Como é que os consumidores distribuem os gastos pelos diferentes bens? Que parte do rendimento é gasta e que parte é poupada? Como se mede e analisa o bem-estar social e a pobreza? As respostas a estas perguntas valeram ao escocês Angus Deaton o Nobel da Economia, atribuído ontem pela Real Academia Sueca de Ciências..Não era um dos favoritos para ganhar o prémio, mas Angus Deaton é um nome incontornável. "É uma das figuras clássicas. É difícil uma pessoa acabar uma licenciatura em Economia sem dar o sistema de procura, que é hoje a base de tratamento de qualquer análise de consumo", refere ao DN/Dinheiro Vivo o economista João César das Neves, professor da Católica-Lisbon, referindo-se ao sistema de medição da procura de bens que Angus Deaton criou, com John Muellbauer, na década de 1980. Esse sistema (distinguido pela American Economic Review como um dos 20 estudos mais influentes dos últimos cem anos), a par dos estudos que relacionam o consumo e o rendimento feitos durante a década de 90 e da medição dos níveis de vida e da pobreza nos países em desenvolvimento, foi o trabalho de Deaton que convenceu a Academia..O que justifica esta distinção, mais de três décadas depois de o economista escocês ter publicado o primeiro trabalho relevante, é a agenda política. Numa altura em que a erradicação da pobreza extrema até 2030 é um dos grandes objetivos das economias desenvolvidas, Angus Deaton surge "do lado certo da história", sintetiza Pedro Brinca, da Nova School of Business and Economics, ao DN/Dinheiro Vivo. Mais do que isso, a teoria do economista escocês foi determinante para implementar algumas políticas económicas..O professor dá o exemplo da ligação que Deaton fez entre o consumo calórico e o rendimento. O economista escocês procurou definir se as pessoas têm baixos rendimentos porque não consomem calorias suficientes e, portanto, não conseguem ser produtivos e caem numa armadilha de pobreza; ou se, por outro lado, consomem poucas calorias porque não conseguem auferir rendimentos suficientes. E concluiu que é esta segunda razão de causalidade que prevalece. "Estas perguntas são extremamente importantes do ponto de vista da política, porque são elas que vão ajudar a perceber o que é mais eficaz para ajudar as pessoas: é melhor mudar as políticas de mercado para que as pessoas tenham maior acesso a empregos; ou o melhor é dar comida às pessoas para que se tornem mais produtivas e tenham mais oportunidades de trabalho?", explica Pedro Brinca..As escolhas individuais.No comunicado divulgado ontem, a Academia defende que é preciso compreender as escolhas individuais de consumo para que seja possível construir políticas económicas que promovam o bem-estar e reduzam a pobreza. Angus Deaton, "mais do que ninguém, aumentou essa compreensão", ao relacionar comportamentos individuais e resultados agregados. "A sua análise ajudou a transformar os campos da microeconomia, macroeconomia e desenvolvimento económico", reconheceu o comité..Neste campo, o que Deaton fez foi estabelecer ligações entre o nível de despesa que cada um quer alocar ao consumo e como vai alocar a cada bem essa despesa, em função dos preços dos diferentes bens, explica Pedro Brinca. "Os modelos que existiam na altura, que ligavam os preços à quantidade de dinheiro gasta nesses bens, não eram satisfatórios. Esta foi a sua primeira grande contribuição e teve implicações práticas na economia da agricultura ou na medição da inflação", por exemplo..A segunda grande contribuição, acrescenta o professor da Nova, está intimamente relacionada com a primeira: "Como é que vou gastar a quantidade de despesa que quero ter, isto é, como e quanto é que cada um decide consumir e poupar.".Nascido em Edimburgo, na Escócia, em 1945, Angus Deaton é cidadão britânico e norte-americano. Prestes a completar 70 anos, dá aulas de Economia e de relações internacionais e faz investigação na Universidade de Princeton, nos EUA, desde 1983. Atualmente, dedica-se à medição da pobreza na Índia e em outros países, bem como à análise do funcionamento de agregados familiares. Dentro deste último tema, um dos aspetos que tem vindo a estudar mais frequentemente é a discriminação de géneros nos agregados familiares de países em desenvolvimento.