"Desde 1989 que não havia tanta incerteza no Brasil"

Marco Antonio Teixeira, professor da Faculdade Getúlio Vargas, de São Paulo, fala ao DN a propósito dos 100 dias para as eleições presidenciais de 7 de outubro no Brasil
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A 100 dias da eleição ninguém sabe sequer quem vai à segunda volta. Lembra-se de outra eleição assim?
De 1994 até hoje já se sabia por esta altura que ou ganhava o candidato do PSDB ou o do PT. Desde 1989, quando venceu o Collor noutra eleição fragmentada que não há havia tanta incerteza como agora.

A Lava-Jato explica o fenómeno?
A Lava-Jato, claro, ao desmoralizar a generalidade dos políticos, mas também a descrença no PSDB e no PT, os partidos que vinham gerando os presidentes, e a incapacidade da política brasileira de se renovar: na sua vizinha Espanha, apareceu Podemos e Ciudadanos, na França o [Emmanuel] Macron, aqui nada. O sistema político brasileiro é muito conservador, o tempo de antena favorece quem já está estabelecido, as alianças partidárias também, é difícil fugir da força do PT, do PSDB e, claro, do MDB.

Lula da Silva (PT), mesmo preso, será sempre protagonista.
É uma eleição marcada pela incerteza e o principal fator dessa incerteza é o Lula. Mesmo havendo hipóteses mínimas de ele ser candidato, caso seja é quase certo que tem lugar na segunda volta. Caso não seja, mesmo assim vai ter peso porque quem Lula apoiar terá hipóteses de chegar a essa segunda volta.

Lula acabará por apoiar Ciro Gomes (PDT)?
Ciro depende muito da decisão de Lula. Mas eu acredito que o PT não abrirá mão de ter um candidato próprio. E esse candidato será competitivo. Sondagens demonstram que Fernando Haddad (PT) teria cerca de 1% quando o seu nome era divulgado sem mais informação e que teria de 11% a 12% quando se referia no inquérito que era o candidato do Lula. Numa eleição muito fragmentada, essa pontuação, que valerá um terço da do Lula, é ainda assim significativa e pode representar chegar à segunda volta.

Outro fator interessante é Marina Silva.
Ela tem potencial de voto alto mas não tem estrutura: só uns 10 segundos de televisão e direito a pouco financiamento por ser de um partido pequeno, o Rede, e pouca capacidade de formar alianças. Não tenho a certeza que sobreviverá.

Geraldo Alckmin pode unir o centro-direita?
Alckmin depende da capacidade de fechar alianças, para ter mais tempo de antena e estrutura financeira, e de subir nas sondagens em São Paulo e Minas Gerais, os dois estados mais populosos e onde o PSDB costuma ter força. Em São Paulo, de onde ele está a sair do governo, não passa dos 36% de aprovação. Em 2006, também saiu do governo do estado para a candidatura ao Planalto com 66% e mesmo assim perdeu... Não foi só o PT que se desgastou nos últimos anos, o PSDB também e sobretudo em Minas Gerais, de onde é Aécio Neves, e onde o antigo governador tucano [membro do PSDB] Eduardo Azeredo acaba de ser condenado por causa do Mensalão mineiro, dos anos 90.

Bolsonaro já pode ser considerado um caso sério?
Até ao início do ano havia gente que ainda não o levava a sério. Agora, com 18% ou 19% nas sondagens já deve ser levado sim. Mas se não baixou nas sondagens também é certo que parece ter atingido o seu teto. Teto esse que, no entanto, dada a fragmentação, significa passagem à segunda volta.

Na segunda volta a ideia será todos contra Bolsonaro?
Todos o querem na segunda volta porque sabem que num cenário de Bolsonaro seja contra quem for, toda a gente vai apoiar o seu adversário, seja Ciro, seja Marina. Até se for Bolsonaro-Alckmin, o PT apoiará o Alckmin e se for Bolsonaro-Haddad, o PSDB apoiará o Haddad. É inevitável, não há outro caminho.

Em São Paulo

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