Desunião, moção de censura, ataques: França mergulha na incerteza

A segunda volta deixou a coligação do presidente Macron bem longe da maioria absoluta. A esquerda foi segunda, mas não se entende sobre um grupo parlamentar único.
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Enquanto os novos deputados desfilavam pelo Palais-Bourbon, em Paris, a incerteza sobre o futuro político em França era total. Com a segunda volta das legislativas, no domingo, a deixar a coligação do presidente Emmanuel Macron, Ensemble!, bem longe da maioria absoluta (obteve 245 lugares dos 577 da Assembleia Nacional) e a dar à extrema-direita de Marine Le Pen um resultado inédito: passou de oito deputados para 89, revelando o fim da frente republicana, ontem foi dia de muita incerteza, de algumas ameaças e demarcações e das primeiras fissuras na Nupes. A Nova União Popular Ecológica e Social, que junta França Insubmissa, de Jean-Luc Mélenchon, ecologistas do EELV, comunistas e socialistas, foi a segunda mais votada, conseguindo 131 deputados.

Perante este cenário, Emmanuel Macron e os seus aliados centristas ficam reféns de acordos com outros partidos para aprovar todas as propostas de lei. E para aqueles que apostavam em algum tipo de acordo mais formal entre os macronistas e a direita tradicional, o líder d"Os Republicanos (que elegeram 61 deputados) veio esclarecer: "Nem pacto, nem coligação, nem qualquer acordo seja de que tipo for". E Christian Jacob até aproveitou para atacar Macron, afirmando que o presidente "fraturou o país como nunca, instrumentalizou os extremos e colocou a França na situação que vivemos hoje". E rematou: "Opomo-nos a En Marche! [de Macron], à União Nacional [de Le Pen] e à extrema-esquerda e vamos continuar nesta linha".

Outro ataque partiu da Nupes, com a coligação liderada por Mélenchon a anunciar no Twitter que tenciona apresentar uma moção de censura contra o governo já a 5 de julho - dia em que a primeira-ministra Élizabeth Borne, deve fazer uma declaração política geral perante os deputados. Mas para tal Borne terá de ter conseguido até lá completar a sua nova equipa de governo e garantido o que a própria chefe do Executivo apelidou no domingo à noite de "maioria de ação", para poder iniciar as reformas que prometeu - com o aumento da idade da reforma para 65 anos a ser uma das mais polémicas.

Ora se para apresentar uma moção de censura são necessários 58 deputados, para esta ser aprovada tem de receber os votos favoráveis de metade dos deputados.

Algo que parece pouco provável, não só a Nupes só ter 131 - o que exigiria o apoio de várias outras formações - como a própria coligação das esquerdas começou ontem a mostrar sérias fissuras. Perante a proposta de Melénchon de formarem apenas um grupo parlamentar na Assembleia, socialistas, ecologistas e comunistas disseram imediatamente que não. "Nunca se tratou de um grupo único. Haverá um grupo socialista na AN", garantiu Pierre Jouvet, porta-voz do PS. Posição partilhada pelos ecologistas - "Nem pensar em fundir-nos num único grupo" - e pelos comunistas - "somos favoráveis a um intergrupo mas não um grupo comum".

A fragmentação da esquerda na AN tem uma consequência direta: a União Nacional de Le Pen, com 89 deputados (mais 12 do que a França Insubmissa de Mélenchon, será a maior força de oposição.

Ora se os 35 deputados conseguidos pelo pai Le Pen em 1986 resultaram de uma alteração do sistema eleitoral - de uninominal a duas voltas para proporcional -, rapidamente revertida pelo presidente Mitterrand que dois anos depois dissolveu a Assembleia e convocou novas eleições, os 89 de Le Pen filha são muito fruto do fim da frente republicana que até agora bloqueava a chegada da extrema-direita ao Parlamento francês.

Para já Marine Le Pen anunciou que vai deixar a liderança do partido para se dedicar à liderança de um grupo parlamentar constituído quase todo por novatos.

Já Macron manteve ontem o silêncio, tendo almoçado com Borne no Eliseu. A prioridade agora é remodelar o governo constituído depois da sua vitória nas presidenciais de abril, pelo menos para substituir os ministros que não foram eleitos deputados - como a da Saúde e a da Transição Ecológica -, cumprindo uma regra criada por Macron.

O próprio calendário dos próximos dias parece incerto. O primeiro plenário está marcado para dia 28, mas o Conselho de Ministros marcado para hoje foi anulado.

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