Sidney vivia há cerca de ano e meio em Portugal quando surgiu a oportunidade de ir trabalhar na construção civil no Luxemburgo. Ia ganhar quase o dobro e não pensou duas vezes. Chegou ao Luxemburgo a 14 de fevereiro de 2019 e a 23 de maio era detido pelos serviços de imigração - os documentos que a empresa que o contratou apresentou eram ilegais e não lhe permitiam trabalhar no país. Esteve confinado a um centro de detenção para imigrantes durante 54 dias até ser deportado para o Brasil e agora está impedido de pisar o espaço Schengen durante três anos..Cinco trabalhadores desta empresa - Sidney, Dioclessiano, Fernando, Henrique e Adriano - foram retidos pela imigração luxemburguesa. Três deles foram deportados para o Brasil e dois conseguiram regressar a Portugal. O caso chegou ao conhecimento do Sindicato da Construção de Portugal, que enviou em agosto uma queixa à Polícia Judiciária do Porto..Na queixa dirigida à PJ, o sindicato presidido por Albano Ribeiro solicita a intervenção da polícia junto da empresa de construção civil sediada em Barcelos pela detenção dos trabalhadores no Luxemburgo e acrescenta que "em Portugal, a DistintoSaber falsificou exames médicos no trabalho e descontava aos trabalhadores para a Segurança Social e ficava com o dinheiro"..O DN tentou uma reação da DistintoSaber, mas foi sempre dito pelos funcionários que não estava nenhum responsável que pudesse responder..A história dos trabalhadores angariados por aquela empresa para trabalhar no estrangeiro é um exemplo da exploração a que os imigrantes são sujeitos por parte de algumas empresas, refere o presidente do sindicato. "Temos de ajudar estas pessoas e lutar contra a escravatura moderna. Estas situações estão a acontecer com muitos estrangeiros de várias nacionalidades, angolanos, moçambicanos, indianos, brasileiros. São enganados por pessoas que ganham muito dinheiro com eles", afirma Albano Ribeiro.."Era como se tivéssemos cometido um crime".O relógio marcava mais ou menos 11 horas quando a polícia e os agentes da imigração cercaram a obra - a construção de um asilo a 85 km da cidade do Luxemburgo. "Pediram a documentação de quem lá estava e quem não tinha documentação foi levado", conta Sidney..Ele foi um dos trabalhadores levados pelas autoridades. Antes disso ainda esperou cerca de duas horas para que a empresa enviasse documentação a provar que os trabalhadores estavam legais. O que foi enviado não tinha validade que lhe permitisse trabalhar no Luxemburgo.."Fui foi ao hospital escoltado por sete polícias para fazer o corpo de delito muito constrangido porque nunca tive problemas com a polícia, era como se tivesse cometido um crime. Não estávamos algemados, mas quando passávamos até afastavam o pessoal. Tentámos manter a dignidade", conta..Depois do hospital, Sidney seguiu para a esquadra e daí para o centro de detenção onde esteve 54 longos dias, sempre a tentar regressar a Portugal, onde, garante, pagava os seus impostos. Mesmo com o apoio de um advogado, e apesar de inicialmente ter conseguido um agendamento com o SEF, foram-lhe sempre dadas justificações para que o processo não seguisse. "Umas vezes porque as fotos só mostravam uma parte do rosto, outras porque havia falta de documentação, outras porque não chegavam...".Desistiu da deportação para Portugal - onde já estava a construir uma nova vida familiar - e pediu para regressar ao Brasil. "Para quem tinha uma vida estável, tudo se complicou."."Dono da empresa dizia-me para entrar em Portugal por Marrocos".A deportação aconteceu. Sidney chegou ao Brasil a 17 de junho e dois dias depois estava a embarcar outra vez para a Europa. "O patrão da DistintoSaber enviou-me um bilhete via Madrid e disse que ia a Espanha buscar-me de carro. Mas não cheguei a sair do aeroporto. Eu ainda disse que só queria ir ver a minha família, mas os serviços espanhóis de imigração responderam que teriam de me deportar para o Brasil ou então teria de ficar 30 dias no abrigo do aeroporto à espera de autorização para sair.".E assim, nesse mesmo dia à noite, Sidney volta a ser metido num avião rumo ao Brasil. "Depois disso, o dono da empresa ligava-me, queria que fosse para Marrocos e apanhasse um barco para Portugal, mas o advogado disse-me que era ilegal e que iria ficar nas mãos dele e que me denunciaria quando não fizesse o que ele queria. Optei por não ir", conta ao DN, a partir de Belo Horizonte..Sidney diz que desde o momento em que foi detido até ser deportado - 54 dias depois - o patrão não lhe pagou o salário. Aliás, como foi detido antes do almoço, desse dia de trabalho só recebeu metade. "O advogado da empresa não me ligava, era eu que ligava. Ou então era a secretária que me contactava porque queria ajudar. O patrão só ligou duas vezes enquanto estive retido - uma para dar uma de bom moço e a outra para perceber se eu estava falando."."A vida de imigrante já é muito dura. E agora perdi tudo e tenho de começar de novo por causa de uma situação fraudulenta. Quando fui detido fiquei dois ou três dias com a roupa do corpo. Foram pessoas que não tinham nada que ver com a empresa que nos ajudaram", lamenta Sidney.."Acharam que eu era um criminoso, mas eu só queria trabalhar".E conta como toda esta situação afetou a sua dignidade, o humilhou: "Ser escoltado ao avião pela polícia, ver o nosso passaporte ser entregue ao piloto, abala o nosso ser. Quando cheguei ao Brasil perguntaram-me porque fui deportado, se fui pego com droga. Na escala em Amesterdão, acharam que eu era um criminoso, mas eu só queria trabalhar"..O que mais indigna Sidney é que tinha avisado o patrão da detenção de Henrique e Dioclessiano. "O patrão sabia, desde que eles foram detidos, que os documentos não eram legais e deixou a gente lá. Passaram 25 dias entre a detenção de Henrique e a minha e ele não fez nada", acusa..Dioclessiano, 38 anos, chegou a 21 de março ao Luxemburgo e a 23 de abril estava detido. "Não tive apoio da empresa, que só me pagou metade do salário, os 10 ou 12 dias que estive detido não me pagaram. Ficaram a dever-me 450 euros.".O eldorado que se transformou em inferno.No centro de detenção, afirma, esteve três dias sem poder falar com ninguém porque as autoridades apreenderam-lhe o telemóvel. "Mandaram-nos com um contrato que não era válido, jogaram tudo para cima de nós. Agora o patrão não fala, não tem argumentos. Foi muito humilhante, todo o mundo olhando para a agente como se fôssemos criminosos sem termos feito nada. Se tivesse feito um negócio errado estava a pagar pelo que fiz, mas não fiz nada de errado.".Ninguém diria que a sua história ia acabar assim. Chegou a Portugal numa quarta-feira de fevereiro e dois dias depois já estava a trabalhar na construção civil - que mais poderia esperar? Só que durante três meses trabalhou numa obra em Massamá a troco de comida e alojamento. Até fez o número da Segurança Social, mas não tinha contrato, o patrão não lhe pagou mais nada..Sete meses depois, trouxe a mulher, Silvana. A ida para o Luxemburgo, a ganhar dez euros à hora, 80 euros por dia, parecia um eldorado que, afinal, se revelou um inferno. "Estive um ano e pouco em Portugal e não colhi nada. Ainda devo dinheiro."
Sidney vivia há cerca de ano e meio em Portugal quando surgiu a oportunidade de ir trabalhar na construção civil no Luxemburgo. Ia ganhar quase o dobro e não pensou duas vezes. Chegou ao Luxemburgo a 14 de fevereiro de 2019 e a 23 de maio era detido pelos serviços de imigração - os documentos que a empresa que o contratou apresentou eram ilegais e não lhe permitiam trabalhar no país. Esteve confinado a um centro de detenção para imigrantes durante 54 dias até ser deportado para o Brasil e agora está impedido de pisar o espaço Schengen durante três anos..Cinco trabalhadores desta empresa - Sidney, Dioclessiano, Fernando, Henrique e Adriano - foram retidos pela imigração luxemburguesa. Três deles foram deportados para o Brasil e dois conseguiram regressar a Portugal. O caso chegou ao conhecimento do Sindicato da Construção de Portugal, que enviou em agosto uma queixa à Polícia Judiciária do Porto..Na queixa dirigida à PJ, o sindicato presidido por Albano Ribeiro solicita a intervenção da polícia junto da empresa de construção civil sediada em Barcelos pela detenção dos trabalhadores no Luxemburgo e acrescenta que "em Portugal, a DistintoSaber falsificou exames médicos no trabalho e descontava aos trabalhadores para a Segurança Social e ficava com o dinheiro"..O DN tentou uma reação da DistintoSaber, mas foi sempre dito pelos funcionários que não estava nenhum responsável que pudesse responder..A história dos trabalhadores angariados por aquela empresa para trabalhar no estrangeiro é um exemplo da exploração a que os imigrantes são sujeitos por parte de algumas empresas, refere o presidente do sindicato. "Temos de ajudar estas pessoas e lutar contra a escravatura moderna. Estas situações estão a acontecer com muitos estrangeiros de várias nacionalidades, angolanos, moçambicanos, indianos, brasileiros. São enganados por pessoas que ganham muito dinheiro com eles", afirma Albano Ribeiro.."Era como se tivéssemos cometido um crime".O relógio marcava mais ou menos 11 horas quando a polícia e os agentes da imigração cercaram a obra - a construção de um asilo a 85 km da cidade do Luxemburgo. "Pediram a documentação de quem lá estava e quem não tinha documentação foi levado", conta Sidney..Ele foi um dos trabalhadores levados pelas autoridades. Antes disso ainda esperou cerca de duas horas para que a empresa enviasse documentação a provar que os trabalhadores estavam legais. O que foi enviado não tinha validade que lhe permitisse trabalhar no Luxemburgo.."Fui foi ao hospital escoltado por sete polícias para fazer o corpo de delito muito constrangido porque nunca tive problemas com a polícia, era como se tivesse cometido um crime. Não estávamos algemados, mas quando passávamos até afastavam o pessoal. Tentámos manter a dignidade", conta..Depois do hospital, Sidney seguiu para a esquadra e daí para o centro de detenção onde esteve 54 longos dias, sempre a tentar regressar a Portugal, onde, garante, pagava os seus impostos. Mesmo com o apoio de um advogado, e apesar de inicialmente ter conseguido um agendamento com o SEF, foram-lhe sempre dadas justificações para que o processo não seguisse. "Umas vezes porque as fotos só mostravam uma parte do rosto, outras porque havia falta de documentação, outras porque não chegavam...".Desistiu da deportação para Portugal - onde já estava a construir uma nova vida familiar - e pediu para regressar ao Brasil. "Para quem tinha uma vida estável, tudo se complicou."."Dono da empresa dizia-me para entrar em Portugal por Marrocos".A deportação aconteceu. Sidney chegou ao Brasil a 17 de junho e dois dias depois estava a embarcar outra vez para a Europa. "O patrão da DistintoSaber enviou-me um bilhete via Madrid e disse que ia a Espanha buscar-me de carro. Mas não cheguei a sair do aeroporto. Eu ainda disse que só queria ir ver a minha família, mas os serviços espanhóis de imigração responderam que teriam de me deportar para o Brasil ou então teria de ficar 30 dias no abrigo do aeroporto à espera de autorização para sair.".E assim, nesse mesmo dia à noite, Sidney volta a ser metido num avião rumo ao Brasil. "Depois disso, o dono da empresa ligava-me, queria que fosse para Marrocos e apanhasse um barco para Portugal, mas o advogado disse-me que era ilegal e que iria ficar nas mãos dele e que me denunciaria quando não fizesse o que ele queria. Optei por não ir", conta ao DN, a partir de Belo Horizonte..Sidney diz que desde o momento em que foi detido até ser deportado - 54 dias depois - o patrão não lhe pagou o salário. Aliás, como foi detido antes do almoço, desse dia de trabalho só recebeu metade. "O advogado da empresa não me ligava, era eu que ligava. Ou então era a secretária que me contactava porque queria ajudar. O patrão só ligou duas vezes enquanto estive retido - uma para dar uma de bom moço e a outra para perceber se eu estava falando."."A vida de imigrante já é muito dura. E agora perdi tudo e tenho de começar de novo por causa de uma situação fraudulenta. Quando fui detido fiquei dois ou três dias com a roupa do corpo. Foram pessoas que não tinham nada que ver com a empresa que nos ajudaram", lamenta Sidney.."Acharam que eu era um criminoso, mas eu só queria trabalhar".E conta como toda esta situação afetou a sua dignidade, o humilhou: "Ser escoltado ao avião pela polícia, ver o nosso passaporte ser entregue ao piloto, abala o nosso ser. Quando cheguei ao Brasil perguntaram-me porque fui deportado, se fui pego com droga. Na escala em Amesterdão, acharam que eu era um criminoso, mas eu só queria trabalhar"..O que mais indigna Sidney é que tinha avisado o patrão da detenção de Henrique e Dioclessiano. "O patrão sabia, desde que eles foram detidos, que os documentos não eram legais e deixou a gente lá. Passaram 25 dias entre a detenção de Henrique e a minha e ele não fez nada", acusa..Dioclessiano, 38 anos, chegou a 21 de março ao Luxemburgo e a 23 de abril estava detido. "Não tive apoio da empresa, que só me pagou metade do salário, os 10 ou 12 dias que estive detido não me pagaram. Ficaram a dever-me 450 euros.".O eldorado que se transformou em inferno.No centro de detenção, afirma, esteve três dias sem poder falar com ninguém porque as autoridades apreenderam-lhe o telemóvel. "Mandaram-nos com um contrato que não era válido, jogaram tudo para cima de nós. Agora o patrão não fala, não tem argumentos. Foi muito humilhante, todo o mundo olhando para a agente como se fôssemos criminosos sem termos feito nada. Se tivesse feito um negócio errado estava a pagar pelo que fiz, mas não fiz nada de errado.".Ninguém diria que a sua história ia acabar assim. Chegou a Portugal numa quarta-feira de fevereiro e dois dias depois já estava a trabalhar na construção civil - que mais poderia esperar? Só que durante três meses trabalhou numa obra em Massamá a troco de comida e alojamento. Até fez o número da Segurança Social, mas não tinha contrato, o patrão não lhe pagou mais nada..Sete meses depois, trouxe a mulher, Silvana. A ida para o Luxemburgo, a ganhar dez euros à hora, 80 euros por dia, parecia um eldorado que, afinal, se revelou um inferno. "Estive um ano e pouco em Portugal e não colhi nada. Ainda devo dinheiro."