Desafios 2017. Para Passos, sobreviver. Para os outros, crescer

Três cientistas políticos - Carlos Jalali, Marina Costa Lobo e André Freire - antecipam ao DN as principais prioridades dos seis principais líderes políticos nacionais
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Depois de um ano de descanso, o país voltará em 2017 a ter eleições nacionais, as autárquicas (serão em setembro ou outubro). Enquanto para António Costa, Assunção Cristas, Catarina Martins e Jerónimo de Sousa os cientistas políticos ouvidos pelo DN - Carlos Jalali, Marina Costa Lobo e André Freire - advogam o desafio de crescerem em influência, para Passos Coelho a fasquia de exigência é mais baixa: apenas sobreviver.

Passos Coelho corporiza o maior paradoxo da vida política nacional: dirige o maior partido parlamentar e é o líder com mais dificuldades internas. Para ele, mais do que para todos os outros, 2017 será um ano decisivo. É consensual que as autárquicas lhe deverão representar um enorme desafio. O PSD parte de uma base péssima: 106 presidências de câmara, ou seja, menos 43 do que as do PS. Pedir-lhe que vença é pedir o impossível. Ao arrastar uma decisão sobre Lisboa, Passos tem ele próprio colaborado no cerco que internamente lhe estão a montar.

Mas para o primeiro-ministro as circunstâncias também serão desafiantes. O governo chega a 2017 com um défice pela primeira vez em muitos anos abaixo dos 3% - Costa já disse que poderá ficar abaixo dos 2,5% - e com a economia a crescer incipientes 1,2%, mesmo assim um pouco mais do que esperava a meio do ano. Na dívida pública é que o trajeto é preocupante - no final de setembro estava em 133,1% do PIB, valor nunca visto (ver pág. 10).

Os cientistas políticos ouvidos pelo DN sublinham que, para o primeiro-ministro, compatibilizar o cumprimento dos compromissos europeus do governo do PS com os compromissos assinados com a esquerda será uma tarefa cada vez mais exigente. Bloco e PCP insistem em puxar o PS para a esquerda e logo no início do ano colocarão na agenda parlamentar medidas de revogação de tudo o que a troika e o governo PSD-CDS puseram no Código do Trabalho. Todas são um teste à relação de Costa com Bruxelas, que no mercado laboral assume uma postura ultra conservadora.

Pelo meio existe o Presidente da República. Até agora tem sido um protagonista colaborante com o governo, mas poderá estar interessado em aproximar-se da base que o elegeu, o eleitorado PSD-CDS. O almoço de quinta-feira em Belém com o líder do PSD pode ser visto nesse contexto.

Marcelo Rebelo de Sousa
Acumular apoio popular sem saturar
Marcelo Rebelo de Sousa está, com a sua hiperatividade política, a "saturar os media" e um dos seus desafios é "evitar os riscos de excesso de exposição", diz Marina Costa Lobo. Manter a popularidade é, para os três politólogos ouvidos pelo DN, algo central entre as prioridades do Presidente da República em 2017. Porque a popularidade é neste cargo a principal arma. Carlos Jalali sublinha, pelo meio, que 2016 ainda não foi um ano de grandes provas para o Presidente. Em 2017, as coisas poderão evoluir de forma diferente e, segundo Jalali, Marcelo tem de continuar a ser "o garante da estabilidade política mantendo uma posição suprapartidária", porque é precisamente esta posição acima dos partidos que lhe permite eficácia na fiscalização do executivo. Do que Marina Costa Lobo e André Freire também falam é da necessidade de o Presidente "dar sinais" de aproximação em relação a quem o elegeu para Belém. E isto não sacrificando "a boa convivência com o governo" de António Costa.

António Costa
Continuar a quadratura do círculo
Quadratura do Círculo é o nome do programa de comentário político na SIC Notícias em que António Costa participou até novembro de 2014. E é isso que, segundo o politólogo Carlos Jalali, o primeiro-ministro tem de continuar a fazer: "A quadratura do círculo, isto é, manter os compromissos europeus e articular isso com os acordos à esquerda." Outros dois cientistas políticos ouvidos pelo DN, Marina Costa Lobo e André Freire, falam no mesmo desafio, mas acrescentam outros. Freire, por exemplo, sugere que Portugal aproveite a boleia se os gregos iniciarem com a UE um processo de renegociação da dívida. E Marina Costa Lobo diz que é preciso "controlar a dívida, que está a aumentar, e controlar o défice sem adiar despesa", que "o desafio do crescimento económico é fundamental", e "ir para além da navegação à vista" e "mostrar uma visão para o país de médio e longo prazo".


Pedro Passos Coelho
Deixar de falar no diabo que aí vem
Marina Costa Lobo e André Freire usam a mesma palavra para o principal desafio de Passos Coelho em 2017: sobreviver. As facas já se afiam no PSD e poderão ser desembainhadas se as autárquicas correrem mal. Ora a base de onde o partido parte é tão baixa - menos 43 presidências do que o PSD -, que pensar numa vitória é do domínio do lírico. Se Passos cair - assinala Carlos Jalali - será a primeira vez que o país verá o líder do maior partido parlamentar a afastar-se. Marina Costa Lobo e André Freire sublinham a necessidade de o líder do PSD abandonar o discurso do "diabo que aí vem". "Sem perder a sua identidade, tem de fazer uma inflexão no discurso, ser capaz de inovar, infletir em direção ao centro", diz Freire. Ou, acrescenta Marina, "aproximar o PSD de um eleitorado mais centrista, que está órfão porque o PS virou à esquerda". Os dois divergem, porém, sobre um eventual apoio do PSD à candidatura de Assunção Cristas a Lisboa. Marina acha que fará mal, Freire pelo contrário. Este aliás afirma que um dos desafios do PSD é "rentabilizar ao máximo os acordos autárquicos com o CDS, nomeadamente nos grandes centros urbanos".

Catarina Martins
Fazer a influência converter-se em votos
O Bloco de Esquerda vai começar 2017 - tal como o PCP - afirmando bandeiras que autonomizam o partido em relação ao PS, por exemplo revogando tudo o que PSD e o CDS puseram no Código do Trabalho na legislatura 2011-2015. O desafio é sempre o mesmo: não deixar que a lealdade ao espírito da "geringonça" seja percecionada como submissão. Ou, como diz Carlos Jalali, "puxar o PS para a esquerda em vez de ser o PS a puxar o BE para o centro". No dizer de Marina Costa Lobo, uma das prioridades de Catarina Martins é "conseguir capitalizar nas sondagens a influência que tem no governo". Até agora, a julgar pelas sondagens, "quem capitalizou foi António Costa e isso pode tornar-se incómodo para o BE". O BE enfrenta, no entanto, o problema das autárquicas, onde não dispõe de uma única câmara - "um partido sem chão", como diz Marina Costa Lobo. André Freire recomenda, pelo seu lado, que BE e PCP "minimizem os despiques" que têm mantido entre si.

Assunção Cristas
Emancipar-se de Portas e encontrar uma voz própria
Para Carlos Jalali, ainda paira sobre a liderança de Assunção Cristas no CDS "a longa sombra do Dr. Paulo Portas". E, portanto, no seu entender, um dos desafios da líder centrista é "emancipar-se, fazer substituir o portismo pelo cristanismo". André Freire acha que ainda "há défice de afirmação" na intervenção pública de Assunção Cristas, e foi enquadrada por esse esforço que a líder do CDS avançou com uma candidatura a Lisboa - "uma boa aposta". Marina Costa Lobo, pelo seu lado, advoga a necessidade de o CDS "capitalizar o desnorte do PSD". Esse desnorte - afirma - pode beneficiar o CDS, mas também o PS. Do que se trata, portanto, é de Cristas conseguir que isso beneficie o CDS. A politóloga acha que Cristas tem ainda um outro desafio, o da "clarificação ideológica". "É liberal, é conservador, é o quê?" Ou seja, para Assunção Cristas, uma prioridade é igualmente "encontrar a sua voz".

Jerónimo de Sousa
Fazer a influência converter-se em votos (II)
Os cientistas políticos ouvidos pelo DN tendem a avaliar os desafios de Jerónimo de Sousa para 2017 em conjunto com os da líder do Bloco de Esquerda, Catarina Martins - quase como se os dois partidos fossem um só e como se as prioridades de ambos fossem no essencial semelhantes: capitalizarem eleitoralmente a influência na governação, não deixarem o PS crescer para a maioria absoluta. Há, no entanto, especificidades próprias do PCP. A principal, em 2017, será a afirmação (ou não) do seu poderio autárquico, o que coloca o partido numa posição de superioridade em relação ao Bloco de Esquerda. Os comunistas controlam a presidência de 34 câmaras. Menos do que isto é perder. Além do mais, Carlos Jalali salienta que Jerónimo de Sousa poderá no último congresso do PCP ter iniciado o seu último mandato como líder do partido - o que significa que há um processo de sucessão a iniciar-se.

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