Dez anos depois dos "indignados", Podemos procura um novo líder
Uma das palavras de ordem dos protestos do 15 de maio de 2011 na Porta do Sol, em Madrid, era "não nos representam". O alvo eram os partidos políticos e uma das principais consequências do "movimento dos indignados" que então nascia foi o fim do bipartidarismo em Espanha. No rescaldo das manifestações, surgiram partidos como o Podemos e o Ciudadanos (nascido na Catalunha) que saltaram para o palco nacional como alternativa ao PSOE e ao PP. Uma década depois, estão em crise, com o Podemos à procura de uma nova liderança.
A partir daquele 15-M de há dez anos, no rescaldo da crise económica de 2008, milhares de pessoas juntaram-se na Porta do Sol e noutras praças espanhola e montaram acampamento, recusando sair durante semanas. Protestavam contra o elevado desemprego (cerca de 20%), nomeadamente entre a nova geração (50% entre os menores de 25 anos), mais qualificada do que nunca, mas também contra os vários casos de corrupção a envolver a elite política e a crise da habitação, que tinha resultado em milhares de despejos nos últimos anos.
Os protestos, que inspiraram outros semelhantes noutros países, eram alimentados pelas redes sociais e não havia uma liderança oficial, com assembleias em cada praça para discutir as preocupações de todos. Em finais de junho, as sondagens mostravam que 79% dos espanhóis considerava que tinham razões para protestar e apoiavam-nos. Os acampamentos acabariam por ser levantados, mas a mensagem ficou. Não foi a revolução prevista, mas deixou marca na sociedade.
No rescaldo do movimento dos indignados, acabaria por surgir em 2014 o Podemos, com Pablo Iglesias à cabeça. Nas europeias desse ano, conseguiram quase 8% dos votos e elegeram cinco eurodeputados, nas legislativas de dezembro de 2015, tiveram mais de 20% e 69 deputados. Essas eleições marcaram o fim do bipartidarismo em Espanha, com o Ciudadanos a eleger também 42 representantes. Apesar de ter vindo a perder deputados ao longo dos anos, o Podemos tornou-se parte da coligação de governo com o PSOE de Pedro Sánchez após as eleições de novembro de 2019.
Apesar desse aparente sucesso, dez anos depois do 15-M, ambos os partidos estão em crise. O Ciudadanos, liderado por Inés Arrimadas, procura reinventar-se para não acabar "engolido" pelo Partido Popular de Pablo Casado, que enfrenta a subida da extrema-direita do Vox de Santiago Abascal. Já o Podemos (que entretanto se aliou à Esquerda Unida para formar a Unidas Podemos), está atrás de um novo líder.
O mau resultado da esquerda nas eleições de Madrid, ficando aquém de Isabel Díaz Ayuso do PP, levou Iglesias a anunciar a demissão. Alegando já não ser um "elemento agregador", deu um passo ao lado, dizendo apenas que estava na hora de uma liderança feminina para o partido. Num gesto simbólico, já cortou o icónico rabo-de-cavalo.
O rosto do futuro é agora Ione Belarra, que quando Iglesias deixou o cargo de vice-primeiro-ministro, passou de secretária de Estado para a Agenda 2030 a ministra dos Direitos Sociais e da Agenda 2030. Nascida em Pamplona há 33 anos, Belarra estudou Psicologia na Universidade Autónoma de Madrid, onde conheceu Irene Montero (a atual ministra da Igualdade e companheira de Iglesias).
Envolvida em vários organismos de defesa dos direitos humanos, desde a Cruz Vermelha à SOS Racismo, milita do Podemos desde o início, apesar de não ter sido membro fundador. Foi cabeça de lista por Navarra logo nas eleições de 2015, sendo deputada desde então, tornando-se porta-voz adjunta do partido no Congresso em 2017, quando a amiga se tornou porta-voz, substituindo-a depois no cargo a partir de julho de 2018.
Após as eleições de abril de 2019, foi uma das responsáveis por negociar com o PSOE um acordo de governo, que se viria a concretizar após as eleições de novembro de 2019. Tal como Montero, também tem uma relação com um colega de partido, Ignacio Ramos Delgado, que já foi assessor do grupo parlamentar. O casal tem um filho.
O processo para eleger quem vai suceder a Iglesias começou esta semana, estando abertas as pré-inscrições para os candidatos até dia 19. Os militantes vão votar entre 6 e 12 de junho, com os resultados a serem conhecidos no dia seguinte, no congresso Vistalegre IV. "Cabe-nos agora refletir, eleger as melhores pessoas que liderarão o projeto nos próximos anos e aprofundar o caminho de continuar a ser uma alternativa, junto com diferentes atores políticos e sociais, para empurrar o processo democrático de mudança no nosso país", indicou o partido.
Belarra pode ser o rosto do futuro do Podemos, mas a ideia é que não seja ela a candidata da aliança Unidas Podemos nas próximas eleições Esse desafio ficará nas mãos de outra mulher: a atual vice-primeira-ministra e titular da pasta do Trabalho, Yolanda Díaz. É militante do Partido Comunista de Espanha, um dos que faz parte da Esquerda Unida, tendo contudo optado por se desvincular desta em 2019. Foi o próprio Iglesias que propôs o seu nome, mas ela ainda não aceitou formalmente. Quando é questionada, limita-se a dizer que não é hora de pensar nisso e que está concentrada na tarefa do governo.
Um dos desafios das novas lideranças, além de não esquecer os "indignados" de há dez anos, será fazerem frente ao Más Madrid e a sua marca nacional, o Más País, do ex-fundador do Podemos Íñigo Errejón, que conseguiu ser o segundo mais votado nas eleições para a comunidade autónoma da capital.
susana.f.salvador@dn.pt