Défice explode, mas fisco já tem 200 milhões de euros para cobrar depois da pandemia
O défice público acumulado entre janeiro e outubro subiu de forma muito violenta face aos mesmos dez meses do ano passado, mas parte do agravamento são impostos que não foram cobrados agora, mas que serão mais tarde, eventualmente depois de terminar a pandemia.
De acordo com cálculos do DN/Dinheiro Vivo a partir dos dados atualizados da execução orçamental, estamos a falar em quase 200 milhões de euros de receita fiscal adiada temporariamente, ou talvez muito mais, dependendo do que for possível cobrar às empresas em termos de pagamentos por conta, por exemplo.
O défice global das contas públicas portuguesas cresceu de forma explosiva entre outubro de 2019 e outubro deste ano. Segundo o Ministério das Finanças, "a execução orçamental em contabilidade pública apresentou um défice de 7198 milhões de euros até outubro, o que representa um agravamento de 8197 milhões de euros face ao período homólogo". Ou seja, há precisamente um ano as contas eram excedentárias, havia mais receita do que despesa nos cofres. O país acabaria o ano de 2019 com um excedente, uma marca histórica desde que Portugal é uma democracia.
No entanto, a pandemia de covid-19 veio arrasar com estes resultados. As medidas para travar a doença passaram pelo confinamento da população e pelo encerramento parcial ou total da esmagadora maioria das atividades económicas. Durante meses não houve praticamente turistas estrangeiros.
O Estado teve de intervir com medidas para tentar segurar as empresas e preservar empregos, o que fez disparar a despesa. Recorde-se por exemplo a mais emblemática e dispendiosa, o lay-off simplificado, que durou de março a julho.
Do outro lado da equação, a receita. Com a economia a ir ao charco, a coleta de impostos e de contribuições afundou imediatamente. Além disso, o fisco avançou com uma série de "prorrogações" e "moratórias" em vários impostos. Aliviou a pressão fiscal em 2020, mas não abriu mão desse dinheiro. Fica para mais tarde, para depois da pandemia.
Até outubro, o valor adiado e a cobrar mais adiante já é significativo, supera os 200 milhões de euros.
Segundo o Ministério das Finanças, liderado por João Leão, a prorrogação das retenções na fonte (IRC e IRS) vai em cerca de 12 milhões de euros.
A prorrogação do pagamento do IVA ascende a 22,5 milhões.
O adiamento das contribuições para a Segurança Social ascendia a mais de 62 milhões de euros no final de outubro.
A "suspensão de pagamento de planos prestacionais e processos de execução contributiva" valia quase 71 milhões de euros.
E o conjunto de outras moratórias e facilidades temporárias (moratórias na cobrança de rendas, por exemplo) estaria nos 71 milhões de euros, segundo as Finanças.
A grande dúvida paira sobre as verbas que nunca serão cobradas ao abrigo dos pagamentos por conta em sede de IRC. A suspensão destes pagamentos vale até agora, segundo o ministério, cerca de 791 milhões de euros.
No entanto, o valor que transitará e que estará à cobrança no futuro (em 2021 ou depois de terminar a pandemia) será tanto maior quando menores forem as quebras de faturação das empresas neste ano.
Mas, nesse aspeto, o panorama é bastante sombrio. O país entrou numa segunda vaga da pandemia e o governo voltou a impor medidas de confinamento muito duras ao comércio e aos restaurantes. Muitos economistas falam já de uma nova recaída na recessão (recessão em W).
O desequilíbrio das contas públicas está a progredir rapidamente. Recorde-se que, em setembro, o défice já ia nos 5179 milhões de euros. Ou seja, em apenas um mês, o desvio aumentou mais de dois mil milhões de euros.
"Esta evolução do défice - justificada pela pandemia - resulta do efeito conjugado de redução da receita (-6,4%) e acréscimo da despesa (+5,1%)", diz uma nota enviada aos jornais pelo gabinete do ministro João Leão.
É o efeito conjugado "dos impactos desfavoráveis na economia associados à redução acentuada da receita fiscal e contributiva" e do "acréscimo na despesa associado às medidas extraordinárias de apoio às famílias e empresas".
"Estes efeitos já justificam um agravamento adicional do saldo até outubro de, pelo menos, 3865 milhões de euros", diz a mesma fonte oficial.
A lista de despesa a mais e receita a menos devido à pandemia é extensa.
Do lado da quebra de receita, as Finanças enumeram "os impactos da suspensão dos pagamentos por conta (-791 milhões de euros) e da prorrogação das retenções na fonte (IRC e IRS) e pagamento do IVA, a suspensão de execuções da receita e de medidas de isenção ou redução da taxa contributiva (-240 milhões de euros)".
"A estes efeitos acresce o impacto da perda de receita contributiva pela isenção de pagamento de TSU (taxa social única) no âmbito do regime de lay-off simplificado, apoio à retoma progressiva e incentivo financeiro à normalização da atividade empresarial estimada em cerca 477 milhões de euros até outubro."
Do outro lado há o aumento de despesa associado à covid-19 e que o gabinete de João Leão calcula que já ascenda a 2357 milhões de euros até outubro.
Essa subida nos gastos está "principalmente associada às medidas de lay-off (875 milhões de euros), aquisição de equipamentos na saúde (430 milhões de euros), outros apoios suportados pela Segurança Social (461 milhões de euros) e no âmbito do incentivo extraordinário à normalização (221 milhões de euros).