Os especialistas tinham alertado desde cedo para este cenário: se não houvesse reflorestação, as espécies invasoras tomariam conta do território. Quando faltam poucos meses para completar cinco anos sobre o grande incêndio que devastou todo o Pinhal Interior, a partir de Pedrógão Grande, já não é só o eucalipto que domina a paisagem. Quem percorre o IC8 vê-a agora em tons de amarelo, graças à acácia, que está por todo o lado, com prejuízos igualmente (ou mais) graves para os solos.."A folha dos eucaliptos já não está azulinha, como a vimos há três anos. E não havendo ali qualquer tipo de intervenção humano, obviamente que as acácias progridem", afirma ao DN Paulo Pimenta de Castro, presidente da Acréscimo, Associação de Promoção ao Investimento Florestal, que em junho de 2019 percorreu com uma equipa de reportagem deste jornal o caminho do fogo, constatando então que, já na altura, a região era, de novo, "um barril de pólvora".."As acácias são também de origem australiana e, tal como o eucalipto, igualmente espécie de ecossistema de fogo. E têm uma rebentação extremamente forte, logo a seguir ao incêndio. E pode ganhar algum terreno ao eucalipto. E neste momento estamos numa situação de dificuldade. Porque arrancá-las é extremamente complicado e oneroso"..A dimensão do problema é vasta, "não apenas em termos ecológicos e ambientais, como de acordo com a legislação em vigor". Quem o afirma é Elisabete Marchante, investigadora da universidade de Coimbra, que a par da irmã, Hélia Marchante, integra uma equipa que há anos se dedica a aprofundar o comportamento das espécies invasores em Portugal.."Elas já lá estavam antes do fogo. Não surgiram de forma espontânea. Há várias invasoras que beneficiam muito com o fogo e que aumentaram muito depois dos incêndios de 2017. O que acontece este ano é que, como não choveu, são muito mais visíveis, porque conservaram as flores amarelas", explica ao DN a investigadora, que até há pouco tempo foi responsável por um projeto em Figueiró dos Vinhos, cujo objetivo era precisamente "evitar o que agora estamos a ver". Tratou-se de um projeto que começou antes do grande incêndio de há cinco anos (que começou em Pedrógão Grande mas atingiu fortemente os concelhos de Castanheira de Pera e Figueiró) e tinha por objetivo controlar duas espécies invasoras de acácias: a mimosa e a australiana. "A área do projeto não ardeu desta vez, apenas uma parte marginal ardeu um pouco", conta Elisabete Marchante. A investigadora lembra que a primeira tentação dos organismos é fazer o controlo das áreas onde a acácia é mais visível, "mas estrategicamente faz mais sentido começar pelas áreas com pequenas manchas, onde o investimento necessário é menor e os resultados têm maior probabilidade de sucesso e onde não se deixa aumentar para áreas muito maiores"..As acácias reproduzem muitas sementes, que por sua vez se acumulam no solo ao longo de dezenas de anos. "Isso quer dizer que é como se fosse um banco de sementes, e depois quando há um incêndio, uma abertura de espaço, vai germinar. E daí a invasão que vem a seguir. Por isso todo o investimento que se possa fazer em controlar enquanto as áreas são pequenas, consegue-se com menos menos evitar uma área muito maior para ter que fazer controlo, que é muito difícil e muitas vezes não se consegue sequer". De resto, a investigadora considera que, neste momento, estamos já nesse plano, em muitas zonas do território nacional. "Se percorrermos o IP3, na zona de Penacova, é impressionante..Vale a pena pensar em arrancar? "Claro que vale. Mas tem que ser com estratégia e com prioridades. Não temos recursos nem meios no nosso país para fazer o controlo de todas as invasoras que andam por aí. Por isso é importante perceber onde é que há maior probabilidade de sucesso e se pode assegurar que o controlo seja feito a longo prazo. Porque estas espécies, uma só ação muitas vezes não a consegue eliminar. Por isso é muito importante começar por áreas onde a invasão não é tão óbvia e tão grande"..O fogo estimula a germinação das sementes. Não mata as plantas. "Destrói apenas a parte de cima, e depois elas conseguem rebentar e muitas vezes ocupar áreas maiores do que aquelas que anteriormente ocupavam", explica a especialista, acrescentando que, naquela zona, temos várias espécies que beneficiam com o fogo, mas são sobretudo dois grupos. Além das acácias, as hakeas - que conseguem espalhar as sementes quando os frutos são abertos - e aumentam muito a área..Elisabete Marchante faz parte da equipa do Centro de Ecologia Funcional da Universidade de Coimbra, do Instituto Politécnico e da Escola Superior Agrária. Desde 2013 que mantém online a página Invasoras.pt, um projeto que nasceu inicialmente através da Ciência Viva, e que tem várias valências, mas sobretudo de informação de controlo de espécies e mapeamento das espécies. "Temos uma parte de ciência-cidadã, em que pedimos às pessoas que nos ajudem a identificar onde estão as invasoras". Até ao momento já recebeu mais de 20 mil registos. "Muitas vezes as entidades responsáveis pela gestão do território pedem-nos os dados para o poderem fazer", revela ao DN Elisabete Marchante, sublinhando que "qualquer pessoa pode participar, fornecendo a localização das espécies.