Deusas de sari tanto brilham no cinema como na política
Jayalalithaa simplesmente. Uma verdadeira estrela não precisa de mais do que um nome, aquele que leva os seus fãs a encher as salas de cinema a cada novo filme. Mas se a centena e meia de filmes em que participou lhe deram fama em toda a Índia, foi no Tamil Nadu que os seus dotes frente às câmaras se transformaram em apoio político, dando-lhe cinco mandatos de primeira-ministra estadual entre 1991 e 2016. Aliás, a atriz-política morreu no cargo, com 68 anos, e teve direito a luto nacional por ordem do governo indiano.
Ouvi pela primeira vez vez falar de Jayalalithaa em 1997, numa reportagem de duas semanas pela Índia onde passei por Madrasta, a atual Chenai, capital de um Tâmil Nadu que tem mais de 70 milhões de habitantes e um PIB que o poria, se fosse um país, entre as 50 maiores economias do mundo. Ainda havia quem contasse como ofereceu as joias ao país durante uma das guerras com o Paquistão, para que nada faltasse aos soldados. Curiosamente, escrevi sobre ela no DN quando Jayalalithaa estava remetida a um papel de líder da oposição, coisa que lhe aconteceu algumas vezes. Mas a cada queda em desgraça nas urnas, em regra por causa de acusações de corrupção, seguia-se o regresso vitorioso, imitando assim o sucesso daquele que foi o seu mentor, M.G. Ramachadran, ou MGR, outro ator tâmil de sucesso que chegou a primeiro-ministro estadual e tão popular que lhe chamavam "Makkal Thilagam, o rei do povo". Já Jayalalithaa era tratada mais carinhosamente por "Amma", ou seja "mãe", pois apesar do estilo de vida luxuoso nunca se esquecia de acudir aos mais pobres.
Ora, os filmes que imortalizaram Jayalalithaa foram produzidos quase todos no sul do país, nas várias línguas locais. Só um dos seus filmes como protagonista terá sido em hindi e realizado em Bollywood, o megaestúdio de cinema junto de Mumbai que ganhou esse nome pela junção das palavras Bombaim, a antiga designação da cidade, e Hollywood.
É que por muita fama que tenha, com uns 400 filmes anuais (são ao todo quase dois mil no país), Bollywood está longe de ser todo o cinema indiano, apesar de atrair toda a diversidade da Índia e ser a catapulta garantida para a fama junto de 1300 milhões de pessoas, a quem nos últimos tempos até ensina a importância da higiene. Os seus estúdios são enormes, e neles um dia vi desde chalés suíços até templos hindus, mas nem por isso constam como os maiores da Índia em área. Esse título pertence desde 1996 à Ramovi Film City, em Hyderabad, capital do cinema em língua telegu.
E se não é o maior em área, Bollywood também não é o mais antigo estúdio da Índia, pois há um menos famoso Tollywood desde os tempos coloniais britânicos no subúrbio de Calcutá de Tollygunge, de onde saem todos os anos, calcula-se, mais de uma centena de filmes em bengali.
É tanta a diversidade linguística da Índia, e a criatividade em torno do cinema, que até já foram feitos meia dúzia de filmes em sânscrito, idioma clássico comparável ao que representa hoje o latim na Europa.
Dirão os cinéfilos que por muito que se fale de Bollywood e de outros estúdios indianos, a verdadeira essência do cinema do subcontinente continuam a ser os filmes de alguém como Satyajit Ray, o grande realizador bengali. Certas audiências ocidentais elogiarão antes filmes como Quem Quer Ser Milionário (Slumdog Millionaire), um Bollywood pouco spicy para estrangeiro apreciar. Mas aquilo que faz a magia do cinema indiano são as histórias de patriotismo, amor ou sucesso que deixam sonhar milhões e milhões de espectadores. Aposto que o filme biográfico que vem aí de Jayalalithaa será um sucesso. Há quem se recorde dela como a deusa de sari.