Depois de Draghi, é hora de Meloni? Centro-direita lidera sondagens

Presidente aceitou a demissão do primeiro-ministro, após ficar claro que seria impossível criar uma nova maioria de governo. Eleições antecipadas estão marcadas para 25 de setembro.
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O presidente italiano, Sergio Mattarella, aceitou ontem a demissão do primeiro-ministro, Mario Draghi, abrindo a porta à convocação de eleições antecipadas para 25 de setembro. Depois de as eleições de 2018 terem deixado uma Câmara dos Deputados dividida, levando à formação de um governo de união nacional em fevereiro de 2021, as sondagens apontam atualmente para uma vitória e uma maioria do centro-direita na próxima ida às urnas - com Giorgia Meloni, líder dos Irmãos de Itália, que tem procurado afastar-se das suas origens neofascistas, a poder tornar-se na primeira mulher a chefiar o governo italiano.

A crise política das últimas semanas foi desencadeada pela retirada do apoio do Movimento 5 Estrelas (M5E) ao governo, com a primeira demissão de Draghi a ser travada por Mattarella. Mas o primeiro-ministro não conseguiu reconstruir a sua maioria alargada no Parlamento, perdendo também o apoio da Liga, de Matteo Salvini, e da Força Itália, de Silvio Berlusconi. Mattarella teve então que aceitar a demissão de Draghi. Numa declaração ao país, o presidente explicou que "a falta de apoio parlamentar ao governo e a falta de perspetivas de criação de uma nova maioria" tornaram "inevitável a dissolução precoce" do Parlamento. O primeiro-ministro seguirá no cargo até à eleição de um sucessor.

Na sua intervenção, Mattarella lembrou o momento difícil devido à crise económica e social - com o aumento de inflação causado pela subida dos preços da energia -, à qual se junta a guerra na Ucrânia e ainda a pandemia. "Por estas razões, espero que, apesar da intensa e por vezes aguda dialética da campanha eleitoral, haja uma contribuição construtiva por parte de todos no melhor interesse de Itália." As eleições estavam previstas só para o próximo ano, mas já há meses que existia tensão dentro do governo, com os partidos de campos opostos a quererem marcar posição diante dos eleitores.

Depois da mudança da lei eleitoral, a Câmara dos Deputados italiana passará dos atuais 630 para os 400 lugares, sendo que os cenários com base nas últimas sondagens apontam não só para a vitória, mas também para uma maioria do centro-direita - a aliança entre os Irmãos de Itália, a Liga e a Força Itália. Conseguem juntos eleger até 221 deputados e 108 dos 200 senadores. Aos 45 anos, Meloni está no caminho certo para se poder tornar na primeira mulher a chefiar o governo italiano - se conseguir pôr de lado as diferenças pessoais e de política com os aliados.

A romana Meloni militou desde os 15 anos no neofascista Movimento Social Italiano (herdeiro do partido de Benito Mussolini), que deu depois lugar à Aliança Nacional. Deputada desde 2006, tornou-se dois anos depois na mais jovem ministra do país, assumindo a pasta da Juventude no governo de Berlusconi. A Aliança acabaria por se unir à Força Itália, dando origem ao Povo da Liberdade, mas divergências internas resultaram na cisão deste partido, com Meloni a criar o Irmãos de Itália no final de 2012.

Desde o início que o partido rejeita o carimbo de extrema-direita, definindo-se como pertencente à direita conservadora "extremamente rigorosa", crítica da imigração e da islamização da sociedade. Nas eleições de 2018, os Irmãos de Itália tiveram 4,4% dos votos, elegendo 32 deputados. Agora, surgem como favoritos nas sondagens, com 23% das intenções de voto, depois de em fevereiro de 2021 terem recusado dar o aval ao governo de união nacional de Draghi. "Estamos prontos", indicaram ontem no Twitter sobre as eleições que defendiam há meses.

O Partido Democrático (centro-esquerda), de Enrico Letta, surge logo atrás, com 22% das intenções de voto, à frente da Liga, que tem 15%, e do M5E, liderado por Giuseppe Conte, que tem 11%. As sondagens ainda não têm em conta a cisão destes últimos, desencadeada pela saída do chefe da diplomacia, Luigi di Maio, que formou o Juntos pelo Futuro. A Força Itália tem 8% das intenções de voto.

Apesar de as contas parecerem favoráveis a Meloni, a líder dos Irmãos de Itália tem vários obstáculos pela frente, começando por conseguir a confiança dos aliados - apesar de os três partidos já terem aceitado concorrer juntos numa aliança de centro-direita que os favorece diante de um centro-esquerda dividido. Os analistas acreditam que tanto Salvini como Berlusconi podem resistir a entregar a chefia do governo a Meloni, alegando que não tem qualificações e temendo que o seu partido possa vir a ganhar ainda mais força.

Também há diferenças políticas. Meloni sempre foi eurocética, mas não tanto como Salvini, tendo hoje a União Europeia uma melhor reputação do que há uns anos - Itália vai receber milhares de milhões de euros europeus para o seu programa de resiliência pós-covid-19. Em relação à guerra na Ucrânia, Meloni apoiou a posição do governo de Draghi de mão forte contra a Rússia, mais ainda do que a própria Força Itália ou a Liga, que faziam parte da coligação no poder. É preciso não esquecer que Berlusconi sempre teve ligações pessoais ao presidente russo, Vladimir Putin, e Salvini também era um admirador.

susana.f.salvador@dn.pt

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