montanha, os outros são a colina. Os aplausos neste espetáculo são para ela."
Muitas Amálias no palco
Madalena Gil e Filipa Ferreira, ambas com 10 anos, são as duas meninas escolhidas através de um concurso da SIC para interpretar a Amália criança. "São verdadeiras Shirley Temple", elogia La Féria. Não é fácil para elas, ainda crianças, cantarem toda a tristeza de alguns fados. "Amália tinha um sentimento trágico da vida. Desde pequena sabe o que é ter por companhia a morte. E a morte é também protagonista deste espetáculo. A Amália sabe como a vida é volúvel e breve, mas enquanto estamos vivos temos de a sugar. E ela fê-lo, teve uma vida extraordinária."
Anabela tinha 23 anos quando interpretou pela primeira vez o papel de Amália. Agora tem 40. Nada mudou. "Agora tenho outra maturidade, outro conhecimento, mas é muito difícil interpretar a Amália porque ela tem uma personalidade muito misteriosa. E não fui buscar qualquer recordação do anterior espetáculo para construir esta personagem. O texto é diferente e foi um desafio completamente novo", explica a cantora, que interpreta a Amália jovem, até aos 30 e poucos anos.
Se Alexandra interpreta sobretudo os fados de Alain Oulman, da fase mais madura da cantora, Anabela interpreta o repertório da primeira fase da carreira de Amália. "Gosto muito da fase do Valério, que é a que eu faço. Os fados têm umas letras que podem parecer um bocadinho kitsch ("tive-lhe amor, sofri de dor, dor violenta") mas são coisas de paixões arrebatadoras, que ela viveu intensamente. As melodias do Valério são muito rebuscadas, ele não era um compositor de fados, fazia canções com orquestra, que iam do tom mais grave ao mais agudo, e por isso são muito difíceis de cantar."
Enquanto Anabela está sentada no seu camarim, decorrem ensaios de outras cenas no palco e ela ouve a sua própria voz a cantar pelo sistema de som. Ri-se. "Temos de usar gravações nos ensaios senão ficávamos sem voz", explica. A maquilhadora desenha-lhe uns lábios vermelhos, propositadamente exagerados, para que fique mais parecida com Amália. E depois um último toque: coloca uma cabeleira preta. E pronto, já pode subir ao palco.
Amália
De Filipe La Féria
Estreia-se amanhã,Teatro Politeama, Lisboa
Bilhetes entre os 10 euros e os 30 euros